Imagine a seguinte situação
hipotética:
João ajuizou ação de indenização
por danos morais contra o jornal Estado de São Paulo pedindo R$ 1 milhão de
reparação.
O juiz reconheceu que o jornal
cometeu grave erro na reportagem veiculada, praticando, portanto, ato ilícito,
mas condenou o réu ao pagamento de apenas R$ 25 mil.
O jornal recorreu alegando que,
como o autor pediu 1 milhão e somente obteve 25 mil, ele obteve provimento
equivalente a 2,5% do valor pleiteado, devendo, portanto, ser condenado ao
pagamento de 97,5% dos honorários advocatícios e das verbas de sucumbência.
O STJ acolheu a tese do
réu?
NÃO.
No caso concreto, conforme
demonstrado, existe uma substancial discrepância entre o quantum pleiteado a
título de indenização e o valor arbitrado pelo juiz. Por conta disso, o réu
alega que o autor sucumbiu na maior parte do pedido.
O STJ, contudo, não concordou com
essa argumentação.
O art. 292, V, do CPC/2015 prevê que o valor da causa nas
ações indenizatórias - inclusive aquelas fundadas em danos morais - deve
corresponder ao valor que foi pedido:
Art. 292. O valor da causa constará da
petição inicial ou da reconvenção e será:
(...)
V - na ação indenizatória, inclusive a
fundada em dano moral, o valor pretendido;
Em razão dessa previsão, que não
existia no CPC/1973, algumas vozes se levantaram dizendo que o entendimento
manifestado na Súmula 326 do STJ estaria superado. Vamos relembrar o que diz
esse enunciado que é do ano de 2006:
Súmula 326-STJ: Na ação de indenização por dano moral, a
condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência
recíproca.
Aprovada em 22/05/2006, DJ 07/06/2006.
A Súmula 326 do STJ ficou
superada com o CPC/2015?
NÃO.
Essa súmula permanece aplicável:
Nos termos da Súmula 326/STJ, na ação de compensação por danos
morais, a condenação em montante inferior ao postulado na petição inicial não
implica sucumbência recíproca.
STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1672112/SP, Rel. Min. Nancy
Andrighi, julgado em 24/08/2020.
Por que o STJ editou a
Súmula 326 do STJ? Quais são os argumentos a sustentam?
Podemos mencionar dois principais
fundamentos:
1) Nos casos de indenização por
danos morais, fixado o valor indenizatório menor do que o indicado na inicial,
não se pode, para fins de arbitramento de sucumbência, sob pena de correr o
risco de gerar um paradoxo de impor à vítima o pagamento de honorários
advocatícios superiores ao deferido a título indenizatório (STJ. 2ª Turma.
AgInt no REsp 1710637/GO, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 22/05/2018).
Explicando melhor com o caso concreto:
se não houvesse a Súmula 326 do STJ, mesmo ficando reconhecido que o jornal
errou e que João foi prejudicado, ele teria que pagar mais de honorários
advocatícios de sucumbência do que receberia de indenização.
2) Em razão da natural
dificuldade de ser aferida a lesão moral, deve-se entender que o valor do dano
moral indicado na petição inicial é meramente uma estimativa feita pelo autor,
de modo que na eventualidade de o juiz fixar uma quantia inferior, isso não o
transforma em parcialmente vencido. Havendo condenação ao pagamento da
indenização, deve-se considerar que apenas o réu foi vencido (STJ. 4ª Turma. REsp
432.177/SC, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 28/10/2003).
Os fundamentos que levaram
a edição da súmula permanecem hígidos
Conforme já dito, a Súmula 326 do
STJ permanece aplicável. Isso porque esses dois pressupostos acima explicados
ainda subsistem e não foram superados pelo simples fato de o art. 292, V, do
CPC/2015 ter passado a exigir que o autor da demanda indique o valor pretendido
a título de reparação pelos danos morais que diz haver suportado.
Essa indicação é feita exclusivamente
para o fim de se estipular o valor da causa, com possível repercussão nas
custas processuais e, eventualmente, na competência do órgão julgador. Além
disso, essa indicação é feita em caráter meramente estimativo.
Contraria a lógica reparatória dizer
que um provimento jurisdicional que declara a ilicitude do ato e o direito da
vítima à indenização, com a condenação do ofensor no pagamento de prestação
pecuniária, pode impor à vítima obrigação de custear os encargos processuais
sucumbenciais em montante que supera o valor arbitrado para fins de
ressarcimento. Esse entendimento viola o direito à reparação, que possui
assento constitucional (art. 5º, V e X).
O arbitramento do valor da
indenização é uma tarefa de competência exclusiva do órgão judiciário, com
elevada carga de subjetividade, sendo de pouca influência a estimativa que o autor
faz em sua petição inicial. Tanto isso é verdade que, mesmo se o réu for revel,
o juiz não está obrigado a aceitar incondicionalmente o valor indicado pelo demandante
da ação.
Mero indicativo referencial
Repita-se: o valor sugerido pela
parte autora para a indenização por danos morais traduz mero indicativo referencial,
apenas servindo para que o julgador pondere a informação como mais um elemento
para a árdua tarefa de arbitrar o valor da condenação, a fim de que se afigure
suficiente para reparar o prejuízo imaterial suportado pela vítima do evento
danoso.
Valor sugerido na petição
inicial não faz parte do pedido; faz parte da causa de pedir
Em uma ação de indenização, o
pedido, em sentido estrito, é a condenação do réu ao pagamento da indenização.
O valor indicado pelo autor não
faz parte do pedido propriamente dito.
O valor indicado pelo autor faz
parte apenas da causa de pedir, limitando-se a representar a narrativa da parte
no sentido de que, em sua avaliação, aquele prejuízo imaterial tem equivalência
pecuniária no montante por ela indicado.
Se o juiz acolheu o pedido de
condenação do réu ao pagamento da indenização, o sucumbente foi o réu
Na perspectiva da sucumbência, o
acolhimento do pedido inicial - este entendido como sendo a pretensão
reparatória stricto sensu, e não o valor indicado como referência -, com
o reconhecimento do dever de indenizar, é o bastante para que ao réu seja
atribuída a responsabilidade pelo pagamento das despesas processuais e
honorários advocatícios, decerto que vencido na demanda, portanto sucumbente.
Vale a pena fazer uma ressalva. Imaginemos que a vítima de uma lesão ajuíza ação de indenização na qual pede que o réu seja condenado ao pagamento de R$ 1 milhão, sendo R$ 500 mil de danos morais pelo trauma sofrido no dia e R$ 500 mil pelos danos estéticos decorrentes de suposta cicatriz que teria ficado. O juiz condena a R$ 500 mil a título de danos morais, mas não reconhece a existência de danos estéticos. Haverá sucumbência parcial do demandante?
SIM. Haverá sucumbência parcial
do demandante se o autor reivindica indenização por mais de um fato danoso ou
prejuízo (v. g., danos estéticos, morais e à imagem) e o juiz reconhece o dever
de indenizar para somente parte deles.
Da mesma forma, haverá
sucumbência parcial do demandante quando o pedido envolve a reparação de
prejuízo materiais, necessariamente delimitados e quantificados e apenas uma parcela
dos pedidos é indeferida.
Em suma:
STJ. 4ª
Turma. REsp 1.837.386-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em
16/08/2022 (Info 746).