Dizer o Direito

sábado, 10 de dezembro de 2022

A mãe pode adotar a sua própria filha?

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Viviane deu à luz a uma criança, chamada de Laura.

Nessa época, Viviane passava por uma fase muito complicada na sua vida com inúmeras dificuldades pessoais e financeiras. Em razão disso, ela entregou a criança para adoção.

Laura, com 2 anos de idade, foi adotada por João e Regina.

Vale ressaltar que, mesmo depois da adoção ter sido concretizada, Viviane visitava frequentemente Laura, mantendo também uma boa relação com os pais adotivos da criança.

Com o passar do tempo, Viviane e Laura foram se aproximando cada vez mais e surgiu a vontade recíproca de se tornarem mãe e filha novamente.

João e Regina concordaram com isso.

Diante desse cenário, Viviane ajuizou ação pedindo a adoção de sua filha biológica Laura que, na época já estava com 18 anos de idade.

O Juiz, contudo, negou o pedido argumentado que ele afrontaria a lei:

“O pedido da requerente contraria manifestamente a lei. Segundo a lei, uma vez ocorrendo o trânsito em julgado a respeito de uma ação de adoção, a adotada perde qualquer vínculo com seus genitores e parentes consanguíneos, com exceção no que diz respeito aos impedimentos para o casamento, não podendo, desta forma, a requerente adotar sua filha biológica. A lei também diz que a adoção é irrevogável, enfatizando, ainda mais, o seu caráter definitivo. Além do mais, caso fosse procedente tal ação, um perigoso precedente seria criado, o que significaria relativizar erroneamente o instituto, comprometendo a segurança jurídica das relações parentais decorrentes da adoção. Assim, ante o exposto, e por tudo o mais que dos autos consta, julgo improcedente a ação.”

 

O Tribunal de Justiça manteve a sentença.

A autora interpôs, então, recurso especial.

 

O STJ deu provimento ao recurso? Viviane pode adotar sua filha biológica Laura?

SIM.

Não há dúvidas de que a adoção realizada é válida e irrevogável. Criou-se novo vínculo de filiação, com a consequente desconstituição do vínculo da adotada com os pais biológicos e parentes consanguíneos, exceto quanto aos impedimentos matrimoniais.

No caso concreto, contudo, não se está postulando a nulidade ou revogação da adoção anterior, mas o deferimento de outra: a adoção de pessoa maior.

Vale ressaltar que a lei não proíbe que uma pessoa já adotada anteriormente possa ser novamente adotada. Basta o consentimento das partes envolvidas, ou seja, os pais ou representantes legais, e a concordância do adotando.

Cabe ressaltar que o argumento de que a adoção é irrevogável não conduz à conclusão de que o pedido é juridicamente impossível. Isso, porque a finalidade da irrevogabilidade da adoção é proteger os interesses do menor adotado, em se tratando de criança e adolescente.

O escopo da norma é vedar a revogação da filiação adotiva a fim de evitar que os adotantes simplesmente “arrependam-se” da adoção efetivada, por quaisquer motivos, e “devolvam” a criança ou adolescente adotado, sendo a irrevogabilidade uma medida de proteção, estatuída em favor dos interesses do menor adotado.

Quando o adotado, ao atingir a maioridade, deseja constituir novo vínculo de filiação e concorda com nova adoção, não faz sentido a proteção legal, ficando claro que seus interesses serão melhor preservados com o respeito à sua vontade, livremente manifestada.

A adoção de qualquer pessoa, maior ou menor de dezoito anos, deve “constituir efetivo benefício para o adotando” (CC/2002, art. 1.625), o que corresponde às “reais vantagens” da diretriz do ECA (art. 43), sendo, dessa forma, expressões que se equivalem e induzem ao princípio do melhor interesse.

 

Em suma:

O pedido de nova adoção formulado pela mãe biológica, em relação à filha adotada por outrem, anteriormente, na infância, não se afigura juridicamente impossível.

STJ. 4ª Turma. Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 11/10/2022 (Info 754).

 

 


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