Dizer o Direito

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

É inconstitucional lei estadual que, sem comprovação do impacto financeiro e orçamentário e sem prévia autorização por meio de convênio interestadual, reduz a alíquota de ICMS para as operações com cerveja de mandioca

 

A situação concreta foi a seguinte:

No Maranhão, foi editada a Lei estadual nº 11.011/2019, que acrescentou a alínea “m” ao inciso II do art. 23 da Lei Estadual nº 7.799/2002, para estabelecer alíquota reduzida de ICMS para as operações com cervejas que contenham, no mínimo, 15% de fécula de mandioca em sua composição, desde que comercializadas em embalagem retornável.

A alíquota original de ICMS para a comercialização de cerveja era de 28,5% e foi reduzida para 12%, no Estado do Maranhão, para incentivar a instalação de uma fábrica específica de cervejas no Estado (cerveja feita de mandioca).

 

ADI

A Associação Brasileira de Bebidas – ABRABE ajuizou ADI contra essa lei.

Alegou que a redução seria inconstitucional porque representou a concessão unilateral de incentivo fiscal sem observância dos requisitos estabelecidos pela Lei Complementar federal nº 24/75 e sem prévia aprovação pelo CONFAZ.

Além disso, alegou que haveria afronta ao art. 150, II, da CF, ao estabelecer condições tributárias desiguais para contribuintes em situação equivalente.

Do mesmo modo, haveria afronta ao art. 155, §2º, III, da CF, por ofensa ao princípio da seletividade, não havendo justificativa quanto à essencialidade decorrente da matéria-prima.

 

O STF concordou com o pedido formulado? Essa lei é inconstitucional?

SIM.

 

Violação ao art. 113 do ADCT

Os arts. 1º e 2º da Lei Estadual maranhense nº 11.011/2019 reduziram a alíquota de ICMS (12%) para as operações com cervejas que contenham, no mínimo, 15% (quinze por cento) de fécula de mandioca em sua composição.

A lei, porém, não foi instruída com a devida estimativa do seu impacto financeiro e orçamentário.

Logo, a lei impugnada é formalmente inconstitucional porque promoveu a redução da alíquota de ICMS sem que a proposição fosse instruída com a devida estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, conforme exigido pelo art. 113 do ADCT:

Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016)

 

A concessão do incentivo fiscal não teve prévia autorização por meio de convênio

O Estado-membro só pode conceder benefícios de ICMS se isso tiver sido previamente autorizado por meio de convênio celebrado com os demais Estados-membros e DF, nos termos do art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF/88 e o art. 1º da LC 24/75:

Art. 155 (...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II (ICMS) atenderá ao seguinte:

(...)

XII - cabe à lei complementar:

(...)

g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

 

Art. 1º As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.

 

Desse modo, a concessão de incentivo fiscal — tal qual a redução de alíquota — é ato complexo que demanda necessariamente a integração de vontades via celebração de convênio entre os diferentes entes federativos, dado o seu caráter nacional, conforme disciplinado nas Leis Complementares 24/1975 e 160/2017. Esta última Lei Complementar, inclusive, representou um “freio de arrumação” aos tantos benefícios concedidos unilateralmente no âmbito do fenômeno apelidado de “guerra fiscal”.

 

Violação à isonomia tributária

Além disso, essa renúncia fiscal feita em razão da matéria-prima não observa qualquer critério de discrímen. Em outras palavras, não existe razão que a justifique. Assim, a lei gera uma desigualdade inconstitucional, violando o princípio da isonomia tributária (art. 150, II, da CF/88) e acarretando desequilíbrio concorrencial (art. 170, IV):

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

IV - livre concorrência;

 

Violação ao princípio da seletividade tributária

Segundo o princípio da seletividade, é possível a fixação de alíquotas menores sobre produtos e serviços essenciais. É isso que faz com que, em nome da justiça fiscal, haja redução da base de cálculo ou da alíquota dos tributos sobre mercadorias consideradas indispensáveis e essenciais ao consumo humano, a exemplo dos alimentos.

O art. 155, § 2º, III, da CF/88 autoriza que o ICMS seja seletivo.

Ocorre que, no caso concreto, o legislador fixou alíquota menor para determinada mercadoria (cerveja de mandioca) que não era essencial.

A finalidade do legislador maranhense, no presente caso, foi apenas extrafiscal, com vistas a fomentar atividade econômica e a geração de emprego, o que, entretanto, não é algo que guarda especificidade com a operação subsidiada.

Logo, houve, no presente caso, violação ao princípio da seletividade tributária do ICMS (art. 155, § 2º, III, da CF/88).

 

Em suma:

 

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade formal e material dos arts. 1º e 2º da Lei nº 11.011/2019 do Estado do Maranhão.


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