quinta-feira, 1 de dezembro de 2022
A ação demarcatória é a via adequada para dirimir a discrepância entre a realidade fática dos marcos divisórios e o constante no registro imobiliário
Ação demarcatória
Ação demarcatória (ou ação de demarcação) é
aquela proposta...
- pelo proprietário
- com o objetivo de obrigar o seu confinante
("vizinho que faz fronteira")
- a colocar limites (fronteiras) entre os
respectivos imóveis,
- ou seja, definir onde termina um imóvel e
começa o outro,
- fixando novos limites entre eles (caso não
haja ou estejam errados),
- ou aviventando (realçando, reavivando) os
limites que já existiram, mas estão apagados.
Previsão
O direito material à demarcação está previsto no art. 1.297
do CC:
Art. 1.297. O proprietário tem
direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano
ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à
demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos
destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados
as respectivas despesas.
O CPC regulamenta a parte processual no art. 569, I e nos
arts. 574 a 587. Veja os principais dispositivos sobre o tema:
Art. 569. Cabe:
I - ao proprietário a ação de
demarcação, para obrigar o seu confinante a estremar os respectivos prédios,
fixando-se novos limites entre eles ou aviventando-se os já apagados;
Art. 574. Na petição inicial,
instruída com os títulos da propriedade, designar-se-á o imóvel pela situação e
pela denominação, descrever-se-ão os limites por constituir, aviventar ou
renovar e nomear-se-ão todos os confinantes da linha demarcanda.
Art. 580. Concluídos os estudos,
os peritos apresentarão minucioso laudo sobre o traçado da linha demarcanda,
considerando os títulos, os marcos, os rumos, a fama da vizinhança, as
informações de antigos moradores do lugar e outros elementos que coligirem.
Art. 581. A sentença que
julgar procedente o pedido determinará o traçado da linha demarcanda.
Parágrafo único. A sentença
proferida na ação demarcatória determinará a restituição da área
invadida, se houver, declarando o domínio ou a posse do prejudicado, ou ambos.
Art. 582. Transitada em julgado a
sentença, o perito efetuará a demarcação e colocará os marcos necessários.
Parágrafo único. Todas as
operações serão consignadas em planta e memorial descritivo com as referências
convenientes para a identificação, em qualquer tempo, dos pontos assinalados,
observada a legislação especial que dispõe sobre a identificação do imóvel
rural.
Art. 587. Assinado o auto pelo juiz
e pelos peritos, será proferida a sentença homologatória da demarcação.
þ
(FGV/TJ/AP/Juiz/2022) João, pretendendo aviventar a linha
divisória entre o terreno de sua propriedade e
o de seu confinante José, uma vez que esta foi apagada
por causa de uma enchente, propôs ação de demarcação de
terras, cujo procedimento é bifásico, com o objetivo de restaurar a linha
original entre os imóveis. Caso o julgador entenda que assiste razão ao
requerente, agirá corretamente se prolatar sentença de procedência, sujeita ao
recurso de apelação. Após, com o trânsito em julgado, se inicia a segunda fase
do procedimento, que também se encerra com uma sentença. (certo)
Comentários:
“O objetivo da primeira fase da demanda demarcatória é propiciar a
determinação do traçado da linha de confrontação. É para essa finalidade que é
produzida prova pericial específica, sendo nomeados um ou mais auxiliares do
juízo (art. 579). Determinado por sentença o traçado da linha demarcatória,
inaugura-se a segunda fase do procedimento, passando-se então às atividades de
campo, destinadas à delimitação em conformidade com a linha apurada. (...). A
sentença homologatória (art. 587) tem eficácia preponderantemente declaratória,
pois reconhece a exatidão do traçado indicado no auto de demarcação, assim como
a exatidão dos trabalhos de campo. A sentença homologatória a que alude o art.
587 não é meramente homologatória. Cuida-se de provimento jurisdicional que
resolve a lide entre os confrontantes, sendo acobertado pela coisa julgada e se
submetendo à desconstituição por meio de ação rescisória.” (Ricardo Silva e
Eduardo Lamy, Comentários ao Código de Processo Civil, v. IX).
Ponto de destaque:
demarcação extrajudicial
O CPC/2015 trouxe uma interessante novidade ao prever que a
demarcação poderá ser feita extrajudicialmente. Confira:
Art. 571. A demarcação e a
divisão poderão ser realizadas por escritura pública, desde que maiores,
capazes e concordes todos os interessados, observando-se, no que couber, os
dispositivos deste Capítulo.
Veja como o tema já foi cobrado em provas:
ý
(Consulplan/TJ/MG/Cartórios/2019) A demarcação e a divisão poderão ser realizadas por escritura pública,
em qualquer hipótese. (errado)
ý
(Consulplan/TJ/MS/Cartórios/2021) A demarcação e a divisão poderão ser realizadas por escritura pública,
desde que sejam concordes todos os interessados. No caso de existirem menores
ou incapazes entre os interessados, estes participarão na escritura através de
seus respectivos representantes legais. (errado)
Feitos estes
esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética:
Alfa Ltda. é proprietária de um
imóvel rural (uma fazenda), que tem área registrada de 184.77,82 hectares.
O imóvel vizinho da direita
pertence à empresa Gama e o da esquerda é da empresa Beta.
A
Alfa formulou requerimento visando a retificação do registro no cartório de registro
de imóveis.
Os
confrontantes (“vizinhos”) foram ouvidos e manifestaram oposição ao
requerimento, sob o argumento de haveria sobreposição às áreas de sua
propriedade.
Diante
disso, a Alfa ajuizou ação de demarcação de divisas contra a Gama e Beta.
Requereu realização de perícia para examinar e confirmar a linha demarcada
indicada pelas autoras. No mérito, pediu que fosse determinado o traçado da
linha em relação às rés e, caso se constasse que as rés invadiram o imóvel, que
fosse determinada a restituição da área.
As
rés alegaram, em preliminar, que a ação demarcatória não é a via adequada para
legitimar o requerimento de retificação de registro frustrado na esfera
administrativa. Segundo argumentaram, via adequada seria ação de usucapião.
O
juiz concordou com as rés e extinguiu o processo sem resolução de mérito em
virtude da ausência de interesse processual fundado na inadequação da via
eleita. O Tribunal de Justiça manteve a sentença.
A
autora interpôs recurso especial.
O
STJ deu provimento ao recurso da autora? A ação demarcatória é a via adequada para
dirimir a discrepância entre a realidade fática dos marcos divisórios e o
constante no registro imobiliário?
SIM.
No
caso, a autora não pretende a aquisição da propriedade de terras contíguas à
sua com base em alegação de posse mansa e pacífica. Logo, não é hipótese de
usucapião.
O
que a autora alega é que o levantamento topográfico georreferenciado realizado
revelou que a sua área real equivaleria a 334.43,73 hectares, e não aos
184.77,82 hectares constantes no registro. Ou seja, a requerente sustentou que
haveria uma discrepância entre a realidade fática dos marcos divisórios e o
constante no registro imobiliário.
O
Tribunal de Justiça entendeu que a ação demarcatória não seria a via adequada
para a pretensão almejada sob o argumento de que a ação demarcatória pressupõe
a inexistência de linha divisória entre os terrenos, bem como que eventual
acréscimo de área implicaria aquisição originária da propriedade incompatível
com a demanda demarcatória.
No
entanto, esse argumento não está em harmonia com a jurisprudência do STJ.
Memo
se já houver linha divisória entre os imóveis, caberá ação demarcatória se o
objetivo do autor for corrigir eventual divergência que exista entre a
verdadeira linha de confrontação e os limites que estão inscritos no registro
de imóveis. Nesse sentido:
Havendo divergência
entre a verdadeira linha de confrontação dos imóveis e os correspondentes
limites fixados no título dominial, cabível a ação demarcatória para eventual
estabelecimento de novos limites. STJ. 4ª Turma. REsp 759.018/MT, Rel. Min. Luis
Felipe Salomão, julgado em 5/5/2009.
Em suma:
STJ. 3ª
Turma. REsp 1.984.013-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
27/09/2022 (Info 752).