Imagine a seguinte situação adaptada:
Art.
163 (...)
Parágrafo
único - Se o crime é cometido:
III
- contra o patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou
de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou
empresa concessionária de serviços públicos; (Redação dada pela Lei nº 13.531,
de 2017)
O juiz
concedeu a liberdade provisória afirmando que não havia elementos suficientes e
plausíveis para a decretação da custódia cautelar. No entanto, o magistrado fixou
medidas cautelares diversas da prisão:
a) proibição
de João se ausentar do Município por mais de dez dias sem comunicar a justiça;
b) proibição
de alterar seu endereço sem comunicação prévia ao Juízo; e
c) recolhimento
noturno em albergue municipal ou outro ponto de acolhida, informando o Juízo de
seu endereço.
A pedido
do MPF, foi instaurado incidente de insanidade mental.
João não
foi localizado para ser conduzido ao exame médico pericial.
O MPF
ofereceu denúncia e requereu a prisão preventiva considerando que foram
descumpridas as medidas cautelares anteriormente impostas.
A denúncia
foi recebida, tendo sido decretada a prisão preventiva.
O mandado
de prisão foi cumprido.
A defesa
impetrou habeas corpus alegando a ausência de motivação idônea para manutenção
da prisão preventiva do acusado. Afirmou
que o fato de o acusado estar em situação de rua não autoriza a sua manutenção
no cárcere. Aduziu que a custódia é desproporcional à gravidade do delito,
porquanto a conduta em tese imputada ao réu tem como pena máxima cominada 3
anos de detenção.
O STJ
concordou com o pedido da defesa?
SIM.
O
Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 425/2021, que instituiu, no
âmbito do Poder Judiciário, a Política Nacional Judicial de Atenção a Pessoas
em Situação de Rua e suas interseccionalidades.
No que tange às medidas em
procedimentos criminais, no art. 18, recomenda-se especial atenção às demandas
das pessoas em situação de rua, com vistas a assegurar a inclusão social delas,
observando-se a principiologia e as medidas de proteção de direitos previstas
na resolução.
Assim, na análise do cabimento da
prisão preventiva de pessoas em situação de rua, além dos requisitos legais
previstos no Código de Processo Penal, o magistrado deve observar as
recomendações constantes da Resolução Nº 425 do CNJ, e, caso sejam fixadas
medidas cautelares alternativas, aquela que melhor se adequa a realidade da
pessoa em situação de rua, em especial quanto à sua hipossuficiência,
hipervulnerabilidade, proporcionalidade da medida diante do contexto e
trajetória de vida, além das possibilidades de cumprimento.
Tal como na prisão, para a
fixação de medidas cautelares diversas, previstas no art. 319 do CPP, é preciso
fundamentação específica (concreta), a fim de demonstrar a necessidade e a
adequação da medida restritiva da liberdade aos fins a que se destina, consoante
previsão do art. 282 do CPP.
Nesse sentido, a jurisprudência
do STJ não admite restrição à liberdade do agente sem a devida fundamentação
concreta que indique a necessidade da custódia cautelar, sob pena de a medida
perder a sua natureza excepcional e se transformar em mera resposta punitiva
antecipada.
Embora haja afirmado
categoricamente a inexistência de elementos suficientes e plausíveis para a
decretação da custódia cautelar, o Juiz de primeiro grau, na decisão que
homologou o flagrante do acusado e concedeu a liberdade provisória, fixou
medidas cautelares de proibição de se ausentar da Subseção Judiciária, por mais
de dez dias, ou alteração de endereço sem comunicação prévia ao Juízo, e
recolhimento noturno em albergue municipal ou outro ponto de acolhida,
informando o Juízo de seu endereço. Desse modo, as referidas medidas
restritivas foram fixadas tão somente com base na existência da materialidade
delitiva e dos indícios de autoria, sem que fosse demonstrada a cautelaridade
necessária a qualquer providência desta ordem.
Além disso, a fixação da medida
de recolhimento noturno em albergue municipal constituiu verdadeiro acolhimento
compulsório do acusado, sem que houvesse justificativa para a medida em cotejo
com o crime imputado ao paciente (dano qualificado praticado durante o dia) e
sem que fosse observada a diretriz de possibilidade real de cumprimento, dada a
condição de pessoa em situação de rua do agente.
A questão referente a pessoas em
situação de rua é complexa, demanda atuação conjunta e intersetorial, e o
cárcere, em situações como a que se apresenta nos autos, não se mostra como
solução adequada. Cabe aos membros do Poder Judiciário, ainda que atuantes
somente no âmbito criminal, um olhar atento a questões sociais atinentes aos
réus em situação de rua, com vistas à adoção de medidas pautadas sempre no
princípio da legalidade, mas sem reforçar a invisibilidade desse grupo
populacional.
Em suma:
STJ. 6ª Turma. HC 772.380-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz,
julgado em 08/11/2022 (Info 757).