Dizer o Direito

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

O que é uma fundação privada de apoio à universidade pública? Qual é o prazo prescricional para se pleitear reparação por danos causados por essa fundação?

 

O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte:

Luciana era pós-doutoranda em um Doutorado de Biologia, no formato “sanduíche”, envolvendo a Unicamp e uma Universidade de Portugal.

A pesquisa foi iniciada e ficou acertado com o laboratório de Portugal enviaria amostras obtidas naquele país para continuidade da pesquisa no Brasil.

O laboratório de Portugal enviou o material por FEDEX.

A ANVISA, contudo, reteve as amostras biológicas para inspeção, mas explicou que as liberaria tão logo a Unicamp enviasse a documentação comprobatória da pesquisa.

No mesmo dia, a pesquisadora pediu formalmente providências à Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (FUNCAMP).

 

O que á a FUNCAMP?

A Fundação de Desenvolvimento da Unicamp – FUNCAMP é uma fundação de direito privado, sem fins lucrativos e que tem por finalidade proporcionar à Unicamp “meios necessários à adequada mobilização de seus recursos humanos e materiais para o atendimento de necessidades e propósitos econômicos, sociais, pedagógicos, assistenciais, previdenciários, esportivos e culturais da comunidade, colaborar na realização de pesquisa científica, desenvolvimento e inovação, bem como colaborar na realização do ensino e no desenvolvimento institucional da Universidade.” (art. 2º do Estatuto da FUNCAMP)

Podemos dizer, portanto, que a FUNCAMP é uma fundação privada de apoio à universidade pública.

Vale ressaltar que essa figura não é algo que exista apenas Unicamp. Ao contrário. Podemos encontrar fundações privadas de apoio em praticamente todas as universidades públicas. É o caso, por exemplo, da FUSP (Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo).

 

Voltando ao caso concreto:

A Funcamp afirma que enviou a documentação por e-mail, no entanto, Luciana argumenta que a fundação não enviou pelos meios adequados e que seria necessário que eles fossem entregues pessoalmente.

A ANVISA, por não ter recebido os documentos, devolveu as amostras biológicas para Portugal.

O transcurso do tempo e a ausência de adequada conservação comprometeram a viabilidade das amostras, o que comprometeu a conclusão do trabalho científico.

Diante desse cenário, Luciana ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra a FUNCAMP.

 

Alegação de prescrição

A FUNCAMP apresentou contestação alegando que, por ela ser uma fundação privada, deveriam ser aplicados os prazos prescricionais previstos no Código Civil.

Ainda conforme a argumentação da FUNCAMP, o prazo prescricional seria de 3 anos, nos termos do art. 206, §3º, V, do CC:

Art. 206. Prescreve:

(...)

§ 3º Em três anos:

(...)

V - a pretensão de reparação civil;

 

Como os fatos ocorreram em 2015 e a ação somente foi ajuizada em 2019, teria ocorrido a prescrição.

 

A questão chegou até o STJ. O prazo prescricional é de 3 anos, conforme alegou a fundação?

NÃO.

 

Qual é o prazo prescricional na hipótese de danos provocados por fundação privada que prestou serviços públicos de apoio à universidade pública?

5 anos, nos termos do art. 1º-C da Lei nº 9.494/97:

Art. 1º-C. Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.

 

Mas essa fundação de apoio presta serviços públicos?

SIM. A doutrina leciona que:

“Enquanto a entidade pública presta serviço público, a entidade de apoio presta o mesmo tipo de atividade, todavia, não como serviço delegado pela Administração Pública, mas como atividade aberta à iniciativa privada, atuando mais comumente junto a universidades e hospitais públicos.” (DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012).

 

Nesse sentido, é irrelevante que se trate de fundação de natureza privada. A pessoa jurídica de direito privado que preste serviço público tem obrigação constitucional de reparar os prejuízos causados a terceiros. A hipótese é regulada pelo art. 1º-C da Lei nº 9.494/97 quanto ao prazo prescricional, fixado em 5 anos.

No caso concreto, a fundação privada prestou serviços públicos de apoio à universidade pública e assumiu obrigações alusivas ao desembaraço aduaneiro das amostras biológicas objeto da pesquisa de pós-doutoranda. Por fatores ainda não esclarecidos, a documentação necessária não foi recebida tempestivamente pela transportadora, resultando no retorno dos materiais genéticos para Portugal, onde a pesquisa teve início. Com sua degradação, restaram inúteis para o trabalho científico desenvolvido ao longo de anos, custeados por financiamento público.

Assim, diante da existência de serviço público na relação entabulada entre a fundação privada e a universidade pública, atrai-se a responsabilidade objetiva extracontratual perante terceiros das pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, configurando-se hipótese de incidência do prazo prescricional quinquenal.

 

Em suma:

A fundação privada de apoio à universidade pública presta serviço público, razão pela qual responde objetivamente pelos prejuízos causados a terceiros, submetendo-se a pretensão indenizatória ao prazo prescricional quinquenal previsto no art. 1º-C da Lei nº 9.494/97.

STJ. 2ª Turma. AREsp 1.893.472-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 21/06/2022 (Info 744).



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