O caso concreto, com adaptações,
foi o seguinte:
Foi formulado pedido de abertura
de processo de impeachment contra o então Governador de São Paulo João
Dória imputando-lhe a suposta prática de crimes comuns e de responsabilidade.
O Presidente da Assembleia
Legislativa do Estado rejeitou o pedido, por inépcia e falta de provas.
Diante disso, foi impetrado
mandado de segurança, no Tribunal de Justiça, contra esse ato do Presidente da
ALE/SP.
O Tribunal de Justiça denegou a
segurança.
Ainda irresignado, o impetrante
interpôs recurso ordinário ao STJ reafirmando a tese de que a ALE/SP deveria
instaurar o processo de impeachment.
Ocorre que, antes que o recurso
fosse julgado, João Dória renunciou ao cargo de Governador porque pretendia
disputar as eleições para Presidente da República.
Diante disso, a Assembleia
Legislativa do Estado sustentou que houve a perda superveniente do interesse de
agir, já que ele não mais ocupava o cargo.
O STJ concordou com a
alegação da ALE/SP? Houve perda do objeto?
SIM.
Houve a perda superveniente do
objeto.
Como João Dória renunciou ao cargo de Governador, não é
possível mais que se inicie contra ele processo de impeachment. É o que prevê o
art. 15 da Lei nº 1.079/50:
Art. 15. A denúncia só poderá ser
recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado
definitivamente o cargo.
O art. 15 incide, em
princípio, para o Presidente da República. No entanto, a mesma solução também se
aplica aos Governadores, conforme se infere da leitura do art. 76, parágrafo
único, do mesmo diploma legal:
Art. 76. A denúncia assinada pelo
denunciante e com a firma reconhecida, deve ser acompanhada dos documentos que
a comprovem, ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los com a
indicação do local em que possam ser encontrados. Nos crimes de que houver
prova testemunhal, conterão rol das testemunhas, em número de cinco pelo menos.
Parágrafo único. Não será
recebida a denúncia depois que o Governador, por qualquer motivo, houver
deixado definitivamente o cargo.
Assim, ainda, que a Assembleia
Legislativa quisesse, não seria mais possível a abertura de impeachment. Logo,
a providência pleiteada junto ao Poder Judiciário no mandado de segurança não
faz mais sentido.
Portanto, diante da renúncia
ocorrida, que inviabiliza o recebimento da denúncia oferecida, evidente a perda
do objeto da impetração, e, consequentemente, do recurso ordinário contra a
denegação da segurança.
Em suma:
A renúncia ao cargo de Governador impede o
recebimento de pedido de abertura de impeachment.
STJ. 2ª Turma. RMS 68.932-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em
16/08/2022 (Info 753).
Obs: ainda que não tivesse havido
a perda de objeto pela superveniente falta de interesse de agir, o recurso não
prosperaria. A Assembleia Legislativa Estadual rejeitou o pedido de impeachment
com base em dois fundamentos:
a) ausência de justa causa;
b) ilegitimidade do denunciante quanto aos crimes comuns.
O exame da conveniência de
recebimento e prosseguimento de denúncia de impeachment é eminentemente de caráter
político, não cabendo ao Poder Judiciário substituir-se ao Poder Legislativo na
análise que envolva o mérito de tais denúncias. Além disso, o STF tem
jurisprudência pacífica acerca da possibilidade de rejeição liminar da denúncia
quando patente a inépcia ou falta de justa causa, inclusive por decisão do
presidente de mesa do órgão legislativo.
O Presidente da Assembleia Legislativa
do Estado de São Paulo possui atribuição para realizar juízo prévio de
admissibilidade de denúncia, nos termos do art. 18, inciso II, alínea b, do
Regimento Interno da Assembleia legislativa, de modo que se afasta o vício de
competência invocado.
A competência para julgamento de
crimes comuns atribuídos a Governadores estaduais é do STJ (art. 105, I, “a”,
da CF/88), e não da Assembleia Legislativa. Desse modo, a apuração e julgamento
de supostos crimes comuns nem era da Assembleia.