sexta-feira, 11 de novembro de 2022
Guarda Municipal pode fazer patrulhamento em supostos pontos de tráfico de drogas Pode realizar busca pessoal (art. 240 do CPP)? Pode realizar prisão em flagrante?
O caso concreto, com adaptações,
foi o seguinte:
Dois guardas municipais estavam fazendo
um patrulhamento nas ruas do bairro quando se depararam com Douglas sentado na
calçada.
Ao avistar a viatura, Douglas se levantou
e colocou uma sacola plástica na cintura.
Os guardas municipais desconfiaram da
conduta e decidiram abordá-lo.
Os agentes fizeram
uma revista pessoal e encontraram drogas na posse de Douglas, que foi preso em
flagrante.
Douglas foi condenado por tráfico de drogas
(art. 33 da Lei nº 11.343/2006).
A defesa interpôs apelação alegando
que a prisão foi ilegal já que esta não é a função da guarda municipal.
O TJ/SP manteve a sentença por entender que foi válida a
ação dos agentes já que “guardas municipais podem prender em flagrante, como
qualquer pessoa do povo, na dicção do artigo 301 do CPP” e “não há dúvida de
que as circunstâncias – especialmente a atitude do apelante em face da Guarda
Municipal – tornavam presentes elementos que apontavam para a situação de
flagrância”:
Código de Processo Penal.
Art. 301. Qualquer
do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem
quer que seja encontrado em flagrante delito.
O réu interpôs recurso especial
insistindo na tese da ilicitude das provas já que houve busca pessoal realizada
por guardas civis, sem ciência prévia do flagrante e sem mandado judicial.
Para tanto, apontou contrariedade ao art. 244 do CPP:
Art. 244. A busca
pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada
suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou
papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no
curso de busca domiciliar.
O STJ concordou com os argumentos da
defesa?
SIM.
Guardas municipais
Guarda municipal é uma instituição de
caráter civil, uniformizada e armada, vinculada ao Poder Executivo Municipal,
formada por servidores públicos efetivos, concursados, e que tem por função a
proteção dos bens, serviços e instalações do Município.
Veja o que diz a Lei nº 13.022/2014 (Estatuto Geral das
Guardas Municipais):
Art. 2º Incumbe às guardas municipais,
instituições de caráter civil, uniformizadas e armadas conforme previsto em
lei, a função de proteção municipal preventiva, ressalvadas as competências da
União, dos Estados e do Distrito Federal.
A guarda municipal mereceu previsão expressa na CF/88:
Art. 144 (...)
§ 8º Os Municípios poderão constituir
guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações,
conforme dispuser a lei.
Guardas municipais não são “polícias
municipais”
O
papel das guardas municipais é tão somente o de proteção do patrimônio
municipal, nele incluídos os seus bens, serviços e instalações.
Guardas municipais não
estão no rol de órgãos de segurança pública
Os incisos do art. 144 da CF/88 listam os órgãos de
segurança pública:
Art. 144. A segurança pública, dever do
Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da
ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de
bombeiros militares.
VI - polícias penais federal, estaduais
e distrital.
Repare que as guardas municipais
não estão aí previstas.
A exclusão das guardas municipais
do rol de órgãos encarregados de promover a segurança pública (incisos do art.
144 da Constituição) decorreu de opção expressa do legislador constituinte,
apesar de ter havido iniciativas que buscavam inclui-las. A intenção do
legislador constituinte foi a de que não existisse nenhuma forma de polícia
municipal.
Polícias Militar e Civil
estão sujeitas ao controle externo do Ministério Público
A Polícia Militar quanto a
Polícia Civil, por exerceram a força pública e o monopólio estatal da violência,
estão sujeitas a rígido controle correcional externo do Ministério Público
(art. 129, VII, CF/88) e do Poder Judiciário.
Já as guardas municipais ― apesar
da sua relevância ― não estão sujeitas a nenhum controle correcional externo do
Ministério Público nem do Poder Judiciário.
“É de ser ver com espanto, em um
Estado Democrático de Direito, uma força pública imune a tais formas de
fiscalização, a corroborar, mais uma vez, a decisão conscientemente tomada pelo
Poder Constituinte originário quando restringiu as balizas de atuação das
guardas municipais à vigilância do patrimônio municipal.”
“Não é preciso ser dotado de
grande criatividade para imaginar - em um país com suas conhecidas mazelas
estruturais e culturais - o potencial caótico de se autorizar que cada um dos
5.570 municípios brasileiros tenha sua própria polícia, subordinada apenas ao
comando do prefeito local e insubmissa a qualquer controle externo. Se mesmo no
modelo de policiamento sujeito a controle externo do Ministério Público e
concentrado em apenas 26 estados e um Distrito Federal já se encontram
dificuldades de contenção e responsabilização por eventuais abusos na atividade
policial, é fácil identificar o exponencial aumento de riscos e obstáculos à
fiscalização caso se permita a organização de polícias locais nos 5.570
municípios brasileiros.”
Desvirtuamento das guardas
municipais
A exemplificar o patente
desvirtuamento das guardas municipais na atualidade, cabe registrar que muitas
delas estão alterando suas denominações para "Polícia Municipal".
Ademais, inúmeros municípios pelo país afora - alguns até mesmo de porte
bastante diminuto - estão equipando as suas guardas com fuzis, equipamentos de
uso bélico, de alto poder letal e de uso exclusivo das Forças Armadas.
A
busca pessoal só será válida se realizada pelos agentes públicos com atribuição
Conforme já vimos acima, o art. 244 do CPP prevê o seguinte:
Art. 244. A busca
pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a
pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam
corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca
domiciliar.
Em
outras palavras, mesmo se houver elementos concretos indicativos de fundada
suspeita da posse de corpo de delito, a busca pessoal só será válida se
realizada pelos agentes públicos com atribuição para tanto, a quem compete
avaliar a presença de tais indícios e proceder à abordagem do suspeito.
Art. 301 do CPP abrange apenas
os flagrantes visíveis de plano
Diferente, porém, é a hipótese em
que a situação de flagrante só é evidenciada após realizar atividades invasivas
de polícia ostensiva ou investigativa como a busca pessoal ou domiciliar, uma
vez que não é qualquer do povo que pode investigar, interrogar, abordar ou
revistar seus semelhantes.
Guardas municipais possuem
atribuição sui generis de segurança
Os guardas municipais não são
equiparáveis a policiais.
Por outro lado, os guardas municipais,
no exercício de suas função, também não são cidadãos comuns, ou seja, possuem
mais atribuições que um cidadão comum no que tange à segurança.
Os guardas municipais são agentes
públicos com atribuição sui generis de segurança, pois, embora não
elencados no rol de incisos do art. 144, caput, da Constituição Federal, estão
inseridos § 8º de tal dispositivo; dentro, portanto, do Título V, Capítulo III,
da CF/88, que trata da segurança pública em sentido amplo.
Assim, se por um lado o guardas
municipais não podem realizar tudo o que é autorizado às polícias, por outro
lado também não estão plenamente reduzidos à mera condição de “qualquer do povo”.
São servidores públicos dotados do importante poder-dever de proteger o
patrimônio municipal, nele incluídos os seus bens, serviços e instalações.
Guardas municipais podem
exercer vigilância de instalações públicas municipais
Nessa
esteira, os guardas municipais até podem realizar patrulhamento preventivo na
cidade, mas sempre vinculados à finalidade específica de tutelar os bens,
serviços e instalações municipais, e não de reprimir a criminalidade urbana
ordinária, função esta cabível apenas às polícias, tal como ocorre, na maioria
das vezes, com o tráfico de drogas.
Atribuição de combater o
tráfico de drogas é da polícia
Não é das guardas municipais, mas
sim das polícias, como regra, a competência para patrulhar
supostos pontos de tráfico de drogas, realizar abordagens e revistas em
indivíduos suspeitos da prática de tal crime ou ainda investigar denúncias
anônimas relacionadas ao tráfico e outros delitos cuja prática não atinja de
maneira clara, direta e imediata os bens, serviços e instalações municipais.
Guardas municipais só
poderão realizar busca pessoal em situações absolutamente excepcionais
Em outras palavras, só é possível
que as guardas municipais realizem excepcionalmente busca pessoal se houver,
além de justa causa para a medida (fundada suspeita de posse de corpo de
delito), relação clara, direta e imediata com a necessidade de proteger a
integridade dos bens e instalações ou assegurar a adequada execução dos
serviços municipais, o que não se confunde com permissão para realizarem
atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias militar e civil
para combate da criminalidade urbana ordinária.
A fim de evitar eventuais
compreensões equivocadas da diretriz acima, esclarece-se que não basta que o
crime seja praticado em um bem público municipal, como, por exemplo, uma rua
municipal, ou contra algum habitante do município. É preciso que, na hipótese
dos bens e instalações municipais, o crime do qual se suspeita atente contra a
sua integridade física; no caso dos serviços, por sua vez, é necessário que a
conduta possa obstar a sua adequada execução.
Voltando ao caso concreto
No caso, os guardas municipais
estavam em patrulhamento quando depararam com o recorrente sentado na calçada,
o qual, ao avistar a viatura, levantou-se e colocou uma sacola plástica na
cintura. Por desconfiar de tal conduta, decidiram abordá-lo e, depois de
revista pessoal, encontraram no referido recipiente certa quantidade de drogas
que ensejou a prisão em flagrante delito.
Ainda que eventualmente se
considerasse provável que a sacola ocultada pelo réu contivesse objetos ilícitos,
não estavam os guardas municipais autorizados, naquela situação, a avaliar a
presença da fundada suspeita e efetuar a busca pessoal no acusado.
Caberia aos agentes municipais,
apenas, naquele contexto totalmente alheio às suas atribuições, acionar os
órgãos policiais para que realizassem a abordagem e revista do suspeito, o que,
por não haver sido feito, macula a validade da diligência por violação do art.
244 do CPP e, por conseguinte, das provas colhidas em decorrência dela, nos
termos do art. 157 do CPP.
Em suma:
STJ. 6ª
Turma. REsp 1.977.119-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
16/08/2022 (Info 746).
DOD Plus –
julgados correlatos
A guarda municipal pode, e deve, prender quem se encontre em
situação de flagrante delito, nos termos do art. 301 do CPP.
Todavia, ultrapassando os limites próprios de uma prisão em
flagrante, os agentes integrantes da Guarda Municipal não podem efetuar diligências
típicas de uma investigação criminal para ingressar em residência ou
propriedade de pessoa em cujo poder nada de ilícito foi encontrado.
STF. 1ªTurma.
RE 1281774 AgR-ED-AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Rel. p/ Acórdão:
Min. Luis Roberto Barroso, julgado em 13/06/2022, DJE 26/08/2022.
Caso concreto:
Hipótese em que a prisão
realizada pela Guarda Municipal ultrapassou os limites próprios da prisão em
flagrante.
Prisão realizada, no caso, a partir de denúncia anônima, seguida de diligências investigativas e de ingresso à residência do suspeito
Todos os integrantes das guardas municipais possuem direito a
porte de arma de fogo, em serviço ou mesmo fora de serviço, independentemente
do número de habitantes do Município.
STF. Plenário. ADC 38/DF, ADI 5538/DF e ADI 5948/DF, Rel. Min.
Alexandre de Moraes, julgados em 27/2/2021 (Info 1007).
É constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício
do poder de polícia de trânsito, inclusive para a imposição de sanções
administrativas legalmente previstas (ex.: multas de trânsito).
STF. Plenário. RE 658570/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red.
p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 6/8/2015 (repercussão geral)
(Info 793).