Imagine a seguinte situação
hipotética:
Em 2014, a Ômega Ltda. alugou um
imóvel de propriedade da Alfa Participações.
Foi celebrado entre as duas um
contrato de locação de imóvel para fins comerciais por prazo indeterminado, com
o valor mensal de R$ 5.000,00 a título de aluguéis.
A Ômega é uma empresa de
coworking e usa o espaço como prestação de serviços para que pequenas empresas
e profissionais liberais possam ali fazer reuniões.
Ocorre que, em março de 2020, em
razão da pandemia da covid-19, começaram a ser impostas diversas medidas de
isolamento social.
Em razão disso, as reuniões foram
suspensas, o que reduziu drasticamente a receita da empresa de coworking.
Nesse cenário, a Ômega ajuizou ação
revisional contra a Alfa Participações pedindo a redução de 50% valor do
aluguel pelo prazo de cinco meses ou até que cessassem os impactos econômicos
do coronavírus.
A empresa ré apresentou contestação e alegou que a autora não deixou
de exercer as suas atividades e estava tentando se aproveitar da situação para
reduzir os seus custos operacionais. Argumentou, ainda, que não foi demonstrada
a vantagem indevida à locadora, bem como que não pode ser responsabilizada
pelos prejuízos decorrentes das restrições governamentais. Por fim, argumentou
que a autora não comprovou o nexo de causalidade entre a redução das receitas e
a pandemia.
A questão chegou até o STJ.
O pedido da autora pode ser acolhido?
SIM.
Conforme já explicado, a locatária era uma empresa de coworking, cujo objetivo, linhas gerais, é o compartilhamento de espaço para empreendedores e empresas de pequeno porte. Ou seja, o coworking é um espaço físico que pode ser compartilhado por várias empresas ou profissionais liberais.
É certo que a pandemia trouxe
efeitos negativos tanto para a locatária como para a locadora, no entanto, é
indiscutível que sobreveio um desequilíbrio econômico-financeiro imoderado para
a locatária.
A locatária ficou impedida de
exercer suas atividades por um tempo e, mesmo assim, manteve-se obrigada continuar
pagando os aluguéis no valor integral e originalmente firmado. Houve, portanto,
uma drástica alteração das circunstâncias que existiam na época da contratação,
situação que comporta a intervenção no contrato a fim de que sejam
restabelecidos os elementos econômico e financeiros das partes para que se
adequem às novas condições.
Nessa linha, a fixação de um
período determinado para que as partes possam se adequar às condições
(adversas) que lhes foram impostas, constitui medida salutar, capaz de promover
a melhor composição para cada caso, especialmente quando a manutenção do
contrato é viável, como no caso dos autos.
A liberdade de contratar é o
núcleo das relações privadas, no entanto, encontra limites nas regras da boa-fé
objetiva e da função social dos contratos, que, por sua vez, devem ser
interpretadas de acordo com a natureza da relação jurídica firmada,
autorizando-se, assim, em maior ou menor medida, a intervenção do Estado-Juiz
como forma de restabelecer o equilíbrio entre as partes.
A diretriz da boa-fé, portanto, deve
ser observada, especialmente porque os ônus suportados pela locatária
revelaram-se, no caso concreto, desmesurados.
Ademais, a situação da pandemia
pode ser enquadrada como fortuito externo ao negócio, circunstância que exige a
ponderação dos sacrifícios de cada parte na relação contratual.
Em suma:
STJ. 4ª
Turma. REsp 1.984.277-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/08/2022 (Info
745).
Cuidado para não confundir:
Não é possível ao
consumidor invocar o direito subjetivo da revisão contratual diante dos efeitos
advindos da pandemia da Covid-19, como fundamento para autorizar a redução
proporcional do valor das mensalidades escolares
A situação decorrente da pandemia pela Covid-19 não constitui
fato superveniente apto a viabilizar a revisão judicial de contrato de
prestação de serviços educacionais com a redução proporcional do valor das
mensalidades.
STJ. 4ª Turma REsp 1998206-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
julgado em 14/06/2022 (Info 741).