O caso concreto, com adaptações,
foi o seguinte:
Luciana era pós-doutoranda em um
Doutorado de Biologia, no formato “sanduíche”, envolvendo a Unicamp e uma
Universidade de Portugal.
A pesquisa foi iniciada e ficou acertado
com o laboratório de Portugal enviaria amostras obtidas naquele país para
continuidade da pesquisa no Brasil.
O laboratório de Portugal enviou
o material por FEDEX.
A ANVISA, contudo, reteve as
amostras biológicas para inspeção, mas explicou que as liberaria tão logo a
Unicamp enviasse a documentação comprobatória da pesquisa.
No mesmo dia, a pesquisadora pediu
formalmente providências à Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (FUNCAMP).
O que á a FUNCAMP?
A Fundação de Desenvolvimento da
Unicamp – FUNCAMP é uma fundação de direito privado, sem fins lucrativos e que
tem por finalidade proporcionar à Unicamp “meios necessários à adequada
mobilização de seus recursos humanos e materiais para o atendimento de
necessidades e propósitos econômicos, sociais, pedagógicos, assistenciais,
previdenciários, esportivos e culturais da comunidade, colaborar na realização
de pesquisa científica, desenvolvimento e inovação, bem como colaborar na
realização do ensino e no desenvolvimento institucional da Universidade.” (art.
2º do Estatuto da FUNCAMP)
Podemos dizer, portanto, que a
FUNCAMP é uma fundação privada de apoio à universidade pública.
Vale ressaltar que essa figura
não é algo que exista apenas Unicamp. Ao contrário. Podemos encontrar fundações
privadas de apoio em praticamente todas as universidades públicas. É o caso,
por exemplo, da FUSP (Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo).
Voltando ao caso concreto:
A Funcamp afirma que enviou a
documentação por e-mail, no entanto, Luciana argumenta que a fundação não
enviou pelos meios adequados e que seria necessário que eles fossem entregues
pessoalmente.
A ANVISA, por não ter recebido os
documentos, devolveu as amostras biológicas para Portugal.
O transcurso do tempo e a
ausência de adequada conservação comprometeram a viabilidade das amostras, o
que comprometeu a conclusão do trabalho científico.
Diante desse cenário, Luciana
ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra a FUNCAMP.
Alegação de prescrição
A FUNCAMP apresentou contestação
alegando que, por ela ser uma fundação privada, deveriam ser aplicados os
prazos prescricionais previstos no Código Civil.
Ainda conforme a argumentação da FUNCAMP, o prazo
prescricional seria de 3 anos, nos termos do art. 206, §3º, V, do CC:
Art. 206. Prescreve:
(...)
§ 3º Em três anos:
(...)
V - a pretensão de reparação
civil;
Como os fatos ocorreram em 2015 e
a ação somente foi ajuizada em 2019, teria ocorrido a prescrição.
A questão chegou até o STJ.
O prazo prescricional é de 3 anos, conforme alegou a fundação?
NÃO.
Qual é o prazo
prescricional na hipótese de danos provocados por fundação privada que prestou
serviços públicos de apoio à universidade pública?
5 anos, nos termos do art. 1º-C da Lei nº 9.494/97:
Art. 1º-C. Prescreverá em cinco
anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas
jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado
prestadoras de serviços públicos.
Mas essa fundação de apoio
presta serviços públicos?
SIM. A doutrina leciona que:
“Enquanto a
entidade pública presta serviço público, a entidade de apoio presta o mesmo tipo de atividade, todavia, não
como serviço delegado pela Administração Pública, mas como atividade aberta à
iniciativa privada, atuando mais comumente junto a universidades e hospitais
públicos.” (DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo:
Atlas, 2012).
Nesse sentido, é irrelevante que
se trate de fundação de natureza privada. A pessoa jurídica de direito privado
que preste serviço público tem obrigação constitucional de reparar os prejuízos
causados a terceiros. A hipótese é regulada pelo art. 1º-C da Lei nº 9.494/97
quanto ao prazo prescricional, fixado em 5 anos.
No caso concreto, a fundação
privada prestou serviços públicos de apoio à universidade pública e assumiu obrigações
alusivas ao desembaraço aduaneiro das amostras biológicas objeto da pesquisa de
pós-doutoranda. Por fatores ainda não esclarecidos, a documentação necessária
não foi recebida tempestivamente pela transportadora, resultando no retorno dos
materiais genéticos para Portugal, onde a pesquisa teve início. Com sua
degradação, restaram inúteis para o trabalho científico desenvolvido ao longo
de anos, custeados por financiamento público.
Assim, diante da existência de
serviço público na relação entabulada entre a fundação privada e a universidade
pública, atrai-se a responsabilidade objetiva extracontratual perante terceiros
das pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos,
configurando-se hipótese de incidência do prazo prescricional quinquenal.
Em suma:
A fundação privada de apoio à universidade pública
presta serviço público, razão pela qual responde objetivamente pelos prejuízos
causados a terceiros, submetendo-se a pretensão indenizatória ao prazo
prescricional quinquenal previsto no art. 1º-C da Lei nº 9.494/97.
STJ. 2ª Turma. AREsp 1.893.472-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em
21/06/2022 (Info 744).