A situação concreta foi a seguinte:
No Maranhão, foi editada a Lei estadual nº 11.011/2019,
que acrescentou a alínea “m” ao inciso II do art. 23 da Lei Estadual nº 7.799/2002,
para estabelecer alíquota reduzida de ICMS para as operações com cervejas que
contenham, no mínimo, 15% de fécula de mandioca em sua composição, desde que
comercializadas em embalagem retornável.
A alíquota original de ICMS para a comercialização de
cerveja era de 28,5% e foi reduzida para 12%, no Estado do Maranhão, para incentivar
a instalação de uma fábrica específica de cervejas no Estado (cerveja feita de
mandioca).
ADI
A Associação Brasileira de Bebidas – ABRABE ajuizou ADI contra
essa lei.
Alegou que a redução seria inconstitucional porque representou
a concessão unilateral de incentivo fiscal sem observância dos requisitos estabelecidos
pela Lei Complementar federal nº 24/75 e sem prévia aprovação pelo CONFAZ.
Além disso, alegou que haveria afronta ao art. 150, II,
da CF, ao estabelecer condições tributárias desiguais para contribuintes em
situação equivalente.
Do mesmo modo, haveria afronta ao art. 155, §2º, III, da
CF, por ofensa ao princípio da seletividade, não havendo justificativa quanto à
essencialidade decorrente da matéria-prima.
O STF concordou com o pedido formulado? Essa lei é inconstitucional?
SIM.
Violação ao art. 113 do ADCT
Os arts. 1º e 2º da Lei Estadual maranhense nº
11.011/2019 reduziram a alíquota de ICMS (12%) para as operações com cervejas
que contenham, no mínimo, 15% (quinze por cento) de fécula de mandioca em sua
composição.
A lei, porém, não foi instruída com a devida estimativa
do seu impacto financeiro e orçamentário.
Logo, a lei
impugnada é formalmente inconstitucional porque promoveu a redução da alíquota
de ICMS sem que a proposição fosse instruída com a devida estimativa do seu
impacto orçamentário e financeiro, conforme exigido pelo art. 113 do ADCT:
Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa
obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu
impacto orçamentário e financeiro. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 95,
de 2016)
A concessão do incentivo fiscal não teve prévia
autorização por meio de convênio
O
Estado-membro só pode conceder benefícios de ICMS se isso tiver sido
previamente autorizado por meio de convênio celebrado com os demais
Estados-membros e DF, nos termos do art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF/88 e o art.
1º da LC 24/75:
Art. 155 (...)
§ 2º O imposto previsto no inciso II (ICMS) atenderá ao seguinte:
(...)
XII - cabe à lei complementar:
(...)
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito
Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
Art. 1º As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de
mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e
ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.
Desse modo, a concessão de incentivo fiscal — tal qual a
redução de alíquota — é ato complexo que demanda necessariamente a integração
de vontades via celebração de convênio entre os diferentes entes federativos,
dado o seu caráter nacional, conforme disciplinado nas Leis Complementares
24/1975 e 160/2017. Esta última Lei Complementar, inclusive, representou um
“freio de arrumação” aos tantos benefícios concedidos unilateralmente no âmbito
do fenômeno apelidado de “guerra fiscal”.
Violação à isonomia tributária
Além disso,
essa renúncia fiscal feita em razão da matéria-prima não observa qualquer
critério de discrímen. Em outras palavras, não existe razão que a justifique. Assim,
a lei gera uma desigualdade inconstitucional, violando o princípio da isonomia
tributária (art. 150, II, da CF/88) e acarretando desequilíbrio concorrencial
(art. 170, IV):
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte,
é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem
em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação
profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação
jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
IV - livre concorrência;
Violação ao princípio da seletividade tributária
Segundo o princípio da seletividade, é possível a fixação
de alíquotas menores sobre produtos e serviços essenciais. É isso que faz com
que, em nome da justiça fiscal, haja redução da base de cálculo ou da alíquota
dos tributos sobre mercadorias consideradas indispensáveis e essenciais ao
consumo humano, a exemplo dos alimentos.
O art. 155, § 2º, III, da CF/88 autoriza que o ICMS seja seletivo.
Ocorre que, no caso concreto, o legislador fixou alíquota
menor para determinada mercadoria (cerveja de mandioca) que não era essencial.
A finalidade do legislador maranhense, no presente caso,
foi apenas extrafiscal, com vistas a fomentar atividade econômica e a geração
de emprego, o que, entretanto, não é algo que guarda especificidade com a
operação subsidiada.
Logo, houve, no presente caso, violação ao princípio da
seletividade tributária do ICMS (art. 155, § 2º, III, da CF/88).
Em suma:
STF. Plenário.
ADI 6152/MA, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/9/2022 (Info 1070).
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por
unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade
formal e material dos arts. 1º e 2º da Lei nº 11.011/2019 do Estado do
Maranhão.