sábado, 5 de novembro de 2022
O pronunciamento do juiz que defere ou nega a habilitação do crédito no inventário é uma decisão interlocutória contra a qual cabe agravo de instrumento
Inventário
Inventário é o processo
instaurado com o objetivo de se apurar quais foram os bens deixados pelo
falecido e, após isso, realizar a partilha entre os herdeiros.
Consiste, portanto, na descrição
pormenorizada dos bens da herança, tendente a possibilitar o recolhimento de
tributos, o pagamento de credores e, por fim, a partilha.
Imagine agora a seguinte
situação hipotética:
João faleceu e deixou herança.
Regina, sua esposa, ajuizou ação
de inventário pedindo a arrecadação e partilha dos bens.
João tinha uma dívida com a
empresa Alfa e que não foi paga enquanto ele estava vivo. Essa dívida estava
representada por meio de uma nota promissória.
Diante disso, a Alfa requereu a habilitação
do crédito no processo de inventário.
A inventariante não concordou com
o pedido alegando que a nota seria inexigível em razão da ausência da data da
emissão e da natureza da obrigação a qual estaria vinculada.
Diante disso, o juiz rejeitou a habilitação e disse que o
pedido deveria ser remetido às vias ordinárias para ali serem discutidos os
requisitos do título de crédito apresentado. A decisão do magistrado foi
fundamentada no art. 643 do CPC:
Art. 643. Não havendo
concordância de todas as partes sobre o pedido de pagamento feito pelo credor,
será o pedido remetido às vias ordinárias.
Parágrafo único. O juiz mandará,
porém, reservar, em poder do inventariante, bens suficientes para pagar o
credor quando a dívida constar de documento que comprove suficientemente a
obrigação e a impugnação não se fundar em quitação.
A empresa Alfa não concordou e
interpôs apelação contra a decisão.
A empresa interpôs o
recurso correto?
NÃO.
Na vigência do CPC/1973 havia
muita polêmica sobre a natureza jurídica do pronunciamento do juiz que deferia
ou negava a habilitação do crédito no inventário. Essa manifestação seria uma sentença
ou decisão interlocutória?
O próprio STJ estava dividido. Havia
julgados afirmando que se tratava de sentença e, portanto, impugnável por
apelação (REsp 1.133.447/SP, Terceira Turma, DJe 19/12/2012). Outros julgados
sustentavam que seria decisão interlocutória e, desse modo, impugnável por
agravo de instrumento (REsp 1.107.400/SP, Quarta Turma, DJe 13/11/2013).
Essa dúvida acabou com o CPC/2015.
O CPC/2015 forneceu o conceito de sentença no § 1º do art.
203:
Art. 203. Os pronunciamentos do
juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.
§ 1º Ressalvadas as disposições
expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do
qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do
procedimento comum, bem como extingue a execução.
(...)
Dessa modo, o CPC/2015 adotou
duplo critério para o conceito de sentença (temporal e material):
• a sentença deve por fim à fase cognitiva
ou de execução (critério temporal); e
• deve fazer isso tratando de
alguma das matérias dos arts. 485 e 487.
A decisão do juiz que aplica o
art. 643 do CPC não é uma sentença, não sendo recorrível por apelação.
Essa decisão não põe fim à fase cognitiva
ou à execução (não atende ao critério temporal do conceito de sentença).
Além disso, existe previsão expressa de que cabe agravo de
instrumento. Confira o que diz o art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015:
Art. 1.015 (...)
Parágrafo único. Também caberá
agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de
liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e
no processo de inventário.
Ao interpretar esse art. 1.015,
parágrafo único, o STJ já decidiu que todas as decisões interlocutórias proferidas na ação de inventário
são imediatamente recorríveis por agravo de instrumento, independentemente de
seu conteúdo:
Cabe agravo de instrumento contra todas as decisões
interlocutórias proferidas na liquidação e no cumprimento de sentença, no
processo executivo e na ação de inventário.
STJ. Corte Especial. REsp 1803925-SP, Rel. Min. Nancy
Andrighi, julgado em 01/08/2019 (Info 653).
Em verdade, percebe-se que a
habilitação de crédito é um incidente processual, que tramitará apensado ou
vinculado ao inventário, sem características de ação autônoma.
Diante desse cenário, é correto
fixar a tese de que, na vigência da nova legislação processual, o
pronunciamento judicial que versa sobre a habilitação do crédito no inventário
é uma decisão interlocutória e, desse modo, é impugnável por agravo de
instrumento com base no art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015.
Em suma:
STJ. 3ª
Turma. REsp 1.963.966-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/05/2022 (Info
744).