Tráfico privilegiado (art.
33, § 4º da Lei nº 11.343/2006)
A Lei de
Drogas prevê, em seu art. 33, § 4º, a figura do “traficante privilegiado”,
também chamada de “traficância menor” ou “traficância eventual”:
Art. 33 (...)
§ 4º Nos delitos
definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um
sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde
que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades
criminosas nem integre organização criminosa.
Qual é a natureza jurídica deste § 4º?
Trata-se de uma causa de diminuição de
pena.
Redução:
de 1/6 a 2/3
O magistrado tem plena autonomia para aplicar a redução no quantum que reputar adequado de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Vale ressaltar, no entanto, que essa fixação deve ser suficientemente fundamentada e não pode utilizar os mesmos argumentos adotados em outras fases da dosimetria da pena (STF HC 108387, 06.03.12). Dito de outra forma, não se pode utilizar os mesmos fundamentos para fixar a pena-base acima do mínimo legal e para definir o quantum da redução prevista neste dispositivo, sob pena de bis in idem.
Jurisprudência
em Teses do STJ (ed. 131)
Tese 25:
Diante da ausência de parâmetros legais, é possível que a fração de redução da
causa de diminuição de pena estabelecida no art. 33, § 4º, da Lei n.
11.343/2006 seja modulada em razão da qualidade e da quantidade de droga
apreendida, além das demais circunstâncias do delito.
Vedação
à conversão em penas restritivas de direitos
O STF já declarou, de forma incidental,
a inconstitucionalidade da expressão “vedada a conversão em penas restritivas
de direitos”, constante deste § 4º do art. 33, de modo que é possível, segundo
avaliação do caso concreto, a concessão da substituição da pena privativa de
liberdade por restritiva de direitos, desde que cumpridos os requisitos do art.
44 do CP.
Requisitos:
Para ter direito à minorante
prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, é necessário o preenchimento
de quatro requisitos autônomos:
a) primariedade;
b) bons antecedentes;
c) não dedicação a atividades
criminosas; e
d) não integração à organização
criminosa.
ý (Promotor MP/MG 2019) São requisitos para o reconhecimento do tráfico privilegiado que o agente seja primário, de bons antecedentes e boa conduta social, que não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. (ERRADO)
Se o réu não preencher algum
desses requisitos, não terá direito à minorante. São requisitos cumulativos:
Jurisprudência
em Teses do STJ
Tese 22: A
causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas só
pode ser aplicada se todos os requisitos, cumulativamente, estiverem presentes.
Esse benefício se aplica
para quais delitos?
• Art. 33, caput: tráfico de
drogas.
• Art. 33, § 1º, I: importar, exportar, produzir, adquirir,
vender, guardar matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação
de drogas.
• Art. 33, § 1º, II: semear,
cultivar, fazer a colheita de plantas que são matéria-prima para preparação de
drogas.
• Art. 33, § 1º, III: utilizar
local ou bem de sua propriedade, posse, administração guarda ou vigilância, ou
consentir que alguém utilize para o tráfico ilícito de drogas.
• Art. 33, § 1º, IV: vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
þ
(Juiz de Direito TJ-MS 2020 FCC) No que concerne à lei de drogas, cabível a
redução da pena de um sexto a dois terços para o agente que tem em depósito,
sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar,
matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas,
desde que primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades
criminosas nem integre organização criminosa. (CERTO)
Tráfico privilegiado (art. 33, §
4º, da Lei 11.343/2006) não é crime equiparado a hediondo
Veja o que diz o novo § 5º do art. 112 da LEP:
Art. 112
(...)
§ 5º Não
se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de
tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto
de 2006. (Lei nº 13.964/2019 – Pacote Anticrime)
ý
(Juiz Federal TRF2 2017) Presente a causa de diminuição de pena prevista no §
4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, por ser o agente primário, de bons
antecedentes, não dedicado a atividades criminosas e não integrante de
organização criminosa, ainda assim é hediondo o crime de tráfico por ele
praticado. (ERRADO)
Imagine agora a seguinte situação
hipotética:
Regina foi denunciada pela
prática de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006).
A defesa pediu a aplicação da
causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas.
O juiz condenou a ré e negou o
benefício do art. 33, § 4º sob o argumento de que ela responde a outro processo
criminal no qual também é acusada por tráfico de drogas. Logo, para o
magistrado, está comprovado que a acusada se dedica às atividades criminosas.
A defesa impugnou essa decisão
alegando que esse segundo processo ainda não terminou, ou seja, ainda não houve
trânsito em julgado, de sorte que ela é presumivelmente inocente.
A decisão do juiz encontra
amparo na jurisprudência?
NÃO.
É vedada a utilização de
inquéritos e/ou ações penais em curso para impedir a aplicação do art. 33, §
4º, da Lei nº 11.343/2006.
STJ. 3ª
Seção. REsp 1.977.027-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 10/08/2022 (Recurso
Repetitivo – Tema 1139) (Info 745).
Esse é também o entendimento do
STF que, no entanto, menciona, em quase todas as suas ementas, a expressão “por
si só”, indicando que tais elementos podem ser avaliados em conjunto com o
restante das provas:
A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é no sentido de
que a existência de inquéritos ou ações penais em andamento não é, por si só,
fundamento idôneo para afastamento da minorante do art. 33, § 4º, da Lei
11.343/2006.
STF. 1ª Turma.
RHC 205080 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 04/10/2021.
À luz do princípio constitucional da presunção da não culpabilidade,
a existência de inquéritos ou ações penais em curso não constitui fundamento
válido para afastar a incidência da causa de diminuição de pena prevista no
art. 33, §4º, da Lei de Drogas.
STF. 2ª Turma. HC 210211 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado
em 22/08/2022.
A existência de processos em andamento, por si só, não é
suficiente para afastar a minorante do art. 33, § 4°, da Lei 11.343/2006.
STF. 2ª Turma. HC 206143 AgR, Relator p/ Acórdão Min. Gilmar
Mendes, julgado em 14/12/2021.
Direito subjetivo do
acusado
A aplicação da causa de
diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas constitui direito subjetivo do acusado, caso presentes os requisitos
legais. Logo, o juiz não pode negar a sua aplicação com base em considerações
subjetivas.
Da mesma forma, é vedado ao
magistrado instituir outros requisitos além daqueles expressamente previstos em
lei para a sua incidência, bem como deixar de aplicá-la se presentes os
requisitos legais.
Inquéritos e ações penais
em curso podem fundamentar prisão preventiva, mas não servem para afastar o
privilégio do art. 33, § 4º da LD. Por que existe essa diferença de
entendimento? Haveria uma contradição?
NÃO. Os inquéritos e ações penais
em curso podem ser utilizados para avaliar, em caráter preliminar e precário, a
periculosidade do agente para fins de fundamentar eventual prisão cautelar.
Isso se justifica porque esta medida acauteladora não exige que se afirme inequivocamente
que o réu provisoriamente segregado é o autor do delito ou que sua liberdade
indubitavelmente oferece riscos, bastando que haja, nos termos do art. 312,
caput, do CPP, “indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de
liberdade do imputado”.
As decisões cautelares, como é o
caso da decretação da prisão preventiva, se satisfazem com a afirmação de que
existem simples indícios. Por outro lado, os comandos legais que tratam sobre aplicação
da pena (como é o caso do art. 33, § 4º, da LD) exigem a afirmação peremptória
de que existem fatos comprovados, não sendo suficiente a mera expectativa ou
suspeita de sua existência. É por essa razão que a jurisprudência rechaça o
emprego de inquéritos e ações penais em curso na formulação da dosimetria da
pena, tendo em vista a indefinição que os caracteriza.
Os requisitos do art. 33, §
4º da LD exigem uma “afirmação peremptória acerca de fatos”
De acordo com o § 4º do art. 33
da LD as penas podem ser reduzidas de um sexto a dois terços caso o agente:
a)
seja primário;
b)
tenha bons antecedentes;
c)
não se dedique a atividades delitivas; e
d)
não integre organização criminosa.
Todos os requisitos da minorante
do art. 33, § 4º, demandam (exigem) uma afirmação peremptória (definitiva)
acerca de fatos, não sendo suficiente a existência de inquéritos e ações penais
em curso a subsidiar validamente a análise de nenhum deles.
Para análise do requisito da primariedade,
é necessário examinar a existência de prévia condenação penal com trânsito em
julgado anterior ao fato, conforme prevê o art. 63 do Código Penal.
Já a análise do requisito dos bons
antecedentes, embora também exija condenação penal com trânsito em julgado,
abrange a situação dos indivíduos tecnicamente primários.
Quanto à dedicação a atividades
criminosas ou o pertencimento a organização criminosa, a existência de
inquéritos e ações penais em curso indica apenas que há investigação ou
acusação pendente de análise definitiva e cujo resultado é incerto, não sendo
possível presumir que essa suspeita ou acusação ainda em discussão irá se
confirmar, motivo pelo qual não pode obstar a aplicação da minorante.
Princípio da presunção de
inocência e súmula 444
Por expressa previsão inserta no
art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, a afirmação peremptória de que
um fato criminoso ocorreu e é imputável a determinado autor, para fins
técnico-penais, somente é possível quando houver o trânsito em julgado da
sentença penal condenatória.
Este raciocínio conduziu o
Superior Tribunal de Justiça à edição da Súmula nº 444, segundo a qual: “É
vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para
agravar a pena-base.”
De fato, a mesma ratio decidendi
que orientou a edição do entendimento sumular no sentido de que inquéritos e
ações penais em curso não podem ser empregados, na primeira fase da dosimetria,
para agravar a pena-base, justifica a impossibilidade de que esses mesmos
parâmetros sejam empregados em outras etapas da dosimetria, como na avaliação
de causas de diminuição de pena.
Para que se diga que o réu
não preenche algum dos requisitos do art. 33, § 4º da LD será sempre necessária
uma sentença penal condenatória anterior? Ex: para que se diga que o réu se
dedica a atividades criminosas e que, portanto, não tem direito ao benefício, é
sempre indispensável a existência de uma sentença penal transitada em julgado?
NÃO. Não se pode confundir os
conceitos de antecedentes, reincidência e dedicação a atividades criminosas.
Os antecedentes e a reincidência exigem
sempre a existência de condenação penal definitiva. Aqui sim.
Por outro lado, o Ministério
Público pode, em tese, provar que o réu se dedica a atividades criminosas mesmo
sem que ele tenha, contra si, uma condenação definitiva. Isso pode ser comprovado
pelo Estado-acusador por qualquer elemento de prova idôneo, tais como escutas
telefônicas, relatórios de monitoramento de atividades criminosas, documentos
que comprovem contatos delitivos duradouros ou qualquer outra prova
demonstrativa da dedicação habitual ao crime.
Conforme já decidiu o STF, se as
circunstâncias concretas do delito ou outros elementos probatórios revelam a
dedicação do paciente a atividades criminosas, não tem lugar o redutor do § 4º
do art. 33 da Lei 11.343/2006 (STF. 1ª Turma. HC 216716 AgR, Rel. Dias Toffoli,
julgado em 29/08/2022).
O que o STJ disse no Tema 1139 é
que a dedicação a atividades criminosas não fica caracterizada pelo simples
fato de o réu ter, contra si, registros de inquéritos e ações penais cujo
deslinde é incerto.
Exemplo de elementos que
servem para afastar a minorante:
A conduta social, os maus antecedentes, a reincidência, o
concurso de agentes, a quantidade de drogas apreendidas, as circunstâncias da
apreensão e a existência de ações penais em curso são exemplos de elementos
aptos a indicar a dedicação do agente a atividade criminosa, fundamento idôneo
para o afastamento da minorante do tráfico privilegiado.
STF. 2ª Turma. HC 209928 AgR, Rel. Min. Nunes Marques, julgado
em 21/03/2022.