quinta-feira, 29 de dezembro de 2022
Competência para julgar ação que tem por objeto apenas a reparação de danos morais e materiais suportados por pescadores em razão do rompimento da barragem de Mariana/MG
Rompimento da barragem de Mariana
Em 05 de janeiro de 2015, houve o
rompimento de uma barragem de rejeitos de minérios, localizada no Município de
Mariana (MG).
A barragem era de responsabilidade da
empresa Samarco Mineração S.A.
Segundo os autos, esse terrível evento
liberou quase cinco milhões de metros cúbicos de rejeitos de minérios altamente
tóxicos, destruindo a vida marinha de Bento Rodrigues (MG) até a foz do Rio
Doce, área em que se encontrava a maior biodiversidade marinha.
O desastre ambiental ocorreu no período da piracema, quando os peixes
sobem o rio para desovar, o que comprometeu a perpetuação das espécimes.
Por consequência, a pesca no trecho do Rio Doce afetado foi
suprimida, o que impactou diretamente na renda dos pescadores ribeirinhos,
especialmente dos Municípios de Baixo Guandu, Colatina e Vitória.
Como se não bastasse a suspensão total da pesca, mesmo os peixes
pescados antes do desastre não conseguiram mais ser vendidos considerando que o
mercado consumidor ficava com medo de que pudessem estar adquirindo peixes
contaminados.
O IBAMA aplicou multa de R$ 250 milhões à empresa, que foi
considerada a responsável pelo rompimento da barragem.
Além disso, foram iniciadas apurações nos âmbitos cível e
criminal.
Ação proposta pela Federação dos Pescadores
A Federação das Colônias e Associações dos Pescadores e
Agricultores do Espírito Santo (FECOPES) ajuizou ação contra a Samarco
Mineração S.A. pedindo que ela fosse condenada a pagar indenização por danos
morais e materiais aos pescadores integrantes das colônias pelos prejuízos
suportados em razão do rompimento da barragem.
A ação foi proposta na Justiça Estadual, mais especificamente no
Juízo da 2ª Vara Cível de Linhares (ES).
A mineradora contestou alegando, dentre outros argumentos, a
incompetência do Juízo.
O Juízo da 2ª Vara Cível
de Linhares entendeu que a ação pretendia tutelar coletivamente direitos
individuais homogêneos e que ficou constatado que o dano teria natureza
regional. Logo, a competência para a demanda seria do Juízo da capital do
Estado do Espírito Santo (Vitória), nos termos do art. 93, II, do CDC:
Art. 93. Ressalvada a competência
da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:
(...)
II - no foro da Capital do Estado
ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional,
aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência
concorrente.
Sendo assim,
devido a constatação da natureza regional do dano, o Juízo da 2ª Vara Cível de
Linhares (ES) determinou, de ofício, nos termos do art. 64, § 1º, do CPC, a
remessa dos autos para uma das Varas Cíveis da Comarca de Vitória (ES), dado
que a lesão atingiu várias comarcas de um mesmo estado, atribuindo-se a
competência absoluta ao juízo do foro da capital do Estado, evitando-se a
fragmentação da tutela coletiva.
A Somarco
Mineração S/A não concordou com a conclusão do Juízo e interpôs agravo de
instrumento, aduzindo que a competência deveria ser da Justiça Federal e
alegou que o Juízo da 12ª Vara da Seção Judiciária de Belo Horizonte é prevento
para a demanda, foro universal para processar e julgar as ações coletivas
decorrentes do rompimento da barragem.
O TJ/ES manteve
a decisão afirmando que a competência seria da uma das varas cíveis de Vitória
(ES), na Justiça Estadual.
A mineradora
interpôs recurso especial.
O STJ
manteve o acórdão do TJ/ES ou determinou a remessa para a Justiça Federal?
Manteve o acórdão.
A lide originária tem por objeto
a reparação de danos morais e materiais suportados por pescadores do Estado do
Espírito Santo em razão do rompimento da barragem de Fundão em Mariana/MG. Não
se discute a responsabilização do Estado, tampouco há indicação de pedido de
restauração do meio ambiente. Portanto, a demanda possui natureza eminentemente
privada.
No Conflito de Competência
144.922/MG, Relatora Ministra Diva Malerbi (Desembargadora convocada do TRF 3ª
Região), a Primeira Seção do STJ dirimiu a questão da competência para dirimir
as demandas decorrentes do referido acidente ambiental.
O STJ disse que:
• como regra geral, a 12ª
Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais é competente para julgar as
ações decorrentes do acidente ambiental de Mariana. Isso porque, além de ser a
Capital de um dos Estados mais atingidos pela tragédia, já tem sob sua análise
processos outros, visando não só a reparação ambiental stricto sensu, mas
também a distribuição de água à população dos Municípios atingidos, entre outras
providências, o que lhe propiciará, diante de uma visão macroscópica dos danos
ocasionados tomar medidas dotadas de mais efetividade, que não corram o risco
de ser neutralizadas por outras decisões judiciais provenientes de juízos
distintos, além de contemplar o maior número de atingidos.
• ficam ressalvadas as
situações que envolvam aspectos estritamente humanos e econômicos da tragédia
(tais como o ressarcimento patrimonial e moral de vítimas e familiares, combate
ao abuso de preços etc.) ou mesmo abastecimento de água potável que exija
soluções peculiares ou locais, as quais poderão ser objeto de ações individuais
ou coletivas, intentadas cada qual no foro de residência dos autores ou do
dano. Nesses casos, devem ser levadas em conta as circunstâncias particulares e
individualizadas, decorrentes do acidente ambiental, sempre com base na
garantia de acesso facilitado ao Poder Judiciário e da tutela mais ampla e
irrestrita possível. Em tais situações, o foro federal de Belo Horizonte não
deverá prevalecer, pois significaria óbice à facilitação do acesso à justiça,
marco fundante do microssistema da ação civil pública.
Assim, se o dano que se pretende
ver reparado no processo em debate tem caráter patrimonial (dano material
emergente e lucros cessantes) e extrapatrimonial (dano moral), ante a
preocupação em ampliar o acesso à Justiça daqueles prejudicados pela tragédia
de Mariana, não deve prevalecer a competência da 12ª Vara Federal de Belo
Horizonte, permitindo o ajuizamento de ações individuais e coletivas no foro de
residência dos autores ou no local do dano.
Outrossim, é certo que a reunião
dos processos em virtude da existência de conexão entre as demandas não é
obrigatória, especialmente se uma das causas já foi sentenciada, nos termos da
Súmula 235/STJ.
A
empresa pretende reunião do processo de origem com ações que foram extintas em
razão de sentença homologatória de acordo em que foram estabelecidas ações e
programas de reparação para o ressarcimento dos danos decorrentes do rompimento
da barragem de Fundão, em Mariana/MG, o qual se encontra em fase de execução.
Assim, incide no caso também o disposto no enunciado da Súmula 235 do STJ:
Súmula 235-STJ: A conexão não determina a reunião dos processos,
se um deles já foi julgado.
Em suma:
Em ação que tem por objeto apenas a reparação de
danos morais e materiais suportados por pescadores em razão do rompimento da
barragem de Fundão em Mariana/MG, não se discutindo a responsabilização do
Estado, não prevalece a competência da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte,
permitindo-se o ajuizamento no foro de residência do autor ou no local do dano.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.966.684-ES, Rel. Min. Maria Isabel
Gallotti, julgado em 17/10/2022 (Info 758).