quinta-feira, 22 de dezembro de 2022
Comentários à Súmula 655 do STJ
Súmula 655-STJ: Aplica-se à união
estável contraída por septuagenário o regime da separação obrigatória de bens,
comunicando-se os adquiridos na constância, quando comprovado o esforço comum.
STJ. 2ª Seção. Aprovada em
09/11/2022.
União
estável
A união
estável é uma entidade familiar, caracterizada pela união entre duas pessoas,
do mesmo sexo ou de sexos diferentes, que possuem convivência pública, contínua
e duradoura, com o objetivo de constituição de família.
Previsão constitucional
Art.
226 (...) § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável
entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento.
Previsão no Código Civil
Art.
1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a
mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida
com o objetivo de constituição de família.
Apesar da
CF/88 e do Código Civil falarem em união de homem e mulher, o STF, ao julgar a
ADI 4.277-DF em conjunto com a ADPF 132-RJ, entendeu que é possível a
existência de uniões estáveis homoafetivas, ou seja, entre pessoas do mesmo
sexo (STF. Plenário. ADI 4277, Rel. Min. Ayres Britto, julgado em 05/05/2011).
Requisitos
para a caracterização da união estável
a)
A união deve ser pública (não pode ser oculta, clandestina);
b)
A união deve ser duradoura, ou seja, estável, apesar de não se
exigir um tempo mínimo;
c)
A união deve ser contínua (sem que haja interrupções
constantes);
d)
A união deve ser estabelecida com o objetivo de constituir uma família;
e)
As duas pessoas não podem ter impedimentos para casar;
f)
A união entre essas duas pessoas deve
ser exclusiva
(é impossível a existência de uniões estáveis concomitantes e a existência de
união estável se um dos componentes é casado e não separado de fato).
A
coabitação é um requisito da união estável?
NÃO. O Código
Civil não exige que os companheiros residam sob o mesmo teto, de sorte que
continua em vigor, com as devidas adaptações, a antiga Súmula 382-STF: A vida
em comum sob o mesmo teto “more uxório”, não é indispensável à caracterização
do concubinato.
Se duas pessoas estão vivendo em união estável, a
lei prevê regras para disciplinar o patrimônio desse casal?
SIM. O Código Civil
estabelece que, na união estável, as relações patrimoniais entre o casal
obedecem, em regra, o regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725):
Art.
1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros,
aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial
de bens.
Em
outras palavras, é como se as pessoas que vivem em união estável estivessem
casadas sob o regime da comunhão parcial de bens.
É
possível que esse casal altere isso?
SIM.
Os companheiros podem celebrar um contrato escrito entre si estipulando regras
patrimoniais específicas que irão vigorar naquela união estável. Ex.:
empresários, esportistas ou artistas milionários costumam assinar contratos de
convivência com suas companheiras estabelecendo que, naquela união estável, irá
vigorar o regime da separação de bens.
Como
funciona o regime da comunhão parcial?
O
regime da comunhão parcial é tratado pelos arts. 1.658 a 1.666 do CC.
Nessa
espécie de regime, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância
do casamento, com exceção dos casos previstos no Código Civil.
Dito de outro modo,
os bens adquiridos durante a união passam a ser de ambos os cônjuges, salvo em
algumas situações que o Código Civil determina a incomunicabilidade. Veja o que
diz a Lei:
Art.
1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao
casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.
O art. 1.660 lista
bens que, se adquiridos durante o casamento, pertencem ao casal.
Art.
1.660. Entram na comunhão:
(...)
O art. 1.659, por
sua vez, elenca aquilo que é excluído da comunhão:
Art.
1.659. Excluem-se da comunhão:
(...)
Feita
essa revisão, imagine a seguinte situação hipotética:
João,
73 anos de idade, passou a viver em união estável com Andressa.
Quatro
anos depois, Andressa ajuizou ação de reconhecimento e dissolução de união
estável pedindo a partilha dos bens adquiridos onerosamente durante o
casamento, nos termos do art. 1.658 do CC, acima transcrito.
João alegou que não tinha que dividir o
patrimônio considerando que, quando o casamento foi contraído, ele possuía mais
de 70 anos de idade, de forma que o regime patrimonial que regulou a relação
dos dois foi o regime legal da separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.641, II, do
Código Civil:
Art. 1.641. É obrigatório o regime da
separação de bens no casamento:
I - das pessoas que o contraírem com
inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II - da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III - de todos os que dependerem, para casar,
de suprimento judicial.
Pessoa
maior de 70 anos
Ao
maior de 70 anos (septuagenário) é imposto o regime de separação obrigatória de
bens. O objetivo do legislador foi o de proteger o idoso e seus herdeiros de
casamentos realizados por interesse estritamente econômico.
Trata-se
de “prudência legislativa em favor das pessoas e de suas famílias, considerando
a idade dos nubentes. É de lembrar que, conforme os anos passam, a idade
avançada acarreta maiores carências afetivas e, portanto, maiores riscos corre
aquele que tem mais de setenta anos de sujeitar-se a um casamento em que o
outro nubente tenha em vista somente vantagens financeiras, ou seja, em que os
atrativos matrimoniais sejam pautados em fortuna e não no afeto” (MONTEIRO,
Washington de Barros. Curso de direito
civil: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 295).
Nomenclatura
O
art. 1.641 trata sobre a separação obrigatória de bens (também chamada de
separação legal de bens).
Essa regra do art. 1.641, II, do CC fala em
“casamento”. É possível estendê-la também para a união estável?
SIM.
O STJ tem orientação consolidada de que é obrigatório o regime da
separação de bens no casamento do maior de setenta (70) anos de idade, nos
termos do artigo 1.641, II, do Código Civil.
STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1.946.313/SP, Rel. Min. Marco Buzzi,
julgado em 23/5/2022.
É obrigatório o regime
de separação legal de bens na união estável quando um dos companheiros, no
início da relação, conta com mais de setenta anos (art. 1.641, II, do Código Civil)
a fim de realizar a isonomia no sistema, evitando-se prestigiar a união estável
no lugar do casamento.
STJ. 3ª Turma. REsp
1.403.419/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 11/11/2014.
þ (DPE/MG Fundep 2019) Na
união estável de pessoa maior de 70 anos de idade, impõe-se o regime da
separação obrigatória de bens. (certo)
Havendo
dissolução de casamento ou união estável que era regulado pelo regime da
separação obrigatória de bens (art. 1.641, II, do CC), como deve ser feita a
partilha dos bens?
Deverão
ser partilhados apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união
estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição.
Desse modo, em nosso exemplo, Andressa terá
direito à meação dos bens adquiridos durante o casamento, desde que comprovado o esforço comum.
Esse é o entendimento pacificado do STJ:
No regime de separação
legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que
comprovado o esforço comum para sua aquisição.
STJ. 2ª Seção. EREsp
1.623.858-MG, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª
Região), julgado em 23/05/2018 (Info 628).
Esse “esforço comum”
pode ser presumido?
NÃO. O esforço
comum deve ser comprovado.
Quando o STJ fala
“desde que comprovado o esforço comum”, ele está dizendo que não se pode
presumir. Deve ser provado pelo cônjuge supostamente prejudicado.
Se houvesse presunção
do esforço comum o regime da separação obrigatória não existiria na prática
Se fosse adotada a
ideia de que o esforço comum deve ser presumido isso levaria à ineficácia do
regime da separação obrigatória (ou legal) de bens, pois, para afastar a presunção,
o interessado teria que fazer prova negativa, comprovar que o ex-cônjuge ou ex-companheiro
em nada contribuiu para a aquisição onerosa de determinado bem. Isso faria com
que fosse praticamente impossível a separação dos aquestos.
A exigência de comprovação
do esforço comum é mais consentânea com os fins da separação legal
O entendimento de
que a comunhão dos bens adquiridos pode ocorrer, desde que comprovado o esforço
comum, parece mais consentânea com o sistema legal de regime de bens do casamento,
recentemente adotado no Código Civil de 2002, pois prestigia a eficácia do
regime de separação legal de bens.
Caberá ao
interessado comprovar que teve efetiva e relevante (ainda que não financeira)
participação no esforço para aquisição onerosa de determinado bem a ser
partilhado com a dissolução da união (prova positiva).
Súmula 377 do STF
O STF possui uma
súmula antiga sobre o tema (editada em 1964). Veja a redação do enunciado:
Súmula 377-STF: No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos
na constância do casamento.
Essa súmula 377 do
STF permanece válida?
SIM. No entanto,
ela deve ser interpretada da seguinte forma:
“No regime de
separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”,
desde que
comprovado o esforço comum para sua aquisição.
Nesse sentido:
STJ. 4ª Turma. REsp 1.689.152/SC,
Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/10/2017.
A súmula sintetizou
o entendimento acima explicado:
Súmula 655-STJ: Aplica-se à união estável contraída por septuagenário o
regime da separação obrigatória de bens, comunicando-se os adquiridos na
constância, quando comprovado o esforço comum.
STJ. 2ª Seção. Aprovada em 09/11/2022.
A redação da súmula
fica mais didática se for dividida em duas partes:
·
Aplica-se à união estável contraída por septuagenário o regime da
separação obrigatória de bens.
·
No regime da separação obrigatória comunicam-se os bens adquiridos na
constância da união, desde que comprovado o esforço comum.
Separação LEGAL (obrigatória) não é o mesmo que separação ABSOLUTA. Veja
as diferenças:
Separação LEGAL (OBRIGATÓRIA) |
Separação ABSOLUTA |
Separação LEGAL (obrigatória) é
aquela prevista nas hipóteses do art. 1.641 do Código Civil. |
Separação ABSOLUTA é a separação
convencional, ou seja, estipulada voluntariamente pelas partes (art. 1.687 do
CC). |
No regime de separação legal de
bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que
comprovado o esforço comum para sua aquisição. |
Na separação absoluta
(convencional), não há comunicação dos bens adquiridos na constância do
casamento. Assim, somente haverá separação
absoluta (incomunicável) na separação convencional. |
Aplica-se a Súmula 377 do STF. |
Não se aplica a Súmula 377 do
STF. |
(...) 3.
Inaplicabilidade, in casu, da Súmula 377 do STF, pois esta se refere à
comunicabilidade dos bens no regime de separação legal de bens (prevista no
art. 1.641, CC), que não é caso dos autos.
3.1. O aludido verbete
sumular não tem aplicação quando as partes livremente convencionam a separação
absoluta dos bens, por meio de contrato antenupcial. (...)
STJ. 4ª Turma. REsp
1481888/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 10/04/2018.
Veja como o tema foi
cobrado em prova:
ý (Juiz TJDFT 2015 CESPE) No regime
de separação obrigatória de bens, é vedada a comunicação de bens adquiridos na
constância do casamento. (ERRADO)
ý (Defensor DPE-RN 2015 CESPE) O
pacto antenupcial é indispensável na celebração do casamento pelo regime da
separação obrigatória de bens. (ERRADO). Obs: a separação obrigatória ocorre
por força de lei (e não por causa de pacto antenupcial).
Observação final:
É possível que os
nubentes/companheiros, por meio de pacto antenupcial, ampliem o regime de
separação obrigatória e proíbam até mesmo a comunhão dos bens adquiridos com o
esforço comum, afastando a Súmula 377 do STF
No casamento ou na união estável regidos pelo regime da
separação obrigatória de bens, é possível que os nubentes/companheiros, em
exercício da autonomia privada, estipulando o que melhor lhes aprouver em
relação aos bens futuros, pactuem cláusula mais protetiva ao regime legal, com
o afastamento da Súmula 377 do STF, impedindo a comunhão dos aquestos.
A mens legis do art. 1.641, II, do Código Civil é conferir
proteção ao patrimônio do idoso que está se casando e aos interesses de sua
prole, impedindo a comunicação dos aquestos. Por uma interpretação teleológica
da norma, é possível que o pacto antenupcial venha a estabelecer cláusula ainda
mais protetiva aos bens do nubente septuagenário, preservando o espírito do
Código Civil de impedir a comunhão dos bens do ancião.
Súmula 377-STF: No regime de separação legal de bens,
comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.
STJ. 4ª Turma. REsp 1922347-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
julgado em 07/12/2021 (Info 723).