sexta-feira, 4 de novembro de 2022
É possível cumular pedidos de prisão e de penhora na mesma execução de alimentos?
Execução de alimentos
Existem dois regimes de cumprimento da decisão
que determina o pagamento de alimentos:
a) rito da prisão civil;
b) rito comum.
a) Rito da prisão civil:
Previsto no caput e nos §§ 1º a 7º do
art. 528 do CPC.
O juiz, a requerimento do exequente,
manda intimar o executado pessoalmente para, em 3 dias, pagar o débito, provar
que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
Se o executado não pagar ou se a
justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o
pronunciamento judicial, decretará a prisão civil do devedor pelo prazo de 1 a
3 meses.
A prisão será cumprida em regime
fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns.
O cumprimento da pena não exime o
executado do pagamento das prestações vencidas e vincendas.
Paga a prestação alimentícia, o juiz
suspenderá o cumprimento da ordem de prisão.
b) Rito comum:
Trata-se do cumprimento de sentença no
qual se buscará bens do devedor que possam ser utilizados para satisfação da
dívida. É como se fosse a execução de uma dívida comum.
Esse rito é adotado em duas situações:
1) quando o próprio credor escolher esse rito, renunciando à
possibilidade de pedir a prisão civil:
Art. 528 (...)
§ 8º O exequente pode optar por
promover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do
disposto neste Livro, Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível
a prisão do executado, e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito
suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a
importância da prestação.
2) quando o débito alimentar se referir a prestações
vencidas há mais de 3 meses. Isso porque somente se pode pedir a prisão civil
de prestações alimentícias vencidas há menos de 3 meses:
Art. 528 (...)
§ 7º O débito alimentar que autoriza a
prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações
anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do
processo.
Súmula 309-STJ: O débito alimentar que autoriza a prisão civil
do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento
da execução e as que se vencerem no curso do processo.
É possível a cumulação dos
procedimentos de execução de alimentos?
Posição tradicional: NÃO.
A escolha de um determinado
procedimento afasta a utilização do outro, ou seja, trata-se de ritos
excludentes entre si.
A adoção do procedimento da penhora
exclui a possibilidade de determinação da prisão civil do devedor de alimentos
(nos termos do art. 528, §8º, do CPC). Já a eleição do procedimento da prisão
civil adiará a possibilidade de penhora para o término da medida de constrição
pessoal.
Exceção: no caso da impossibilidade de
prisão em razão da pandemia da Covid-19
É possível a penhora de bens do devedor de alimentos, sem
que haja a conversão do rito da prisão para o da constrição patrimonial,
enquanto durar a impossibilidade da prisão civil em razão da pandemia do
coronavírus.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.914.052-DF, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 22/06/2021 (Info 702).
Caso o credor tenha escolhido o rito da
prisão civil, mas entenda que não é mais adequada e prefira realizar desde logo
a penhora, será possível a conversão do rito?
Sim. Caso o credor adote o procedimento
da prisão civil, será possível requerer expressamente ao juízo a alteração do
rito, de modo a utilizar desde logo as medidas expropriatórias.
Esta Corte Superior possui entendimento de ser possível, na
execução de alimentos, a conversão do rito da prisão civil para o procedimento
de execução por quantia certa, admitindo-se a penhora de bens.
STJ. 3ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp n. 481.941/RS, Rel.
Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 11/5/2020.
Posição inovadora da 4ª Turma do STJ: em
regra, SIM.
É cabível a cumulação das medidas
executivas de coerção pessoal e de expropriação no âmbito do mesmo procedimento
executivo, desde que:
• não haja prejuízo ao devedor; e
• não ocorra qualquer tumulto
processual.
Na cobrança de obrigação
alimentar, é cabível a cumulação das medidas executivas de coerção pessoal e de
expropriação no âmbito do mesmo procedimento executivo, desde que não haja
prejuízo ao devedor nem ocorra qualquer tumulto processual.
STJ.
4ª Turma. REsp 1.930.593/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/8/2022
(Info 744).
Por conseguinte, em princípio, é
possível o processamento em conjunto dos requerimentos de prisão e de
expropriação, devendo os respectivos mandados citatórios/intimatórios se
adequar a cada pleito executório.
Apenas se houver demonstração de algum
prejuízo pelo devedor ou se o magistrado vislumbrar a ocorrência de tumulto
processual em detrimento da prestação jurisdicional é que se determinará a
cisão do feito, com o apensamento em apartado de um dos requerimentos.
Para melhor compreensão, veja o caso concreto,
com adaptações, enfrentado pela 4ª Turma do STJ no REsp 1.930.593/MG:
Em ação de alimentos, o juiz condenou
Gilberto a pagar um salário-mínimo de pensão em favor de seu filho Tiago (10 anos).
Houve o trânsito em julgado.
Gilberto não pagou as pensão
alimentícia fixada.
Depois de 10 meses de atraso, Tiago,
representado por sua mãe Luciana, ingressou com cumprimento de sentença.
Na petição do cumprimento, o autor pediu
que fossem cumuladas duas técnicas executivas:
a) a da prisão, para a dívida mais
recente (últimos 3 meses); e
b) a do desconto em folha de pagamento,
para a dívida mais remota (outros 7 meses).
Veja como o autor escreveu na petição:
Diante
todo o exposto, o Exequente requer o cumprimento da sentença com a adoção das
seguintes providências:
1) A
intimação pessoal do Executado para pagar o valor equivalente aos três últimos
meses da obrigação alimentícia, no valor de R$ xxx, no prazo de 3 (três) dias,
sob pena de ver decretada sua prisão civil, conforme previsto no art. 528, §3º
do CPC;
2) Após
cumprida a parcela descrita no item anterior, requer a expedição de ofício ao
INSS a fim de se determinar à autarquia federal descontar dos proventos de
aposentadoria pagos ao devedor o valor correspondente às parcelas vincendas, no
patamar de 1 salário-mínimo, bem como das 7 prestações mais remotas, que
perfazem o valor de R$ xxx, de forma parcelada, observado o limite estabelecido
no art. 529, §3º, CPC.
Em 1ª instância, o pedido foi negado sob
o argumento de que não era possível a cumulação desses pedidos nos mesmos autos.
O magistrado determinou que o autor emendasse a inicial.
O autor interpôs agravo de instrumento,
mas o TJ manteve a decisão do juiz argumentando:
“Tendo em vista a diversidade dos
procedimentos para a cobrança de alimentos pelos ritos expropriatório (penhora)
e coercitivo (prisão civil), mostra-se inapropriada a cumulação, nos mesmos
autos, de execuções utilizando simultaneamente as duas técnicas.”
Ainda inconformado, o autor
interpôs recurso especial.
O STJ deu provimento ao recurso
do exequente.
Algumas razões invocadas pelo
Min. Relator Luís Felipe Salomão:
·
Não se pode baralhar (confundir) os conceitos de
técnica executiva e procedimento executivo, pois os instrumentos executivos
servem, dentro da faculdade do credor e da condução processual do magistrado,
justamente para trazer eficiência ao rito procedimental.
·
Em razão da flexibilidade procedimental de nosso
sistema processual e da relevância do bem jurídico tutelado em questão, deve-se
adotar um posicionamento conciliatório entre as correntes divergentes,
conferindo-se concretude à opção procedimental do credor de alimentos, sem se
descuidar de eventual infortúnio prático a ser sopesado no caso em concreto,
trazendo adequação e efetividade à tutela jurisdicional, tendo sempre como
norte a dignidade da pessoa do credor necessitado.
·
Assim, em regra, é cabível a cumulação das
medidas executivas da coerção pessoal e da expropriação no âmbito do mesmo
procedimento executivo, desde que não haja prejuízo ao devedor (a ser
devidamente comprovado por ele) nem ocorra qualquer tumulto processual, ambos a
serem avaliados pelo magistrado no caso concreto.
·
Por outro lado, é recomendável que credor
especifique, em tópico próprio, a sua pretensão ritual em relação a eles, assim
como o mandado de citação/intimação deverá prever as diferentes consequências
de acordo com as diferentes prestações. A defesa do requerido, por sua vez,
poderá se dar em tópicos ou, separadamente, com a justificação em relação as
prestações atuais e impugnação ou embargos para se opor às prestações
pretéritas.
·
Apenas se houver demonstração de algum prejuízo
pelo devedor ou se o magistrado vislumbrar a ocorrência de tumulto processual
em detrimento da prestação jurisdicional é que se determinará a cisão do feito,
como o apensamento em apartado de um dos requerimentos.
·
A delimitação do alcance de cada pedido é apta a
afastar, em tese, algum embaraço processual, cindindo-se o feito diante das
técnicas executivas pleiteadas de forma a permitir que a parte adversa tenha
conhecimento de que e de como se defender.
·
Tal solução atende a um só tempo os princípios
da celeridade, da economia, da eficiência e da proporcionalidade, atendendo aos
fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a
dignidade da pessoa humana, nos termos exigidos pelo art. 8º do CPC/2015,
prestigiando o alimentando na busca do recebimento do seu crédito alimentar
(indispensável à sua sobrevivência), exatamente o ser vulnerável a quem o
procedimento executivo visa socorrer.
É preciso aguardar para verificar
se esse entendimento também será seguido pela 3ª Turma do STJ.