Imagine a seguinte situação
hipotética:
Viviane deu à luz a uma criança, chamada
de Laura.
Nessa época, Viviane passava por
uma fase muito complicada na sua vida com inúmeras dificuldades pessoais e
financeiras. Em razão disso, ela entregou a criança para adoção.
Laura, com 2 anos de idade, foi
adotada por João e Regina.
Vale ressaltar que, mesmo depois
da adoção ter sido concretizada, Viviane visitava frequentemente Laura,
mantendo também uma boa relação com os pais adotivos da criança.
Com o passar do tempo, Viviane e
Laura foram se aproximando cada vez mais e surgiu a vontade recíproca de se
tornarem mãe e filha novamente.
João e Regina concordaram com
isso.
Diante desse cenário, Viviane
ajuizou ação pedindo a adoção de sua filha biológica Laura que, na época já
estava com 18 anos de idade.
O Juiz, contudo, negou o pedido argumentado que ele
afrontaria a lei:
“O pedido da
requerente contraria manifestamente a lei. Segundo a lei, uma vez ocorrendo o
trânsito em julgado a respeito de uma ação de adoção, a adotada perde qualquer
vínculo com seus genitores e parentes consanguíneos, com exceção no que diz
respeito aos impedimentos para o casamento, não podendo, desta forma, a
requerente adotar sua filha biológica. A lei também diz que a adoção é irrevogável,
enfatizando, ainda mais, o seu caráter definitivo. Além do mais, caso fosse
procedente tal ação, um perigoso precedente seria criado, o que significaria
relativizar erroneamente o instituto, comprometendo a segurança jurídica das
relações parentais decorrentes da adoção. Assim, ante o exposto, e por tudo o
mais que dos autos consta, julgo improcedente a ação.”
O Tribunal de Justiça manteve a
sentença.
A autora interpôs, então, recurso
especial.
O STJ deu provimento ao
recurso? Viviane pode adotar sua filha biológica Laura?
SIM.
Não há dúvidas de que a adoção
realizada é válida e irrevogável. Criou-se novo vínculo de filiação, com a
consequente desconstituição do vínculo da adotada com os pais biológicos e
parentes consanguíneos, exceto quanto aos impedimentos matrimoniais.
No caso concreto, contudo, não se
está postulando a nulidade ou revogação da adoção anterior, mas o deferimento
de outra: a adoção de pessoa maior.
Vale ressaltar que a lei não proíbe
que uma pessoa já adotada anteriormente possa ser novamente adotada. Basta o
consentimento das partes envolvidas, ou seja, os pais ou representantes legais,
e a concordância do adotando.
Cabe ressaltar que o argumento de
que a adoção é irrevogável não conduz à conclusão de que o pedido é
juridicamente impossível. Isso, porque a finalidade da irrevogabilidade da
adoção é proteger os interesses do menor adotado, em se tratando de criança e
adolescente.
O escopo da norma é vedar a
revogação da filiação adotiva a fim de evitar que os adotantes simplesmente “arrependam-se”
da adoção efetivada, por quaisquer motivos, e “devolvam” a criança ou
adolescente adotado, sendo a irrevogabilidade uma medida de proteção, estatuída
em favor dos interesses do menor adotado.
Quando o adotado, ao atingir a
maioridade, deseja constituir novo vínculo de filiação e concorda com nova
adoção, não faz sentido a proteção legal, ficando claro que seus interesses
serão melhor preservados com o respeito à sua vontade, livremente manifestada.
A adoção de qualquer pessoa,
maior ou menor de dezoito anos, deve “constituir efetivo benefício para o
adotando” (CC/2002, art. 1.625), o que corresponde às “reais vantagens” da
diretriz do ECA (art. 43), sendo, dessa forma, expressões que se equivalem e
induzem ao princípio do melhor interesse.
Em suma:
O pedido de nova adoção formulado pela mãe biológica,
em relação à filha adotada por outrem, anteriormente, na infância, não se
afigura juridicamente impossível.
STJ. 4ª
Turma. Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em
11/10/2022 (Info 754).