segunda-feira, 12 de dezembro de 2022
Depois que a parte devedora efetua o depósito em juízo ou tem valores penhorados, ela ainda continua tendo responsabilidade pelo pagamento dos juros e correção monetária?
Imagine a seguinte situação hipotética:
Alfa Ltda era uma concessionária da
BMW.
Houve a rescisão do contrato de
concessão comercial.
A ex-concessionária ajuizou ação de
indenização contra a BMW cobrando valores que entendia devidos em razão da
rescisão contratual.
Ao final, a BMW foi condenada a pagar
R$ 1 milhão, acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, conforme previsão em
contrato.
A credora ingressou com petição
requerendo o cumprimento da sentença e o pagamento do valor da condenação.
O juiz determinou a intimação da
devedora para pagar a quantia em 15 dias.
A BMW, em vez de pagar, afirmou que
queria se defender (questionar o cumprimento de sentença por meio da
impugnação). Para isso, efetuou o depósito, a título de garantia do juízo, de R$
1 milhão, e apresentou sua impugnação.
Suspensão da execução
Em regra, a impugnação não tem efeito suspensivo, ou seja, o
cumprimento de sentença continua normalmente. No entanto, o juiz pode atribuir
efeito suspensivo (paralisando a execução), nos termos do art. 525, § 6º do
CPC/2015:
Art. 525 (...)
§ 6º A apresentação de impugnação
não impede a prática dos atos executivos, inclusive os de expropriação, podendo
o juiz, a requerimento do executado e desde que garantido o juízo com penhora,
caução ou depósito suficientes, atribuir-lhe efeito suspensivo, se seus
fundamentos forem relevantes e se o prosseguimento da execução for
manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou
incerta reparação.
O magistrado determinou a suspensão da
execução. Logo, o dinheiro depositado como garantia permaneceu na conta
bancária, não podendo ser sacado pela Alfa.
Responsabilidade do devedor pela
correção monetária e juros de mora
Depois de dois anos, o juiz julgou
improcedente a impugnação e determinou a entrega do valor depositado em favor
da credora.
Ocorre que não seria justo que após
todo esse tempo, a exequente recebesse o valor sem qualquer encargo. Desse
modo, a credora terá direito de receber a quantia depositada, acrescida de
juros e correção monetária, para que não seja prejudicado pela demora.
A obrigação de pagar os juros e a
correção monetária é da devedora? Em nosso exemplo, a BMW, que já havia
depositado R$ 1 milhão, terá que pagar mais algum valor a título de juros e
correção monetária? Vamos lembrar que o juiz havia determinado o pagamento de
juros de 1% ao mês. Esses juros continuaram incidindo durante o período em que
o valor ficou depositado e deverão ser pagos pela devedora?
Antiga posição do STJ: NÃO
Na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral
ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor nos limites da
quantia depositada.
STJ. Corte Especial. REsp 1348640-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino,
julgado em 7/5/2014 (Recurso Repetitivo – Tema 677 – em sua redação originária)
(Info 540).
O STJ entendia que, depois de fazer o
depósito, o devedor cumpriu a sua obrigação e teria apenas que aguardar o
resultado do julgamento. Logo, nesse nosso exemplo, o termo final desses juros
de 1% seria a data do depósito. Tendo feito o depósito, a devedora estava livre
de qualquer outro encargo.
Se, ao final, o julgamento da
impugnação fosse favorável à devedora, ela receberia o valor depositado de volta
(no todo ou em parte).
Se o julgamento lhe fosse contrário, ela
perderia a quantia depositada, mas não precisaria mais pagar nenhuma verba
extra à credora.
Em suma, a credora tinha direito apenas
aos juros e correção monetária pagos pela instituição financeira que ficou
responsável pelo depósito da quantia.
Essa solução parecia adequada, no
entanto, na prática se mostrou injusta. Isso porque os índices de juros e
correção monetária utilizados pelos bancos são mais baixos (índices de
poupança) do que os previstos no contrato (1% ao mês, INPC etc.). Isso fazia
com que, na prática, o valor a ser pago ao credor ficasse abaixo do que ele teria
direito por força do contrato. Em nosso exemplo, a atualização monetária paga
pela instituição financeira era inferior ao que foi estipulado pelo juiz (1% ao
mês).
Diante disso, o STJ resolveu alterar a
redação a tese do Tema 677. Veja abaixo.
Nova
posição do STJ:
SIM
O STJ disse que:
• a instituição financeira que guarda o
valor continua responsável pelos juros e correção monetária que já incidiam
sobre o valor depositado;
• o devedor, por sua vez, será
responsável pelos encargos de mora previstos contratualmente e surgidos após o
depósito, já descontada (deduzida) a atualização realizada pelas instituições
financeiras.
A obrigação da instituição
financeira depositária pelo pagamento dos juros e correção monetária sobre o
valor depositado convive com a obrigação do devedor de pagar os consectários
próprios de sua mora, segundo previsto no título executivo, até que ocorra o
efetivo pagamento da obrigação ao credor.
Enquanto
não há o efetivo pagamento, ainda persiste a mora
No
plano de direito material, considera-se em mora o devedor que não efetuar o
pagamento na forma e tempo devidos, hipótese em que deverá responder pelos
prejuízos a que sua mora der causa, mais juros e atualização dos valores
monetários, além de honorários de advogado, nos termos dos arts. 394 e 395 do
Código Civil. Outrossim, tem-se por caracterizada a mora do devedor até que
este a purgue, mediante o efetivo oferecimento ao credor da prestação devida,
acrescida dos respectivos consectários (art. 401, I, do CC/2002).
A
purga da mora na obrigação de pagar quantia certa, assim como ocorre no
adimplemento pontual desse tipo de prestação, não se consuma com a simples
perda da posse do valor pelo devedor; é necessário, deveras, que ocorra a
efetiva entrega da soma de valor ao credor, ou, ao menos, a entrada da quantia
na sua esfera de disponibilidade.
Embora
o Código Civil tenha sido lacunoso a respeito do tema, limitando-se a tratar
das obrigações de dar coisa certa ou incerta - com o que não se confunde a
obrigação de pagar -, o Código de Processo Civil, ao dispor sobre o cumprimento
forçado da obrigação, deixa claro que a satisfação do crédito se dá pela
entrega do dinheiro ao credor, ressalvada a possibilidade de adjudicação dos
bens penhorados, nos exatos termos do art. 904 do CPC/2015.
Na
mesma linha, o art. 906 do CPC, expressamente vincula a declaração de quitação
da quantia paga ao momento do recebimento do mandado de levantamento pela parte
exequente, ou, alternativamente, pela transferência eletrônica dos valores.
Assim,
tem-se que somente o depósito judicial efetuado voluntariamente pelo devedor,
com vistas à imediata satisfação do credor, sem qualquer sujeição do levantamento
à discussão do débito, tem a aptidão de fazer cessar a mora do devedor e
extinguir a obrigação, nos limites da quantia depositada.
Se
o depósito é feito a título de garantia do juízo ou se é coercitivo, decorrente
da penhora de ativos financeiros, não se opera a cessação da mora do devedor,
haja vista que, em hipóteses tais, não ocorre a imediata entrega do dinheiro ao
credor, cujo ato enseja a quitação do débito.
Consequentemente,
se o depósito não tem a finalidade de pronto pagamento ao credor, devem
continuar a correr contra o devedor os juros moratórios e a correção monetária
previstos no título executivo, ou eventuais outros encargos contratados para a
hipótese de mora, até que ocorra a efetiva liberação da quantia ao credor,
mediante o recebimento do mandado de levantamento ou a transferência eletrônica
dos valores.
Depósito
judicial não tem efeito liberatório
Há
de se destacar que o depósito judicial na execução não se confunde com o
depósito na ação de consignação em pagamento, que é ação com procedimento
especial cabível nas estritas hipóteses do art. 335 do CC/02, em especial
quando há recusa do credor em receber o pagamento ou dar-lhe quitação, sem
justa causa (inc. I), ou, ainda, quando pende litígio sobre o objeto do
pagamento (inc. V). Este apenas tem o condão de extinguir a obrigação do
devedor quando para ele concorrer os mesmos requisitos de validade do
pagamento, como tempo, modo, valor e lugar (arts. 336 e 337 do CC/2002), sendo
que, de todo modo, a Lei Processual garante ao credor a imediata
disponibilidade da quantia, como dispõe o art. 545, § 1º, do CPC/2015.
Assim,
não se pode atribuir o efeito liberatório do devedor por causa do depósito de
valores para garantia do juízo, com vistas à discussão do crédito postulado
pelo credor, nem ao depósito derivado da penhora de ativos financeiros, porque
não se trata de pagamento com animus solvendi.
Retirar
o encargos do devedor após o depósito estimularia que o devedor não tivesse
interesse no fim da execução
Entendimento
em sentido diverso teria o nefasto condão de estimular a perpetuidade da
execução, porquanto, uma vez ultrapassado o prazo para o pagamento da dívida -
com isenção de multa e honorários advocatícios, no cumprimento de sentença
judicial (art. 523 do CPC/2015), ou com o pagamento dos honorários pela metade,
na execução de título extrajudicial (art. 827 do CPC) - a menor ou maior
duração do processo executivo em nada influenciaria o valor final do débito, se
sua atualização (lato sensu) ocorresse apenas mediante o pagamento dos juros
remuneratórios e da correção monetária, devidos por força do contrato de
depósito mantido com a instituição financeira.
Não
há bis in idem na incidência dos encargos do devedor e do banco
Não
caracteriza bis in idem o pagamento cumulativo dos juros remuneratórios, por
parte do Banco depositário, e dos juros moratórios, a cargo do devedor, haja
vista que são diversas a natureza e finalidade dessas duas espécies de juros.
De fato, enquanto os juros remuneratórios têm por finalidade a simples remuneração
ou rendimento pelo uso do capital alheio (são os frutos civis do capital), os
juros moratórios têm natureza indenizatória e sancionadora, que deriva do
retardamento culposo no cumprimento da obrigação.
O
valor dos encargos pagos pela instituição financeira deverão ser abatidos do
valor dos encargos a serem pagos pela devedora
Evidentemente,
no momento anterior à expedição do mandado ou à transferência eletrônica, o
saldo da conta bancária judicial em que depositados os valores, já acrescidos
da correção monetária e dos juros remuneratórios a cargo da instituição
financeira depositária, há de ser deduzido do montante devido pelo devedor,
como forma de evitar o enriquecimento sem causa do credor.
Conclusão
Assim,
na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da
penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos
consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se,
quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final
devido o saldo da conta judicial.
Tese fixada pelo STJ
Na execução, o depósito efetuado a título de garantia
do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do
pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo,
devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do
montante final devido o saldo da conta judicial.
STJ. Corte
Especial. REsp 1.820.963-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/10/2022 (Recurso
Repetitivo – Tema 677) (Info 755).