Dizer o Direito

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

A renúncia ao cargo de Governador impede o recebimento de pedido de abertura de impeachment

 

O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte:

Foi formulado pedido de abertura de processo de impeachment contra o então Governador de São Paulo João Dória imputando-lhe a suposta prática de crimes comuns e de responsabilidade.

O Presidente da Assembleia Legislativa do Estado rejeitou o pedido, por inépcia e falta de provas.

Diante disso, foi impetrado mandado de segurança, no Tribunal de Justiça, contra esse ato do Presidente da ALE/SP.

O Tribunal de Justiça denegou a segurança.

Ainda irresignado, o impetrante interpôs recurso ordinário ao STJ reafirmando a tese de que a ALE/SP deveria instaurar o processo de impeachment.

Ocorre que, antes que o recurso fosse julgado, João Dória renunciou ao cargo de Governador porque pretendia disputar as eleições para Presidente da República.

Diante disso, a Assembleia Legislativa do Estado sustentou que houve a perda superveniente do interesse de agir, já que ele não mais ocupava o cargo.

 

O STJ concordou com a alegação da ALE/SP? Houve perda do objeto?

SIM.

Houve a perda superveniente do objeto.

Como João Dória renunciou ao cargo de Governador, não é possível mais que se inicie contra ele processo de impeachment. É o que prevê o art. 15 da Lei nº 1.079/50:

Art. 15. A denúncia só poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo.

 

O art. 15 incide, em princípio, para o Presidente da República. No entanto, a mesma solução também se aplica aos Governadores, conforme se infere da leitura do art. 76, parágrafo único, do mesmo diploma legal:

Art. 76. A denúncia assinada pelo denunciante e com a firma reconhecida, deve ser acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los com a indicação do local em que possam ser encontrados. Nos crimes de que houver prova testemunhal, conterão rol das testemunhas, em número de cinco pelo menos.

Parágrafo único. Não será recebida a denúncia depois que o Governador, por qualquer motivo, houver deixado definitivamente o cargo.

 

Assim, ainda, que a Assembleia Legislativa quisesse, não seria mais possível a abertura de impeachment. Logo, a providência pleiteada junto ao Poder Judiciário no mandado de segurança não faz mais sentido.

Portanto, diante da renúncia ocorrida, que inviabiliza o recebimento da denúncia oferecida, evidente a perda do objeto da impetração, e, consequentemente, do recurso ordinário contra a denegação da segurança.

 

Em suma:

A renúncia ao cargo de Governador impede o recebimento de pedido de abertura de impeachment.

STJ. 2ª Turma. RMS 68.932-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 16/08/2022 (Info 753).

 

Obs: ainda que não tivesse havido a perda de objeto pela superveniente falta de interesse de agir, o recurso não prosperaria. A Assembleia Legislativa Estadual rejeitou o pedido de impeachment com base em dois fundamentos:

a) ausência de justa causa;

b) ilegitimidade do denunciante quanto aos crimes comuns.

O exame da conveniência de recebimento e prosseguimento de denúncia de impeachment é eminentemente de caráter político, não cabendo ao Poder Judiciário substituir-se ao Poder Legislativo na análise que envolva o mérito de tais denúncias. Além disso, o STF tem jurisprudência pacífica acerca da possibilidade de rejeição liminar da denúncia quando patente a inépcia ou falta de justa causa, inclusive por decisão do presidente de mesa do órgão legislativo.

O Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo possui atribuição para realizar juízo prévio de admissibilidade de denúncia, nos termos do art. 18, inciso II, alínea b, do Regimento Interno da Assembleia legislativa, de modo que se afasta o vício de competência invocado.

A competência para julgamento de crimes comuns atribuídos a Governadores estaduais é do STJ (art. 105, I, “a”, da CF/88), e não da Assembleia Legislativa. Desse modo, a apuração e julgamento de supostos crimes comuns nem era da Assembleia.

 


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