Dizer o Direito

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Advogado pode ficar em cela individual no presídio, desde que asseguradas as condições mínimas de salubridade e dignidade humanas

 

Prisão em sala de Estado-Maior

A legislação prevê que os advogados e os integrantes de determinadas carreiras, se forem presos antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, possuem o direito de ficar recolhidos não em uma cela com grades, mas sim em uma sala de Estado-Maior. Veja a redação do art. 7º, V, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB):

Art. 7º São direitos do advogado:

V — não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar;

 

Obs.1: a expressão riscada “assim reconhecidas pela OAB” foi declarada inconstitucional pelo STF no julgamento da ADI n.° 1.127/DF. Desse modo, não é a OAB quem tem o poder de definir se o local onde foi preso o advogado é ou não compatível com a definição de sala de Estado-Maior. Tal análise é feita pelo juiz/Tribunal que determinou a prisão.

 

Obs.2: esse direito só é garantido em caso de prisão provisória. Quando houver o trânsito em julgado da condenação, o cumprimento da pena deverá ocorrer em uma unidade prisional comum, como as demais pessoas.

 

Veja as carreiras que possuem a garantia de prisão em sala de Estado-Maior:

Magistrados

LC 35/79

Membros do MP

Lei 8.625/93

Membros da Defensoria

LC 80/94

Advogados

Lei 8.906/94

 

Em que consiste sala de Estado-Maior?

Segundo já explicou o ex-Ministro Nelson Jobim, a palavra “Estado-Maior” representa o grupo de Oficiais que assessora o Comandante das Forças Armadas, do Corpo de Bombeiros ou da Polícia Militar. Logo, sala de Estado-Maior é o compartimento localizado na unidade militar que é utilizado por eles para o exercício de suas funções (Voto no HC 81632/SP, DJU em 21/3/2003).

Essa mesma conclusão acima exposta é comungada pelo Ministério da Defesa, que afirma que não existe uma definição exata do que seja sala de Estado-Maior. Contudo, “aglutinando os costumes da lide castrense e alicerçado na definição de Estado-Maior, ou seja 'Estado-Maior – Órgão composto de pessoal militar qualificado, que tem por finalidade assessorar o comandante no exercício do comando' – glossário das Forças Armadas MD35-G-01 (4ª Edição/2007), pode-se dizer que 'sala de Estado-Maior' é um compartimento de qualquer unidade militar que possa ser utilizado pelo Estado-Maior para exercer suas funções;”

 

Problema: inexistência de sala de Estado-Maior em diversas localidades

A prática constata que a grande maioria dos Municípios brasileiros não possui salas de Estado-Maior, considerando que são poucas as localidades onde existem comandos de unidade militar das Forças Armadas.

Além disso, nas unidades onde ela existe, normalmente só há uma sala desse tipo, sendo utilizado para os serviços militares. Logo, manter uma pessoa lá presa durante meses inviabilizaria o próprio funcionamento regular das Forças Armadas, que não poderiam utilizar a sala neste período.

Diante disso, a jurisprudência conferiu uma interpretação teleológica ao dispositivo e passou a entender que, quando a lei fala que determinada pessoa deve ficar presa em sala de Estado-Maior, isso significa que ela deverá ficar recolhida em um gabinete (escritório), sem celas, sem grades, e que ofereça instalações condignas, com condições adequadas de higiene e segurança. Esse gabinete (sala) pode ser localizado em unidades prisionais ou em batalhões da Polícia Militar.

Em outras palavras, os advogados, membros da Magistratura, MP e Defensoria Pública, quando forem presos provisoriamente, não precisam ficar em uma sala dentro do Comando das Forças Armadas, mas devem ser recolhidos em um local equiparado à sala de Estado-Maior, ou seja, em um ambiente separado, sem grades, localizado em unidades prisionais ou em batalhões da Polícia Militar, que tenha instalações e comodidades adequadas à higiene e à segurança do preso.

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

João foi preso preventivamente pela suposta prática do delito de estelionato.

A defesa impetrou habeas corpus, alegando constrangimento ilegal pelo fato de ele ser advogado e, a despeito disso, se encontrar custodiado em “cela comum”. Argumentou que, diante disso, estariam sendo violadas as prerrogativas asseguradas pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo denegou a ordem ao argumento que o paciente está custodiado em cela distinta dos demais integrantes da massa carcerária. Portanto, embora não esteja recolhido, propriamente, em “Sala de Estado Maior”, condições que lhe são equivalentes estão sendo respeitadas.

Irresignada, a defesa impetrou novo habeas corpus, agora, perante o STJ, no qual alega constrangimento ilegal, uma vez que “não há instalações e comodidades condignas com sua condição de Advogado, na medida em que as condições de higiene são deploráveis e o local é completamente insalubre”.

 

O STJ concedeu a ordem em favor do advogado?

NÃO.

Como vimos acima, o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994) garante ao advogado, enquanto não transitar em julgado a sentença penal condenatória, o direito de “não ser recolhido preso (...), senão em sala de Estado-Maior (...) e, na sua falta, em prisão domiciliar” (art. 7º, inciso V).

Posteriormente, a Lei nº 10.258/2001, alterando o art. 295 do Código de Processo Penal, dispôs que: “não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento” (§ 2º).

Todavia, o aparente conflito entre as normas do art. 7º, inciso V, do Estatuto da Advocacia (norma anterior especial) e da Lei nº 10.258/2001 (norma posterior geral), que alterou o art. 295 do CPP, é superado pela aplicação do critério da especialidade (“lex posterior generalis non derogat priori speciali”).

Assim, não obstante o advento da Lei nº 10.258/2001, há de se respeitar a prerrogativa de índole profissional, qualificável como direito público subjetivo do advogado regularmente inscrito na OAB.

Cumpre-se verificar, portanto, se o cumprimento da prisão preventiva em cela individual fere o art. 7º, V, do Estatuto da Advocacia.

No caso, consta da decisão de primeiro grau que: “o acusado encontra-se em cela distinta dos demais presos, uma vez que ostenta a condição de advogado. Observa-se que não há qualquer violação das prerrogativas que lhe são próprias”.

De fato, a jurisprudência do STJ é no sentido de que:

A ausência, simplesmente, de sala do Estado Maior não autoriza seja deferida prisão domiciliar ao paciente, advogado, preso preventivamente, dado que encontra-se segregado em cela separada do convívio prisional, em condições dignas de higiene e salubridade, inclusive com banheiro privativo.

STJ. 6ª Turma. HC 270.161/GO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 12/08/2014.

 

Desse modo, estando o advogado em cela individual, sem registro de eventual inobservância das condições mínimas de salubridade e dignidade humanas, separado dos outros presos e sem o rigor e a insalubridade do cárcere comum, não há falar em constrangimento ilegal em razão das instalações em que ele se encontra recolhido.

 

Em suma:

Estando o advogado em cela individual, sem registro de eventual inobservância das condições mínimas de salubridade e dignidade humanas, não se configura constrangimento ilegal em razão das instalações em que se encontra recolhido.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 765.212-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 27/09/2022 (Info 753).

 

DOD Plus – informações extras

Os advogados têm o direito de, caso sejam presos, ficarem recolhidos em sala de Estado Maior (art. 7º, V, do Estatuto da OAB). Essa regra aplica-se também para os casos de prisão civil?

• NÃO. Posição da 3ª Turma.

• SIM. Posição da 4ª Turma.

STJ. 3ª Turma. HC 305805-GO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/10/2014 (Info 551).

STJ. 4ª Turma. HC 271256-MS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 11/2/2014 (Info 537).

 

 


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