Imagine a seguinte situação
hipotética:
João foi preso em flagrante
delito e com ele foram encontrados, além de entorpecentes, balança de precisão,
colher, peneira, todos com resquícios de cocaína e 66 frasconetes.
Ele foi denunciado pela prática
de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006).
A defesa pediu a aplicação da causa de diminuição de pena
prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas (“traficante privilegiado”, também
chamado de “traficância menor” ou “traficância eventual”):
Art. 33 (...)
§ 4º Nos delitos definidos no
caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois
terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente
seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas
nem integre organização criminosa.
O juiz condenou o réu e negou o
benefício do art. 33, § 4º sob o argumento de que havia elementos que indicavam
que o agente se dedica às atividades criminosas tendo em vista que foram
apreendidos com ele petrechos (utensílios, ferramentas) utilizados comumente
para o tráfico de drogas (balança de precisão, colher, peneira, todos com resquícios
de cocaína, além de 66 frasconetes).
Esses elementos, no entender do
magistrado, denotam (mostram, indicam) a dedicação às atividades criminosas.
O STJ concordou com os
argumentos do juiz?
SIM.
A dosimetria da pena insere-se
dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às
particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente. Em razão
disso, a decisão do magistrado quanto à dosimetria somente pode ser revista
pelo STJ caso o julgador tenha descumprido os parâmetros legais ou se agiu de
maneira flagrantemente desproporcional.
O chamado tráfico privilegiado é
uma causa de diminuição de pena, sendo, portanto, analisada na terceira fase da
dosimetria.
Para a aplicação da causa de
diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, o condenado deve
preencher, cumulativamente, todos os requisitos legais, quais sejam:
a) ser primário;
b) apresentar bons antecedentes;
c) não se dedicar a atividades
criminosas; e
d) não integrar organização
criminosa.
No caso, as instâncias de origem,
ao analisarem as provas constantes dos autos, entenderam não se tratar de
traficante eventual, mas de agente que efetivamente se dedicava à atividade
criminosa, especialmente tendo em vista terem sido apreendidos petrechos para a
traficância (balança de precisão, colher, peneira, todos com resquícios de
cocaína, 66 frasconetes). Esses elementos, segundo a jurisprudência do STJ,
denotam a dedicação às atividades criminosas.
Em suma:
STJ. 5ª
Turma. AgRg no HC 773.113-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em
04/10/2022 (Info 752).
No mesmo sentido:
(...) Na hipótese, as circunstâncias em que cometido o delito, a
apreensão de petrechos próprios, balança de precisão, papéis picotados para a
embalagem de drogas, inúmeros eppendorfs vazios, aliadas à quantidade e
diversidade de entorpecentes apreendidos, são elementos concretos capazes de
afastar a incidência da benesse. (...)
STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 530.378/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado
em 7/11/2019.