segunda-feira, 14 de novembro de 2022
Há excesso de prazo para conclusão de IP, quando, a despeito do investigado se encontrar solto, a investigação perdura por longo período sem que haja complexidade que justifique
Imagine a seguinte situação adaptada:
Em abril de 2013, foi instaurado inquérito
policial em desfavor de João a fim de apurar a veracidade de notícia de que ele,
na qualidade de advogado de uma pessoa idosa, teria ficado com dinheiro que
seria devido ao seu cliente.
Não foi decretada a prisão cautelar do
investigado nem impostas outras medidas cautelares diversas.
Em março de 2021, a defesa impetrou habeas
corpus perante o STJ, no qual alegou que até o momento não foi oferecida
denúncia nem pedido o arquivamento do inquérito policial. Argumentou, portanto,
que é patente o excesso de prazo para a conclusão da investigação.
O STJ concordou com o pedido da
defesa?
SIM.
O inquérito policial tem prazo para
ser concluído?
SIM. No Brasil, o inquérito policial é
temporário, ou seja, possui um prazo para ser concluído.
O art. 10 do CPP traz a regra geral
sobre o tempo de duração do IP, mas existem outras leis que disciplinam o tema
para crimes específicos, como o art. 66 da Lei nº 5.010/66 ou o art. 51,
parágrafo único, da Lei nº 11.343/2006.
Salvo previsão de
lei especial em sentido contrário, o inquérito deverá terminar no prazo de 10
dias (se o indiciado estiver preso) ou em 30 dias (se estiver solto). Quando o
fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, o Delegado de
Polícia poderá requerer a prorrogação do prazo (art. 10, caput e § 3º do CPP).
Prazo do inquérito é impróprio, se o
investigado estiver solto
O prazo para a conclusão do
inquérito policial, em caso de investigado solto é impróprio.
Assim, em regra, o prazo pode ser
prorrogado a depender da complexidade das investigações.
Excepcionalmente, é
possível o exame da razoabilidade da duração do IP
Conforme precedentes do STJ, é
possível que se realize, por meio de habeas corpus, o controle acerca da
razoabilidade da duração da investigação, sendo cabível, até mesmo, o
trancamento do inquérito policial, caso demonstrada a excessiva demora para a
sua conclusão.
Caso concreto
Constata-se, no caso, o alegado
constrangimento ilegal decorrente do excesso de prazo para a conclusão do
inquérito policial. Isso porque a investigação foi iniciada em 2013, ou seja,
há mais de 9 anos.
As nuances do caso concreto não
indicam que a investigação é demasiadamente complexa: apura-se o alegado desvio
de valores supostamente recebidos pelo paciente, na qualidade de advogado da
vítima (pessoa idosa, analfabeta e economicamente hipossuficiente); há apenas
um investigado; foi ouvida somente uma testemunha e determinada a quebra do
sigilo bancário de duas pessoas; e com diligências já cumpridas.
Além disso, a investigação ficou
paralisada por cerca de 4 anos e a autoridade policial, posteriormente,
apresentou relatório que concluiu pela inexistência de prova da materialidade e
de indícios suficientes de autoria. No entanto, a pedido do Ministério Público,
a investigação prosseguiu.
Mostra-se inadmissível que, no
panorama atual, em que o ordenamento jurídico pátrio é norteado pela razoável
duração do processo (no âmbito judicial e administrativo) - cláusula pétrea
instituída expressamente na Constituição Federal pela Emenda Constitucional n.
45/2004 -, um cidadão seja indefinidamente investigado, transmutando a
investigação do fato para a investigação da pessoa.
O fato de o paciente não ter sido
indiciado ou sofrer os efeitos de qualquer medida restritiva, por si só, não
indica ausência de constrangimento, considerando que a simples existência da
investigação, que no caso está relacionada ao exercício profissional do
paciente, já é uma estigmatização. O constrangimento é patente.
Em suma:
STJ. 6ª Turma. HC 653.299-SC, Rel. Min. Laurita Vaz, Rel. Acd. Min.
Sebastião Reis Júnior, julgado em 16/08/2022 (Info 747).
DOD Plus
Transitoriedade do
inquérito
Apesar de não ter sido mencionada expressamente no voto, o
julgado acima reforça a ideia de que uma das características do inquérito
policial é a de que se trata de um procedimento temporário. Conforme explica
Renato Brasileiro:
“(...) diante
da inserção do direito à razoável duração do processo na Constituição Federal
(art. 5º, LXXVIII), já não há mais dúvidas de que um inquérito policial não
pode ter seu prazo de conclusão prorrogado indefinidamente. As diligências
devem ser realizadas pela autoridade policial enquanto houver necessidade.
Evidentemente, em situações mais complexas, envolvendo vários acusados, é
lógico que o prazo para a conclusão das investigações deverá ser sucessivamente
prorrogado. Porém, uma vez verificada a impossibilidade de colheita de
elementos que autorizem o oferecimento de denúncia, deve o Promotor de Justiça
requerer o arquivamento dos autos.” (Manual de Processo Penal. 4ª ed.,
Salvador: Juspodivm, 2016, p. 140-141).