Imagine a seguinte situação
hipotética:
João fez um seguro
de vida, por meio do qual paga R$ 50 por mês (prêmio) e, se vier a
falecer na vigência do contrato, a seguradora terá que pagar R$ 500 mil reais (indenização) ao seu filho
(beneficiário).
Determinado dia,
João, após sair de uma festa completamente embriagado, perdeu o controle sobre
o carro e o colidiu contra um poste, falecendo no local.
A seguradora se negou
a pagar o valor da apólice ao filho de João, sob o argumento
de que houve agravamento intencional do risco (embriaguez ao volante). A
seguradora afirmou que existe cláusula contratual prevendo a exclusão de
cobertura nestes casos. Confira:
Cláusula 2.3.1 – Há
perda do direito à indenização na hipótese de sinistros ou acidentes
decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de
alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas.
O filho de João questionou
judicialmente a validade desta cláusula.
Esta cláusula presente no seguro
de vida é válida?
NÃO.
É vedada a exclusão de cobertura do seguro de vida na hipótese
de sinistro ou acidente decorrente de atos praticados pelo segurado em estado
de embriaguez.
Tal cláusula é abusiva, com base nos arts. 3º, § 2º, e 51, IV,
do CDC.
STJ. 2ª Seção. EREsp 973.725-SP, Rel. Min. Lázaro Guimarães
(Desembargador Convocado Do TRF 5ª Região), julgado em 25/04/2018 (Info 625).
Esse entendimento é baseado na
orientação da Superintendência de Seguros Privados na Carta Circular
SUSEP/DETEC/GAB n° 08/2007:
1) Nos Seguros de Pessoas e
Seguro de Danos, é VEDADA A EXCLUSÃO DE COBERTURA na hipótese de “sinistros ou
acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade
mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas”;
2) Excepcionalmente, nos Seguros
de Danos cujo bem segurado seja um VEÍCULO, é ADMITIDA A EXCLUSÃO DE COBERTURA
para “danos ocorridos quando verificado que o VEÍCULO SEGURADO foi conduzido
por pessoa embriagada ou drogada, desde que a seguradora comprove que o
sinistro ocorreu devido ao estado de embriaguez do condutor”.
No mesmo sentido, logo em
seguida, foi editado o seguinte enunciado:
Súmula 620-STJ: A embriaguez do segurado não exime a seguradora
do pagamento da indenização prevista em contrato de seguro de vida.
Aprovada em 12/12/2018, DJe 17/12/2018.
Cláusulas limitativas das avenças
securitárias
Em tese, é possível que existam
cláusulas no contrato de seguro que limitem ou restrinjam o pagamento da
indenização. Ex: é válida a cláusula que exclua o pagamento da indenização caso
a morte tenha ocorrido por conta de uma doença preexistente que foi omitida
pelo segurado no momento da contratação.
Vale ressaltar, no entanto, que
as cláusulas que limitam a cobertura securitária, para serem válidas, não podem
contrariar:
• as disposições legais;
• a finalidade do contrato.
A jurisprudência do STJ entende
que a cláusula presente no contrato de seguro de pessoas que exclua a cobertura
em caso de sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado
em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias
tóxicas é uma cláusula muito restritiva que acaba contrariando a própria
finalidade do contrato.
Em 2022, o STJ confirmou o
entendimento acima exposto, dizendo que ele vale, de forma geral, para os
seguros de pessoas (e não apenas o seguro de vida).
Em suma:
Nos seguros de pessoas, é vedada a exclusão de
cobertura na hipótese de sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados
pelo segurado em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de
substâncias tóxicas.
STJ. 2ª Seção.
REsp 1.999.624-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Raul Araújo,
julgado em 28/09/2022 (Info 751).
Situação diferente no caso de
seguro de veículos
No caso de seguro de veículos, o
STJ e a SUSEP entendem que é válida a cláusula contratual que preveja a
exclusão da indenização caso os danos ao automóvel tenham sido causados pela
embriaguez do segurado.
Compare:
No SEGURO DE VIDA (seguro de
pessoas) é devida a indenização securitária mesmo que o acidente que vitimou
o segurado tenha decorrido de seu estado de embriaguez? |
No SEGURO DE AUTOMÓVEL (seguro
de bens) celebrado por uma empresa com a seguradora, é devida a indenização
securitária se o condutor do veículo estava embriagado? |
SIM. É vedada a exclusão de
cobertura do seguro de vida na hipótese de sinistro ou acidente decorrente de
atos praticados pelo segurado em estado de embriaguez. STJ. 3ª Turma. REsp
1.665.701-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 9/5/2017 (Info
604). STJ. 2ª Seção. EREsp 973.725-SP, Rel.
Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado Do TRF 5ª Região), julgado em
25/04/2018 (Info 625). |
• Em regra: NÃO. • Exceção: será devido o
pagamento da indenização se o segurado conseguir provar que o acidente
ocorreria mesmo que o condutor não estivesse embriagado. Não é devida a indenização securitária decorrente de contrato de
seguro de automóvel quando o causador do sinistro (condutor do veículo
segurado) estiver em estado de embriaguez, salvo se o segurado demonstrar que
o infortúnio ocorreria independentemente dessa circunstância. STJ. 3ª Turma. REsp
1.485.717-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 22/11/2016
(Info 594). |