NOÇÕES GERAIS SOBRE MÚTUO
Mútuo
O mútuo é um contrato por meio do
qual alguém (mutuante) empresta para uma outra pessoa (mutuário) uma coisa que
seja fungível (art. 586 do Código Civil).
Ex: João, no caminho para o local
de prova, comprou duas canetas Bic no camelô. Ele empresta uma delas para Pedro
fazer a prova do concurso. João e Pedro celebraram um contrato de mútuo.
Gratuito ou oneroso
O mútuo pode ser:
a) gratuito (também chamado de
“benéfico”): quando não é combinada nenhuma remuneração pelo empréstimo;
b) oneroso (feneratício): quando
é combinado que o mutuário irá pagar ao mutuante uma remuneração pelo
empréstimo.
Mútuo feneratício
A palavra “feneratício” vem do
latim “feneratitius”, que significa algo “relativo à usura”.
O mútuo
feneratício é o empréstimo que tem fins econômicos, ou seja, no qual haverá o
pagamento de uma remuneração ao mutuante. Encontra-se previsto no art. 591 do
CC:
Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins
econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não
poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização
anual.
Art. 406. Quando os juros moratórios
não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem
de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para
a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
A remuneração pelo empréstimo de
coisa fungível é chamada de juros remuneratórios.
Assim, podemos resumir dizendo
que mútuo feneratício consiste no “empréstimo de dinheiro a juro”.
Obs: segundo prevalece no STJ, a
taxa dos juros moratórios a que se refere o art. 406 do CC é a dispositivo é a
taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC (STJ. 3ª
Turma. AgRg no REsp 1105904/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
20/09/2012).
Particulares podem celebrar
mútuo feneratício?
SIM. Desde que respeitadas as
restrições impostas pelo art. 591 do CC.
O art. 591 do CC/2002 impõe
restrições em relação à taxa de juros e à capitalização, permitindo apenas a
capitalização anual. Além disso, esse dispositivo proíbe, sob pena de redução,
que os juros excedam a taxa de 12% ao ano, conforme interpretação sistemática
do art. 406 do CC com o art. 1º do Decreto nº 22.626/1933 e o art. 161, § 1º,
do CTN.
Desse modo, importante reforçar
que o mútuo feneratício não é uma atividade privativa de instituição
financeira. Nesse sentido:
Com efeito, como já reconhecido
pela Quarta Turma desta Corte,
Em regra, não há proibição legal para empréstimo de dinheiro
entre pessoas físicas ou pessoas jurídicas que não componham o sistema
financeiro nacional. Há vedação, entretanto, para a cobrança juros, comissões
ou descontos percentuais sobre dívidas em dinheiro superiores à taxa permitida
por lei, cuja inobservância pode configurar crime nos termos da Lei de Usura.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.854.818/DF, relator para acórdão Min.
Marco Buzzi, julgado em 7/6/2022.
Até mesmo quando, no contrato
particular de mútuo feneratício for constatada a prática de usura ou agiotagem,
a jurisprudência do STJ entende que deve apenas haver a redução dos juros
estipulados para o limite legal, conservando-se o negócio jurídico (REsp
1.106.625/PR, 3ª Turma, DJe 9/9/2011; AgRg no REsp 1.370.532/MG, 3ª Turma, DJe
3/8/2015; AgInt no AREsp 1.486.384/MG, 4ª Turma, DJe 3/12/2019).
Mútuo feneratício envolvendo
instituições financeiras
Vimos acima que o art. 591 prevê
que, no mútuo feneratício, a taxa de juros não pode ser superior à taxa legal
prevista no art. 406 do CC. Além disso, a única capitalização possível é a
anual.
Vale ressaltar, contudo, que
essas restrições contidas no art. 591 do CC não se aplicam para o mútuo feneratício
envolvendo instituições financeiras.
Em outras palavras, se o mutuante
for uma instituição financeira:
• a taxa de juros contratada
poderá ser superior à taxa legal (art. 406); e
• será permitida capitalização de
juros com periodicidade inferior a 1 ano.
Desse modo, se Lucas empresta
dinheiro a juros para Henrique, ele deverá se submeter às restrições do art.
591 do CC. Por outro lado, um banco não estará limitado a tais exigências.
Qual será a taxa de
juros que o banco poderá cobrar?
O STJ possui o
entendimento de que os juros remuneratórios cobrados pelos bancos não estão
sujeitos aos limites impostos pela Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33), pelo
Código Civil ou por qualquer outra lei. Em outras palavras, não existe lei
limitando os juros que são cobrados pelos bancos (STJ. 2ª Seção. REsp
1061530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008).
Existe também
uma súmula antiga do STF que afirma isso:
Súmula 596-STF: As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se
aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações
realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema
financeiro nacional.
Diante da
ausência de lei que imponha limites aos juros cobrados pelas instituições
financeiras, o STJ construiu a seguinte regra: os juros
cobrados pelos bancos devem utilizar como índice a taxa média de mercado,
que é calculada e divulgada pelo Banco Central (BACEN) em sua página na
internet.
NOÇÕES GERAIS SOBRE FACTORING
Factoring
A palavra
factoring pode ser utilizada tanto para designar o contrato (contrato de
factoring) como também a sociedade empresária que celebra esse tipo de ajusta,
ou seja, que desenvolve essa atividade.
Para
entendermos então o que é uma empresa de factoring, é necessário primeiramente
sabermos o que é um contrato de factoring.
Factoring (ou
faturização) é o contrato por meio do qual um empresário (faturizado) cede a
uma instituição de factoring
(faturizadora), total ou parcialmente, os títulos de créditos recebidos com a
atividade empresária para que a factoring
antecipe os pagamentos a prazo ou faça apenas a administração desses
créditos.
Personagens
· Faturizador:
empresa de factoring.
· Faturizado:
cliente.
Terminologias
O contrato de factoring é também chamado de
faturização ou fomento mercantil.
Atividades desempenhadas pela factoring
Existem duas modalidades principais de factoring, que se diferenciam, entre si,
pelas atividades desempenhadas pela instituição faturizadora.
a) Factoring tradicional (conventional factoring):
O empresário cede à factoring os títulos de crédito que
recebeu em sua atividade empresária e que somente irão vencer em uma data
futura, e a empresa de factoring antecipa
esse pagamento, recebendo, como contraprestação, um percentual desses créditos.
Trata-se de uma forma de o empresário obter capital de giro nas vendas a prazo.
Ex: uma loja recebe um cheque “pré-datado” (pós-datado) para 90 dias no valor
de R$ 10 mil. Ocorre que a loja precisa de dinheiro logo. Então, ela cede o
cheque para a empresa de factoring,
que irá pagar à vista para a loja R$ 9.700,00 e, daqui a 90 dias, irá descontar
o cheque, ficando com os R$ 10 mil. A loja recebeu o crédito à vista e teve que
pagar um percentual à factoring.
É como se o cliente tivesse “vendido” o
título para a factoring, que irá
cobrar do devedor no momento do vencimento da dívida.
b) Factoring de vencimento (maturity factoring):
Aqui, a faturizadora não antecipa
qualquer pagamento ao empresário. O faturizado somente irá receber realmente na
data do vencimento. Nesta modalidade de factoring,
a faturizadora apenas fica responsável pela prestação de serviços de
administração do crédito. Ex: o faturizado recebe inúmeros cheques pós-datados
e duplicatas que somente vencerão daqui a alguns dias, cada um em uma data
diferente. Para evitar preocupações com esse controle das datas e das
cobranças, o empresário manda esses títulos para a factoring, que ficará responsável por gerenciar esses créditos e
fazer a cobrança nas datas de vencimento. Na data do vencimento de cada título,
a factoring paga o crédito ao
empresário e vai cobrar dos devedores originários, dispensando o faturizado
desse trabalho.
Factoring não é instituição financeira
O conceito legal de instituição financeira está previsto no
art. 17 da Lei nº 4.595/64, e a factoring
não se enquadra em tal definição:
Art. 17. Consideram-se
instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas
jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou
acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios
ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de
propriedade de terceiros.
A factoring
não faz a captação de dinheiro de terceiros, como acontece com os bancos. A
empresa de factoring utiliza recursos
próprios em suas atividades.
Logo, a factoring não integra o Sistema Financeiro Nacional nem necessita
de autorização do Banco Central para funcionar. Nesse sentido:
As empresas popularmente conhecidas como factoring desempenham atividades de fomento mercantil, de cunho
meramente comercial, em que se ajusta a compra de créditos vencíveis, mediante
preço certo e ajustado, e com recursos próprios, não podendo ser caracterizadas
como instituições financeiras.
STJ. 3ª Seção. CC 98.062/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em
25/08/2010.
CONTRATO DE MÚTUO E FACTORING
Uma
empresa de factoring pode celebrar contrato de mútuo feneratício?
SIM.
Mas a factoring não é instituição
financeira....
Não tem problema. Já vimos acima que
não é necessário ser instituição financeira para praticar mútuo feneratício. O
mútuo feneratício pode ser celebrado mesmo sem ser instituição financeira.
A única ressalva está no fato do limite
de juros e capitalização.
Se a factoring emprestar dinheiro
deverá respeitar os limites que são impostos aos particulares no que tange aos
juros e à capitalização.
Em outras palavras, a factoring pode
emprestar dinheiro a juros (pode celebrar mútuo feneratício), mas não poderá
cobrar as mesmas taxas de juros ou índices de capitalização de um banco.
Desse modo:
Embora não constitua instituição financeira, não é vedado
à sociedade empresária de factoring celebrar contrato de mútuo feneratício,
devendo apenas serem respeitadas as regras dessa espécie contratual aplicáveis
aos particulares, especialmente quanto aos juros devidos e à capitalização.
STJ. 3ª
Turma. REsp 1.987.016-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 06/09/2022 (Info
750).
E
qual é o limite de juros das factorings?
As empresas de factoring não se enquadram no conceito de instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios estão limitados em 12% ao ano, nos termos da Lei de Usura (STJ. 4ª Turma. REsp 1048341/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 10/02/2009).
Assim, por exemplo, em hipótese
na qual o contrato intitulado como de factoring é descaracterizado para o de
mútuo feneratício, o negócio jurídico, em regra, permanece válido, mas deve
observar aos arts. 586 a 592 do CC/2002, além das disposições gerais, e
eventuais juros devidos não podem ultrapassar a taxa de 12% ao ano, permitida
apenas a capitalização anual (arts. 591 e 406 do CC/2002; 1º do Decreto nº
22.626/1933; e 161, § 1º, do CTN), sob pena de redução ao limite legal,
conservando-se o negócio.