Lei nº 14.230/2021
A Lei nº 14.230/2021 promoveu a
maior reforma da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) desde que esse diploma
foi editado. Até a ementa da lei recebeu
nova redação.
Sancionada sem vetos e com
vigência imediata, desde a publicação em 26 de outubro de 2021, a Lei nº
14.230/21 suprimiu a modalidade culposa de improbidade administrativa, modificou
as regras sobre prescrição e alterou muitos aspectos processuais.
Neste julgado, o STF analisou se
essas mudanças são retroativas, ou não.
A MODALIDADE CULPOSA DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA FOI
REVOGADA
Em que consiste o ato de improbidade administrativa?
Trata-se de um ato praticado
por agente público, ou por particular em conjunto com agente público, e que
gera enriquecimento ilícito, causa prejuízo ao erário ou atenta contra os
princípios da Administração Pública.
A Lei nº 14.230/2021 inseriu o § 1º ao art. 1º da LIA trazendo
uma definição de ato de improbidade administrativa.
Um ponto de destaque é o fato de que o legislador deixa
expressamente consignado que só existe ato de improbidade em caso de conduta
dolosa:
Art. 1º (...)
§ 1º Consideram-se atos de improbidade
administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei,
ressalvados tipos previstos em leis especiais.
Essa foi uma grande novidade imposta pela Lei nº 14.230/2021:
• Antes da Lei nº
14.230/2021: os atos de improbidade administrativa previstos nos arts. 9º, 10-A
e 11 exigiam dolo. Havia, contudo, uma hipótese de improbidade que poderia ser
praticada com culpa: o art. 10.
• Depois da Lei nº 14.230/2021: todos os atos de improbidade
administrativa exigem dolo. Não existe mais a possibilidade de ser praticado
ato administrativo com culpa.
Com a Lei nº 14.230/2021, todas as
espécies de atos de improbidade administrativa exigem a comprovação de que
houve dolo por parte do agente público ou do terceiro. Ou seja, mesmo nas
hipóteses de atos que causaram prejuízo ao erário, não basta a culpa para
configuração da improbidade. Nesse sentido, destaca-se o novo art. 17-C, § 1º,
também acrescentado pela Lei nº 14.230/2021:
Art. 17-C (...)
§ 1º A ilegalidade sem a presença de dolo que a
qualifique não configura ato de improbidade.
De acordo com o projeto de lei, o intuito do legislador foi de
conferir nova definição do ato de improbidade administrativa, de modo a
restringi-lo ao agente público desonesto, não o inábil. O equívoco, o erro ou a
omissão decorrente de uma negligência, uma imprudência ou uma imperícia não
pode ser compreendido como ato de improbidade.
Reforça essa nova exigência da LIA a revogação do art. 5º,
que previa a modalidade culposa:
Art. 5º Ocorrendo lesão ao
patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o
integral ressarcimento do dano. (REVOGADO)
Vale ressaltar que o afastamento da modalidade culposa de
improbidade não significa que o ato praticado pelo agente sem dolo, mas com
culpa, seja considerado lícito e fique sem responsabilização. O servidor que agir
com negligência, imperícia ou imprudência pode ser punido até mesmo com
demissão, nos termos dos arts. 117, XV, e 132, XIII, da Lei nº 8.112/90:
Art. 117. Ao servidor é proibido:
(...)
XV - proceder de forma desidiosa;
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
(...)
XIII - transgressão dos incisos IX a
XVI do art. 117.
E qual é a definição de “dolo” para fins de improbidade
administrativa?
Confira o que disse o novo § 2º do art. 1º, da LIA:
Art. 1º (...) § 2º Considera-se dolo a
vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts.
9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.
(Incluído pela Lei nº 14.230/2021)
Merece destaque também o § 3º do mesmo artigo:
Art. 1º (...)
§ 3º O mero exercício da função ou
desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim
ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa. (Incluído pela Lei nº 14.230/2021)
Os §§ 1º e 2º do art. 11 também caminham no mesmo sentido:
Art. 11 (...)
§ 1º Nos termos da Convenção das Nações
Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro
de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo,
quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter
proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.
(Incluído pela Lei nº 14.230/2021)
§ 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste
artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e
em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade
administrativa instituídos por lei. (Incluído pela Lei nº 14.230/2021)
Divergência interpretativa
Uma das principais novidades da Lei nº 14.230/2021 foi o
novo § 8º do art. 1º que afirma que não há que se falar em improbidade se a
conduta do agente público foi baseada em jurisprudência, ainda que posteriormente
não tenha sido a que prevaleceu:
Art. 1º (...)
§ 8º Não configura improbidade a ação
ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em
jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser
posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos
tribunais do Poder Judiciário.
A divergência faz parte do cotidiano do intérprete do direito.
Muitas vezes, as ações por improbidade administrativa são propostas em razão de
intepretações diferentes a sobre a lei: o gestor público segue parte da
jurisprudência segundo a qual uma prática é permitida, ao passo que o
Ministério Público entende se tratar de ilegalidade, seguindo jurisprudência
oposta. Nesses casos, cabe ao Poder Judiciário se pronunciar sobre a ocorrência
de mera divergência interpretativa ou de intencional violação à lei, configurando-se,
esta sim, improbidade administrativa.
Aqui, o legislador buscou deixar claro que os atos praticados
diante da dúvida razoável sobre o que é (i)lícito não configuram improbidade
administrativa.
Aplicação dos princípios do direito administrativo
sancionador
A ação de improbidade administrativa possui natureza
cível. Em outras palavras, é uma ação civil e não uma ação penal. Assim, o ato
de improbidade administrativa não é crime.
A despeito disso, suas sanções são graves e, portanto, a Lei
nº 14.230/2021 acrescentou o § 4º ao art. 1º da LIA afirmando que a ele devem
ser aplicados os princípios do direito administrativo sancionador, que muito se
assemelham aos princípios do direito penal:
Art. 1º (...)
§ 4º Aplicam-se ao sistema da
improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito
administrativo sancionador.
Essa concepção já era adotada pelo STJ conforme se pode
constatar pela lição do brilhante Min. Mauro Campbell Marques:
“As sanções da Lei de Ação Popular,
da Lei de Ação Civil Pública e da Lei de Improbidade Administrativa não têm
caráter penal, mas formam o arcabouço do direito administrativo sancionador, de
cunho eminentemente punitivo, fato que autoriza trazermos à baila a lógica do
Direito Penal, ainda que com granus salis. É razoável pensar, pois, que
pelo menos os princípios relacionados a direitos fundamentais que informem o
Direito Penal devam, igualmente, informar a aplicação de outras leis de cunho
sancionatório.
(...)
De acordo com essa linha de
argumentação, um princípio norteador do Direito Penal que, em minha opinião,
deve ter plena aplicação no campo do Direito Administrativo sancionador é o
princípio da culpabilidade (...)” (STJ REsp 765212/AC)
A REVOGAÇÃO DA MODALIDADE CULPOSA DO ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA É IRRETROATIVA
Vimos acima que, a partir a Lei nº 14.230/2021 (26/10/2021), deixou
de existir, no ordenamento jurídico, a tipificação para atos culposos de
improbidade administrativa. Essa mudança foi constitucional (válida)? O
legislador poderia ter feito isso?
SIM. A alteração promovida pelo legislador no texto original
da Lei nº 8.429/92, no sentido de suprimir a modalidade culposa do ato de
improbidade administrativa, é clara e plenamente válida, pois a própria
Constituição Federal delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos
atos ímprobos, assim como a gradação das sanções constitucionalmente
estabelecidas (CF/88, art. 37, § 4º):
Art. 37 (...)
§ 4º Os atos de improbidade
administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função
pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e
gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Vale ressaltar, contudo, conforme
já explicado acima, que, o agente público que culposamente causar dano ao
erário, embora não mais responda por ato de improbidade administrativa, poderá
responder civil e administrativamente pelo ato ilícito. Logo, essa conduta culposa
deixou de ser ato de improbidade, mas ainda pode ser punida.
Essa alteração retroage
para absolver pessoas que já tenham sido condenadas com trânsito em julgado.
Imagine que um indivíduo, antes da Lei nº 14.230/2021, tenha sido condenado
definitivamente pela prática de ato de improbidade administrativa na modalidade
culposa. Essa alteração retroage e ele agora será considerado absolvido? Há uma
espécie de abolitio?
NÃO.
O art. 5º, XXXVI, da CF/88 afirma
que a lei não pode prejudicar (ofender) a coisa julgada.
Logo, o STF decidiu que:
Por força do art. 5º, XXXVI, da
CF/88, a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa,
promovida pela Lei nº 14.230/2021, é irretroativa, de modo que os seus efeitos
não têm incidência em relação à eficácia da coisa julgada, nem durante o
processo de execução das penas e seus incidentes.
STF.
Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022
(Repercussão Geral – Tema 1199) (Info 1065).
Mas não seria possível aplicar,
no caso, o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica (art. 5º, XL,
da CF/88)?
NÃO.
O princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica encontra-se
previsto no art. 5º, XL, da CF/88:
Art. 5º (...)
XL - a lei penal não retroagirá, salvo
para beneficiar o réu;
Esse princípio não tem aplicação
automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa,
por ausência de expressa previsão legal.
Enfraquecimento do direito
administrativo sancionador
Além disso, se fosse aplicada retroativamente
essa mudança haveria desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de
regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos
corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do direito administrativo
sancionador.
A regra do art. 5º, XL, da
CF/88 existe em homenagem ao direito à liberdade
Importante registrar que o princípio
da retroatividade da lei penal mais benéfica baseia-se em particularidades do
direito penal, o qual está vinculado à liberdade do criminoso (princípio do favor
libertatis), fundamento inexistente no direito administrativo sancionador.
No âmbito da improbidade
administrativa prevalece o princípio do tempus regit actum
A
regra, no ordenamento jurídico, é a irretroatividade das leis para não atingir
situações transitadas em julgado.
Desse modo, a retroatividade da
lei penal mais benéfica é uma exceção que, como tal, deve ser interpretada
restritivamente, prestigiando-se a regra geral da irretroatividade da lei e a
preservação dos atos jurídicos perfeitos, especialmente porque, no âmbito da
jurisdição civil, prevalece o princípio tempus
regit actum.
Vimos acima que, se a
condenação por ato de improbidade administrativa culposo já tiver transitado em
julgado, a Lei nº 14.230/2021 não irá retroagir para “absolver” o condenado. E
se o processo ainda estiver em curso? Imagine que Gustavo foi condenado por ato
culposo de improbidade administrativa. Houve recurso para o Tribunal de Justiça.
Antes que o recurso fosse julgado, entrou em vigor a Lei nº 14.230/2021. Essa
novidade deverá ser imediatamente aplicada?
SIM. Incide a Lei nº 14.230/2021 em relação aos atos de improbidade
administrativa culposos praticados na vigência da Lei nº 8.429/1992, desde que
não exista condenação transitada em julgado.
Isso significa Gustavo será obrigatoriamente absolvido?
NÃO.
O juízo competente (em nosso exemplo, o TJ) não poderá mais manter a condenação
por ato culposo de improbidade administrativa. Contudo, a condenação ainda
poderá ser mantida se ficar comprovado que o sujeito agiu com dolo eventual. Logo,
essa absolvição não é automática nem obrigatória.
Foi o que decidiu o STF:
Incide a Lei nº 14.230/2021 em
relação aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência
da Lei nº 8.429/1992, desde que não exista condenação transitada em julgado,
cabendo ao juízo competente o exame da ocorrência de eventual dolo por parte do
agente.
STF.
Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022
(Repercussão Geral – Tema 1199) (Info 1065).
Assim, diante da revogação
expressa do texto legal anterior, não se admite a continuidade de uma
investigação, uma ação de improbidade, ou uma sentença condenatória por
improbidade com base em uma conduta culposa não mais tipificada legalmente.
Entretanto,
a incidência dos efeitos da nova lei aos fatos pretéritos não implica a
extinção automática das demandas, pois deve ser precedida da verificação, pelo
juízo competente, do exato elemento subjetivo do tipo:
• se houver culpa, não se
prosseguirá com o feito;
• se houver dolo, pode prosseguir.
Essa medida é necessária porque,
na vigência da Lei nº 8.429/92, como não se exigia a definição de dolo ou
culpa, muitas vezes a imputação era feita de modo genérico, sem especificar
qual era o elemento subjetivo do tipo.
Nesse contexto, todos os atos
processuais até então praticados são válidos, inclusive as provas produzidas,
as quais poderão ser compartilhadas no âmbito disciplinar e penal, assim como a
ação poderá ser utilizada para fins de ressarcimento ao erário.
MUDANÇAS PROMOVIDAS PELA LEI 14.230/2021
NO REGIME DE PRESCRIÇÃO
O que é
prescrição?
Se um
direito é violado, o titular deste direito passa a ter a pretensão de buscar
judicialmente a reparação do dano (de forma específica ou pelo equivalente em
dinheiro).
Essa pretensão, contudo, deve ser exercida dentro de um
prazo previsto na lei. Esgotado esse prazo, extingue-se a pretensão. A extinção
dessa pretensão pelo decurso do prazo é chamada de prescrição. Isso está
previsto no art. 189 do Código Civil, valendo como regra geral:
Art. 189. Violado o direito, nasce para
o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que
aludem os arts. 205 e 206.
A prescrição tem como
fundamentos a pacificação social e a segurança jurídica. Se não existisse prazo
para o titular do direito exercer a sua pretensão, todas as relações jurídicas
seriam sempre marcadas pela incerteza e instabilidade, considerando que um fato
ocorrido há anos ou mesmo décadas poderia ser questionado.
A prescrição está presente nos
diversos ramos do Direito, inclusive no Direito Administrativo.
Prescrição e atos de improbidade administrativa
Os atos de improbidade
administrativa, assim como ocorre com as infrações penais, também estão
sujeitos a prazos prescricionais.
Logo, caso os legitimados ativos
demorem muito tempo para ajuizar a ação de improbidade administrativa contra o
responsável pelo ato ímprobo, haverá a prescrição e a consequente perda da
pretensão punitiva. De igual modo, se, mesmo depois de ter sido ajuizada, a
ação demorará mais do que o prazo estipulado na Lei para instância, também
haverá a prescrição.
A prescrição dos atos de improbidade administrativa é tratada em um único dispositivo da Lei nº 8.429/92: o art. 23.
Qual é o prazo prescricional para a propositura de
ações de improbidade administrativa?
Esse prazo é previsto no caput do art. 23 da Lei nº 8.429/92,
tendo sido substancialmente alterado pela Lei nº 14.230/2021.
Antes da Lei nº 14.230/2021:
O art. 23 estipulava três hipóteses de prazo prescricional. O
dispositivo dizia que:
I – se o autor do ato de improbidade fosse um agente público que
mantinha um vínculo temporário com a Administração Pública, ou seja, se ele fosse
detentor de mandato, cargo em comissão ou função de confiança: o prazo
prescricional seria de 5 anos, contado somente após o término do exercício do mandato,
cargo em comissão ou função de confiança;
II – se o autor do ato de improbidade fosse um agente público que
mantinha um vínculo permanente com a Administração Pública, ou seja, se ele
fosse ocupante de cargo efetivo ou de emprego público: o prazo e o início da
contagem seriam os mesmos que previstos no estatuto do servidor para prescrição
de faltas disciplinares puníveis com demissão (ex.: na Lei nº 8.112/90, salvo
se a infração administrativa for também crime, o prazo é de 5 anos, contado da
data em que o fato se tornou conhecido, mas leis estaduais/municipais poderiam
trazer regra diferente).
III – no caso de entidades que recebiam
subvenção, benefício ou incentivo (fiscal ou creditício), de órgão público: o
prazo prescricional era de 5 anos, contado da apresentação à administração
pública da prestação de contas final pelas entidades beneficiadas.
Depois da Lei nº 14.230/2021:
O prazo passou a ser de 8 anos,
contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes,
do dia em que cessou a permanência.
A nova redação do art. 23, caput, unificou em 8 anos
contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes,
do dia em que cessou a permanência, o prazo de prescrição para a ação de
improbidade.
Compare as redações:
LEI Nº 8.429/92 (LEI DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA) |
|
Redação original |
Redação dada pela Lei
nº 14.230/2021 |
Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções
previstas nesta lei podem ser propostas: I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de
cargo em comissão ou de função de confiança; II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica
para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos
casos de exercício de cargo efetivo ou emprego. III - até cinco anos da data da apresentação à administração
pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo
único do art. 1º desta Lei. |
Art. 23. A ação para a aplicação das sanções previstas nesta
Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no
caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência. |
O prazo prescricional foi aumentado. Diante disso, pode-se
dizer que a mudança operada pela Lei nº 14.230/2021 endurece a repressão à
improbidade administrativa?
NÃO. Esse endurecimento é apenas aparente. Na prática, houve uma
melhoria na situação. Isso porque o termo inicial do prazo prescricional foi
antecipado, como regra geral, para a data da ocorrência do fato, não importando
quando ele se tornou conhecido das autoridades.
Termo inicial da prescrição
Como vimos acima, em regra, o termo inicial do prazo
prescricional é a data da ocorrência do fato (ato de improbidade
administrativa).
A fixação da data do fato como termo inicial torna a contagem do
prazo prescricional mais segura. Isso porque, no regime anterior, esse início
variava de acordo com a qualidade do sujeito ativo do ato. Ocorre que, na
prática, reuniam-se numa mesma ação ou investigação sujeitos ativos de
diferentes naturezas. Sem contar que a redação anterior não previa expressamente
regras de prescrição para o terceiro (particular) que participava do ato de
improbidade administrativa em conjunto com o agente público.
Vale ressaltar, contudo, que a parte final do art. 23 traz uma
exceção a essa regra e diz que, no caso de infrações permanentes, o prazo
prescricional será contado do dia em que cessar a permanência.
Diante disso, surge uma relevante indagação: o que são
infrações permanentes?
Para se conceituar o que seria uma infração permanente, é
interessante buscar o conceito de crime permanente utilizado no direito penal e
transportar essa definição para o ato de improbidade.
Crime permanente é aquele na
qual a consumação se prolonga no tempo, por vontade do autor. “Assim, se um
estado antijurídico típico tiver uma certa duração e se protrair no tempo
enquanto tal for vontade do agente, que tem a faculdade de pôr termo a esse
estado de coisas”, o crime será permanente (FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito
Penal. Parte Geral. Tomo I. RT e Coimbra editora: São Paulo, 2007, p. 314).
Desse modo, para fins do art. 23 da Lei nº 8.429/92, podemos
conceituar infrações permanentes como sendo os atos de improbidade
administrativa cuja execução se protrai no tempo por vontade do autor.
Em regra, o termo inicial da prescrição é a data da ocorrência
do ato de improbidade administrativa.
No caso de infrações permanentes de improbidade, o prazo
prescricional só começa a ser contado quando cessar a permanência.
Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz alerta para a importância
de não se confundir infração permanente com infração instantânea, cujos efeitos
serão permanentes:
“(...) uma contratação sem licitação
que seja configurada como ato de improbidade é considerada uma infração
instantânea (ainda que produza efeitos ao longo do tempo), pois se consumou no
momento da contratação irregular, por mais que seus efeitos se prolonguem no
tempo de execução do contrato.
A malfadada ‘rachadinha’, no nosso
entender, é exemplo claro de infração permanente, pois, a cada mês que se opta
por fazer a devolução, apropriação ilegal ou imoral do valor destinado ao
funcionário, é praticado mais um ato que ratifica aquele inicial, de modo que
se caracteriza como infração permanente.
No último caso, por exemplo, o prazo
prescricional somente começa a contar a partir do momento que cessa a conduta
ilegal e caracterizada como ato de improbidade. A partir do momento que a
‘rachadinha’ parar de acontecer, se inicia a contagem do prazo prescricional.” (GAJARDONI,
Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo; GOMES JÚNIOR, Luiz
Manoel; FAVRETO, Rogério. Comentários à nova Lei de Improbidade
Administrativa. 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022, p. 558).
Tendo sido estudado o caput do art. 23, passemos à análise dos
oito parágrafos que foram inseridos pela Lei nº 14.230/2021.
Suspensão do prazo prescricional
Para que haja condenação, a
prática do ato de improbidade administrativa precisa ser provada.
Se o Ministério Público ou a
pessoa jurídica interessada já dispuserem de provas suficientes, é possível o
ajuizamento direto da ação de improbidade administrativa sem qualquer outra
formalidade.
O que se observa com maior
frequência, no entanto, é a necessidade de ser realizada uma investigação
prévia com o objetivo de se coletar maiores elementos sobre a existência, ou
não, do ato de improbidade, bem como de sua autoria.
Por essa razão, a Lei nº 8.429/92
prevê a possibilidade de ser realizada uma investigação para se reunir
elementos informativos (provas) que demonstrem a autoridade e a materialidade
do ato de improbidade.
Essa investigação pode ocorrer por
meio de:
a) inquérito civil;
b) procedimento investigativo
assemelhado;
c) inquérito policial.
É o que prevê o art. 22 da Lei nº 8.429/92:
Art. 22. Para apurar qualquer ilícito
previsto nesta Lei, o Ministério Público, de ofício, a requerimento de
autoridade administrativa ou mediante representação formulada de acordo com o
disposto no art. 14 desta Lei, poderá instaurar inquérito civil ou procedimento
investigativo assemelhado e requisitar a instauração de inquérito policial.
Parágrafo único. Na apuração dos
ilícitos previstos nesta Lei, será garantido ao investigado a oportunidade de
manifestação por escrito e de juntada de documentos que comprovem suas
alegações e auxiliem na elucidação dos fatos.
O inquérito civil é um
procedimento administrativo, de natureza unilateral e facultativa, instaurado e
presidido pelo Ministério Público para apurar fato relacionados com os
interesses ou direitos tutelados pelo Parquet, servindo como preparação para o
exercício de funções institucionais (art. 1º da Resolução CNMP nº 23/2007).
Se os indícios de ilegalidade
forem ainda muito incipientes, o membro do Ministério Público, antes de
instaurar inquérito civil, poderá iniciar um procedimento preparatório “visando
apurar elementos para identificação dos investigados ou do objeto” (art. 2º, §
4º, da Resolução).
Conforme explica Fernando Gajardoni:
“Inclusive vale
a nota de que, havendo dúvida sobre a própria veracidade do fato a investigar,
pode o representante do Ministério Público, antes mesmo da instauração do
Inquérito Civil, determinar a realização de um procedimento investigatório
próprio (procedimento preparatório do Inquérito Civil), com o escopo de formar
o pré-convencimento da autoridade ministerial sobre a viabilidade ou não de dar
início a uma investigação formal (Inquérito Civil).” (ob. cit, p. 507).
O art. 22 da LIA fala também em
inquérito policial porque pode acontecer de o ato de improbidade também se
subsumir a algum tipo penal. Em outras palavras, o mesmo fato a ser investigado
configura ato de improbidade e crime. Neste caso, em vez de realizar um
inquérito civil, a medida recomendada é a requisição de instauração de
inquérito policial, que tem instrumentos investigatórios mais amplos.
O que o inquérito civil e a
investigação dos atos de improbidade tem a ver com a prescrição?
O novo § 1º do art. 23 da LIA,
inserido pela Lei nº 14.230/2021, afirma que a instauração de inquérito civil
ou de processo administrativo para apuração de atos de improbidade
administrativa suspende o curso do prazo prescricional.
Vale relembrar que a suspensão é responsável
“por pausar o prazo que estava em curso, de modo que ao cessar a causa
suspensiva, o prazo retomará o seu curso, de onde parou” (FIGUEIREDO, Luciano;
FIGUEIREDO, Roberto. Manual de Direito Civil. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 368-669).
Trata-se de uma efetiva inovação?
Sim. Isso porque, antes da Lei nº 14.230/2021,
o STJ possuía o entendimento consolidado no sentido de que a instauração do
inquérito civil não tinha o condão de interromper ou mesmo suspender o curso do
prazo prescricional. O argumento era justamente a falta de previsão legal:
(...) 2. O pedido de providências ao Ministério Público Federal,
ou mesmo a instauração de inquérito civil, não ilidem a ocorrência da
prescrição. Isso porque, ainda que a parte interessada tenha realizado
diligências em busca da solução da lide, o curso do prazo prescricional somente
é interrompido nas hipóteses legais e suspenso quando se verificar a pendência
de um acontecimento que impossibilite o interessado de agir, o que não se
verifica na hipótese dos autos. (...)
(AgRg no REsp n. 1.384.087/RS, relator Ministro Mauro Campbell
Marques, Segunda Turma, julgado em 19/3/2015, DJe de 25/3/2015.)
Esse prazo ficará suspenso
indefinidamente?
Não. A Lei afirma que a
instauração suspende o curso do prazo prescricional por, no máximo, 180 dias corridos.
Importante reforçar que 180 dias é
o prazo máximo. Assim, podemos visualizar dois cenários:
i) o inquérito civil ou
procedimento investigatório é concluído antes de 180 dias: neste caso, o prazo
prescricional recomeçará a correr no dia da sua conclusão;
ii) o inquérito civil ou
procedimento investigatório ultrapassou o prazo de 180 dias sem que tenha sido
concluído: nesta hipótese, após o 180º dia, o prazo prescricional, que estava
suspenso, voltou a fluir normalmente.
Assim, a suspensão do prazo prescricional, em nenhuma hipótese, poderá ser superior a 180 dias.
Confira a redação do dispositivo:
Art. 23 (...)
§ 1º A instauração de inquérito civil ou de processo administrativo para
apuração dos ilícitos referidos nesta Lei suspende o curso do prazo
prescricional por, no máximo, 180 (cento e oitenta) dias corridos, recomeçando
a correr após a sua conclusão ou, caso não concluído o processo, esgotado o
prazo de suspensão. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
Apesar de não ter relação direta com o tema prescrição, importante
esclarecer que a Lei nº 14.230/2021 acrescentou o § 2º ao art. 23 prevendo o
prazo de 365 dias para o encerramento do inquérito civil, podendo haver uma
única prorrogação por igual período:
Art. 23 (...)
§ 2º O inquérito civil para apuração do
ato de improbidade será concluído no prazo de 365 (trezentos e sessenta e
cinco) dias corridos, prorrogável uma única vez por igual período, mediante ato
fundamentado submetido à revisão da instância competente do órgão ministerial,
conforme dispuser a respectiva lei orgânica. (Incluído pela Lei nº 14.230, de
2021)
O que acontece se encerrar o prazo do inquérito civil?
O membro do Ministério Público terá duas opções:
a) ajuizar a ação de improbidade no prazo máximo de 30 dias;
b) promover pelo arquivamento do inquérito civil.
É o que prevê o novo § 3º do art. 23:
Art. 23 (...)
§ 3º Encerrado o prazo previsto no § 2º deste artigo, a ação
deverá ser proposta no prazo de 30 (trinta) dias, se não for caso de
arquivamento do inquérito civil. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
Esgotado o prazo de 30 dias, o Ministério Público estará
proibido de propor a ação de improbidade?
Não. Entendemos que o prazo de que trata o § 3º do art. 23 é
impróprio e não produz, em princípio, efeitos materiais ou processuais. Esse
prazo de 30 dias é destinado para que o membro do Ministério Público seja
diligente na definição do resultado do inquérito civil e o seu descumprimento
enseja a responsabilidade administrativa (funcional) do Promotor de Justiça ou
Procurador da República. No mesmo sentido é a posição de Octahydes Ballan
Junior e Ruth Araújo Viana:
“Quanto ao § 3º do art. 23,
acresça-se que o prazo de 30 (trinta) dias par ajuizamento da ação é impróprio
e não acarreta nenhuma sanção processual ou material se superado, ficando
sujeito apenas ao controle dos órgãos correicionais quanto a eventual excesso
injustificado, até porque a única leitura possível do dispositivo é aquela que
diz que a ação deverá ser proposta no prazo de 30 (trinta) dias a contar da
conclusão das diligências imprescindíveis do inquérito civil. Logo, não será o
esgotamento do prazo de 2 anos que imporá o ajuizamento da ação em 30 dias,
ficando na dependência, isso sim, do término das diligências e da colheita de
provas hábeis para sustentar a pretensão. Da mesma forma, o escoamento do
trintídio não invalidará a ação que vier a ser proposta.” (PAULINO, Galtiênio
da Cruz; SCHOUCAIR, João Paulo Santos; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros; BALLAN
JÚNIOR, Octahydes (org). Comentários à Lei de Improbidade Administrativa. Interpretação
constitucional em consonância com a eficácia jurídica e social. Salvador:
Juspodivm, 2022, p. 408).
Vimos acima que o § 2º do art. 23 prevê um prazo máximo de
duração do inquérito civil. Diante disso, indaga-se: esgotado esse prazo, se
ainda assim forem necessárias mais diligências para apurar a autoria e
materialidade, será possível a continuidade das investigações?
A doutrina tem respondido afirmativamente:
“As considerações anteriores conduzem
também à conclusão de que o prazo previsto para a conclusão do inquérito
administrativo apresenta natureza administrativa. Não há cabimento em
determinar que, decorrido o prazo de trezentos e sessenta e cinco dias (ou do
seu dobro, em caso de prorrogação), o inquérito civil estaria automaticamente extinto.
É perfeitamente cabível que o prazo
referido seja insuficiente para a apuração dos fatos pertinentes. Se e enquanto
não estiver consumada a prescrição, é cabível o desenvolvimento de atividade
investigativa. Seria um despropósito argumentar que o inquérito seria encerrado
automaticamente decorrido o prazo limite, mas o prazo prescricional somente se
aperfeiçoaria depois de decorridos oito anos.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Reforma
da Lei de Improbidade Administrativa. Comparada e Comentada. Rio de Janeiro:
Forense, 2022, p. 254-255).
No mesmo sentido é a conclusão de Octahydes Ballan Junior e Ruth
Araújo Viana (ob. cit., p. 408).
Pensamos que essa posição, em princípio, é correta. Seria
incoerente a lei estipular um prazo prescricional de 8 anos e, ao mesmo tempo, limitar,
peremptoriamente, as investigações a um prazo fatal de 720 dias. Assim, não
estando prescrito, o suposto ato de improbidade pode ser investigado.
Ocorre que essa conclusão não pode ser tida como absoluta.
Por estarmos em um Estado Democrático de Direito que tem como um
dos princípios constitucionais a duração razoável do processo (art. 5º,
LXXVIII, da CF/88), não se pode admitir a existência de investigações
prorrogadas indefinidamente.
Desse modo, defendemos a ideia de que, esgotado o prazo de 720
dias para conclusão do inquérito civil, é até possível, em tese, a continuidade
das investigações, desde que o membro do Ministério Público demonstre,
fundamentadamente, razões que justificam o excepcional afastamento do limite
legal. O investigado pode discordar dessas razões e questionar judicialmente a
sua legitimidade.
Importante relembrar, ainda, que a Lei de Abuso de
Autoridade (Lei nº 13.869/2019) prevê como crime a conduta do agente que:
Art. 31. Estender injustificadamente a
investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2
(dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena
quem, inexistindo prazo para execução ou conclusão de procedimento, o estende
de forma imotivada, procrastinando-o em prejuízo do investigado ou do
fiscalizado.
Prescrição intercorrente
Prescrição intercorrente é aquela que ocorre durante o
processo judicial em virtude da demora em se prolatar uma decisão pondo fim à
causa. Nas palavras do Min. Luis Felipe Salomão:
“A prescrição intercorrente
ocorre no curso do processo e em razão da conduta do autor que, ao não
prosseguir com o andamento regular ao feito, se queda inerte, deixando de atuar
para que a demanda caminhe em direção ao fim colimado.” (Min. Luis Felipe
Salomão, no AgInt no AREsp 1083358/RS).
Existe prescrição intercorrente na ação de improbidade
administrativa? Se houver uma demora excessiva para que a sentença seja
proferida é possível que se reconheça a prescrição?
Aqui temos mais uma relevante alteração:
Antes da Lei nº 14.230/2021: não existia prescrição
intercorrente nas ações de improbidade administrativa. Era a posição
consolidada do STJ:
O STJ firmou entendimento de inaplicabilidade da prescrição intercorrente
às ações de improbidade administrativa.
STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp
1872310/PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 05/10/2021.
Esta Corte Superior possui jurisprudência consolidada no sentido
de que não há falar em prescrição intercorrente nas ações de improbidade
administrativa, pois a Lei 8.429/92 somente prevê a existência de prazo
prescricional para o ajuizamento da ação.
STJ. 2ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1860617/MS, Rel. Min.
Mauro Campbell Marques, julgado em 23/11/2020.
Depois da Lei nº 14.230/2021:
passou a existir prescrição intercorrente nas ações de improbidade.
É o que prevê o § 8º do art. 23, da LIA, inserido pela Lei
nº 14.230/2021:
Art. 23 (...) § 8º O juiz ou o tribunal, depois de ouvido o
Ministério Público, deverá, de ofício ou a requerimento da parte interessada,
reconhecer a prescrição intercorrente da pretensão sancionadora e decretá-la de
imediato, caso, entre os marcos interruptivos referidos no § 4º, transcorra o
prazo previsto no § 5º deste artigo.
Isso significa que a ação de improbidade deverá ser definitivamente
julgada dentro de determinado prazo. Caso seja ultrapassado esse prazo, haverá
perda da pretensão punitiva por parte do Estado, ou seja, o autor do ato não
poderá ser punido com as sanções da Lei nº 8.429/92.
Vale registrar a posição
de Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz que sustenta que os novos §§ 4º e 5º do
art. 23 não tratam de prescrição intercorrente, mas sim de “prescrição
interfases”. Conforme argumenta a Professora:
“(...) a prescrição intercorrente
somente se opera quando o processo fica parado por desídia do autor, por um
lapso temporal maior que aquele da prescrição do direito material que se
discute. No caso da ‘nova’ LIA, a prescrição ocorre independentemente do
comportamento do autor da ação, ela ocorre pelo simples decurso do tempo,
apesar de ocorrer no curso da ação.
A atuação diligente do autor, ainda
que presente, resta irrelevante na espécie, pois o que se almeja é que a ação
de improbidade cumpra suas fases no período determinado expressamente pelo
legislador.” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de
Figueiredo; GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel; FAVRETO, Rogério. Comentários à nova
Lei de Improbidade Administrativa. 5ª ed., São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2022, p. 561).
A despeito das respeitáveis ponderações, será aqui empregada a
expressão “prescrição intercorrente”, já consagrada pela maioria da doutrina
que se formou sobre o tema.
O prazo da prescrição intercorrente também é de 8 anos,
com base no caput do art. 23? Para que se reconheça a prescrição “dentro do
processo” é necessário o transcurso do prazo de 8 anos?
Não. O prazo será de 4 anos, com base no § 5º do art. 23.
Esse prazo de 4 anos é analisado em cada um dos marcos
temporais. Se entre um marco e outro se passar mais que 4 anos, terá havido a
prescrição. Todas as vezes que se chega a um novo marco, o prazo prescricional
é interrompido e se inicia do zero.
Quais são esses marcos temporais?
Eles estão previstos no novo § 4º do art. 23 da LIA,
incluído pela Lei nº 14.230/2021, que traz hipóteses de interrupção da
prescrição:
Art. 23 (...)
§ 4º O prazo da prescrição referido no
caput deste artigo interrompe-se:
I - pelo ajuizamento da ação de
improbidade administrativa;
II - pela publicação da sentença
condenatória;
III - pela publicação de decisão ou
acórdão de Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal que confirma
sentença condenatória ou que reforma sentença de improcedência;
IV - pela publicação de decisão ou
acórdão do Superior Tribunal de Justiça que confirma acórdão condenatório ou
que reforma acórdão de improcedência;
V - pela publicação de decisão ou
acórdão do Supremo Tribunal Federal que confirma acórdão condenatório ou que
reforma acórdão de improcedência.
Se você reparar, o legislador utilizou, para as ações de
improbidade, a mesma lógica aplicada para as hipóteses de interrupção da
prescrição na ação penal previstas no art. 117 do Código Penal.
Chamo atenção, contudo, para uma diferença importante. No inciso
I do art. 117 do CP, a prescrição penal se interrompe pelo recebimento da
denúncia ou queixa. No inciso I do § 4º do art. 23 da LIA, a prescrição se
interrompe pelo mero ajuizamento. Não é necessário que haja o recebimento da
Inicial.
Outro ponto extremamente relevante a ser destacado é que, depois
do ajuizamento da ação (primeira causa de interrupção), os demais marcos
interruptivos são sempre decisões condenatórias. Quando se fala em decisão
condenatória, entenda-se: i) aquela que reformou uma decisão absolutória com o
objetivo de condenar o réu; ii) aquela que confirmou uma decisão condenatória
da instância inferior. Assim, se a sentença ou o acórdão forem absolutórios,
esse pronunciamento não servirá para interromper a prescrição. Vale aqui uma
observação de ordem prática: se a sentença julgar improcedente o pedido e
absolver o réu e o Tribunal de segunda instância confirmá-la, mostra-se, em
regra, contraproducente que o Ministério Público ou a pessoa jurídica
interessada recorram. Isso porque é extremamente improvável que o STJ ou o STF
prolate e publique acórdão antes de quatro anos, contados do ajuizamento da
ação. Desse modo, existe uma probabilidade extremamente alta de ocorrer a
prescrição intercorrente antes do Tribunal Superior apreciar o eventual
recurso.
Por fim, outra observação de grande relevância prática: o que
interrompe a prescrição não é a prolação, mas sim a publicação da sentença, da
decisão ou do acórdão. Desse modo, como ocorre com frequência na prática, o
acórdão é prolatado em um dia (data do julgamento), no entanto, a sua
publicação se dá dias ou até semanas depois. Isso pode, a depender do caso
concreto, ser a diferença entre o reconhecimento, ou não, da prescrição.
Com a interrupção, o prazo não se reinicia por inteiro,
mas sim pela metade
Esse é outro ponto que merece extremo cuidado.
No Direito Penal e, como regra geral em todos os demais ramos do
Direito, em caso de interrupção, o prazo é zerado e recomeça a ser contado por
inteiro a partir daquela data.
Na Lei de Improbidade a escolha legislativa foi outra, mais
favorável ao requerido.
A Lei nº 14.230/2021 determinou que, após a interrupção, o
prazo prescricional recomeça do zero, mas agora não será mais de 8 e sim de 4
anos:
Art. 23 (...)
§ 5º Interrompida a prescrição, o prazo
recomeça a correr do dia da interrupção, pela metade do prazo previsto no caput
deste artigo.
A decisão monocrática também pode gerar a interrupção da
prescrição
Importante chamar atenção para o fato de que os incisos III, IV
e V do § 4º do art. 23 da LIA falam em “decisão ou acórdão”.
Assim, a decisão monocrática do Desembargador ou do Ministro
Relator pode ter, em tese, o condão de interromper a prescrição.
Imagine, por exemplo, que o réu interponha recurso especial
contra acórdão do Tribunal de Justiça. O Ministro Relator, no STJ, monocraticamente,
negou provimento ao recurso especial sob o argumento de que ele seria contrário
à jurisprudência dominante acerca do tema (art. 34, XVIII, “b”, do RISTJ). Essa
decisão monocrática, que confirmou o acórdão condenatório, interrompeu a
prescrição, nos termos do art. 23, § 4º, IV, da LIA.
Suponhamos que o réu tenha interposto agravo interno e que a
Turma tenha mantido a decisão monocrática. Acreditamos que há uma nova
interrupção, baseada no art. 23, § 4º, IV, da LIA.
Por outro lado, se a Turma der provimento ao agravo e reformar
a decisão monocrática do Ministro, teremos uma singular hipótese na qual a
interrupção que havia sido promovida perderá efeito. É o que defende, com
acerto, Marçal Justen Filho:
“Anote-se que, usualmente, a decisão
monocrática autoriza a interposição de agravo interno, destinado a obter a
manifestação dos demais integrantes do órgão colegiado. Em tais hipóteses, pode
surgir uma situação peculiar. Suponha-se que seja provido agravo interno contra
decisão monocrática que havia confirmado um provimento condenatório anterior ou
reformado aquele de improcedência. Em tal hipótese, a decisão monocrática tem o
condão de produzir a interrupção da prescrição? A resposta deve ser negativa.
Assim se passa porque o agravo interno propicia a manifestação da vontade da
integralidade dos componentes do órgão julgado. Logo, deve-se reputar que a
decisão monocrática não retrata a vontade do órgão colegiado.” (ob. cit.,
p. 257)
Vejamos agora como funciona, na prática, a contagem do
prazo da prescrição intercorrente:
1) O autor praticou o ato de improbidade.
2) O Ministério Público ou a pessoa jurídica interessada terão o
prazo de 8 anos para ajuizar ação de improbidade. O que interessa é o
ajuizamento da ação, ou seja, a mera protocolização. Não importa, para fins de
prescrição na improbidade, o despacho do juiz nem a citação do réu. Se a ação
foi ajuizada antes de 8 anos, não há prescrição.
3) Qual é o termo inicial do prazo?
a) Se o ato de improbidade for uma
infração instantânea: o prazo prescricional começou a correr na data da
ocorrência do fato.
b) Se o ato de improbidade for uma infração
permanente: o prazo prescricional começou a correr no dia em que cessou a
permanência.
4) Se foi instaurado inquérito civil ou processo administrativo para
apurar os fatos, o prazo prescricional ficará suspenso pelo período máximo de
180 dias. Logo, na prática, teríamos um cenário de 8 anos + 180 dias para a
propositura da ação de improbidade.
5) Com a propositura da ação, ou seja, a sua mera protocolização,
interrompe-se o prazo prescricional.
6) Vale ressaltar, contudo,
que, a partir do ajuizamento, o prazo prescricional muda e passa a ser de 4
anos.
7) Depois do ajuizamento, o Estado-juiz tem um prazo de 4 anos
para prolatar a sentença.
8) Proferida a sentença, deve-se analisar:
8.a) Se a sentença for
absolutória e houve recurso: a prescrição continua correndo sem interrupção.
Isso significa que, entre a data do ajuizamento e o acórdão do TJ ou TRF, não
pode transcorrer mais que 4 anos.
8.b) Se a sentença for condenatória e houve recurso: o prazo
prescricional foi interrompido, ou seja, recomeça a contagem de mais 4 anos.
Isso significa que o TJ ou TRF terá até 4 anos para julgar a apelação.
9) TJ ou TRF julgou a apelação. Deve-se analisar:
9.a) Se o acórdão confirmou sentença condenatória: o prazo
prescricional foi interrompido. Isso significa que, se houver recurso para o
STJ ou STF, o Tribunal Superior terá que julgar o recurso em até 4 anos.
9.b) Se o acórdão reformou a sentença absolutória: o prazo
prescricional também foi interrompido (porque houve condenação). Isso significa
que, se houver recurso para o STJ ou STF, o Tribunal Superior terá que julgar o
recurso em até 4 anos.
9.c) Se o acórdão confirmou a sentença absolutória ou reformou a
sentença condenatória para absolver o réu: o prazo prescricional não foi
interrompido. Isso significa que, se houver recurso para o STJ ou STF, o
Tribunal Superior terá que julgar o recurso no tempo restante contado da
prolação da sentença. Ex: imaginemos que a sentença foi prolatada em
12/12/2021; o acórdão foi proferido em 12/12/2024 (três anos depois); isso
significa que o Tribunal Superior terá apenas 1 ano para julgar o recurso;
chegando o dia 12/12/2025 sem julgamento, terá que ser reconhecida a prescrição
intercorrente.
10) O TJ ou TRF julgou o
recurso. Imaginemos que foram interpostos, simultaneamente, recursos especial e
extraordinário. O recurso especial será apreciado inicialmente. Daí surgem os
seguintes cenários possíveis:
10.a) a decisão do TJ ou TRF foi condenatória e o STJ reformou
para absolver: o acórdão do STJ não interrompeu a prescrição. O STF terá que
julgar o recurso extraordinário eventualmente interposto nos 4 anos restantes
contados do julgamento da apelação pelo TJ ou TRF.
10.b) a decisão do TJ ou TRF foi condenatória e o STJ a manteve:
o acórdão do STJ interrompeu a prescrição. O STF terá que julgar o recurso extraordinário
que já havia sido interposto no prazo de 4 anos contados da publicação do
acórdão do STJ.
10.c) a decisão do TJ ou TRF foi absolutória e o STJ reformou
para condenar: o acórdão do STJ interrompeu a prescrição. O STF terá que julgar
extraordinário eventualmente interposto nos 4 anos restantes contados do
julgamento da publicação do acórdão do STJ.
10.d) a decisão do TJ ou TRF foi absolutória e o STJ a manteve:
o acórdão do STJ não interrompeu a prescrição. O STF terá que julgar o recurso
extraordinário que já havia sido interposto nos 4 anos restantes contados do
julgamento da apelação pelo TJ ou TRF.
Comunicabilidade das causas interruptivas da prescrição
O § 6º do art. 23 da LIA trata da extensão subjetiva dos
efeitos das causas interruptivas da prescrição:
Art. 23 (...) § 6º A suspensão e a
interrupção da prescrição produzem efeitos relativamente a todos os que
concorreram para a prática do ato de improbidade.
Assim, suponhamos que eram três réus, que foram condenados em primeira instância. Dois deles interpuseram recurso. Imaginemos que o Tribunal de segunda instância demorou mais que 4 anos para apreciar a apelação. Isso significa que houve prescrição intercorrente. Essa prescrição aproveitará os três réus, ou seja, aquele requerido que não recorreu também será beneficiado com a prescrição.
O § 7º, por sua vez, dispõe sobre a extensão objetiva dos
efeitos das causas interruptivas:
Art. 23 (...) § 7º Nos atos de improbidade
conexos que sejam objeto do mesmo processo, a suspensão e a interrupção
relativas a qualquer deles estendem-se aos demais.
Trata-se de regra semelhante a que existe para a prescrição no
Direito Penal e que se encontra prevista no § 1º do art. 117 do CP.
Seria possível o ajuizamento de uma “cautelar interruptiva
da prescrição”? Imaginemos, por exemplo, que o inquérito civil já dura anos e
que faltam apenas alguns dias para se atingir o prazo prescricional. O
Ministério Público não concluiu a ação de improbidade. Ele poderá propor uma
ação cautelar apenas para interromper a prescrição?
A Professora Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz responde, com
acerto, que não:
“Ao nosso ver, trata-se de medida que
visa, no fundo, ‘ganhar tempo’ para o ajuizamento da verdadeira demanda, o que
pode, de certa forma, inclusive, caracterizar má-fé processual, por total
ausência de respaldo legal, isso porque, se a pretensão maior da ação de improbidade
administrativa é a punição pela prática dos atos de improbidade, não se pode
fazer uso de medidas que não guardam qualquer previsão na legislação
específica.
Poder-se-ia até pensar na sua
validade, exclusivamente para o caso da ação de ressarcimento, por ter natureza
patrimonial, mas nunca, jamais, para os pedidos de natureza sancionatória em
geral, como é o caso das demais apenações da ação de improbidade.” (ob.
cit., p. 563).
No mesmo sentido é a posição de Rodrigo de Bittencourt
Mudrovitsch e Guilherme Pupe da Nóbrega (Lei de Improbidade Administrativa
Comentada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022, p. 375-380).
Prescrição virtual
Com a introdução da prescrição intercorrente nas ações de
improbidade administrativa, mais cedo ou mais tarde surgirá um debate a
respeito da possibilidade de se reconhecer a prescrição virtual.
A prescrição
virtual, também chamada de prescrição “em perspectiva”, “por prognose”,
“projetada” ou “antecipada”, ocorre quando o magistrado,
verificando que já se passaram muitos anos desde o dia em que o prazo
prescricional começou ou voltou a correr, entende que mesmo que o processo
continue, ele não terá utilidade, porque muito provavelmente haverá a
prescrição.
Tomemos o seguinte exemplo: o Ministério Público ajuíza ação de
improbidade administrativa contra o agente público. O réu requer a oitiva de
uma testemunha que mora em outro país. Além disso, requer a produção de uma
prova pericial. O juiz indefere ambas as provas argumentando que elas seriam
desnecessárias ao deslinde da causa e, portanto, meramente protelatórias. Após
o prosseguimento do feito, o magistrado profere sentença julgando procedentes
os pedidos formulados na ação de improbidade e condenando o réu.
O condenado interpõe apelação alegando, dentre outros argumentos, que
houve cerceamento de defesa em razão do indeferimento da produção de provas. O
Tribunal dá provimento ao recurso do réu e determina a anulação da sentença e realização
de nova instrução probatória com o deferimento das diligências requeridas pela
defesa.
O juiz recebe a decisão do Tribunal de Justiça e verifica que, entre a
data do ajuizamento da ação de improbidade e o dia atual, já se passaram 3 anos
e 6 meses. Como a sentença condenatória foi anulada, não teve o condão de
interromper a prescrição. Logo, restam apenas 6 meses para que o magistrado expeça
a carta de ordem para ouvir a testemunha e determine a realização da perícia. Após
isso, ainda irá ouvir as partes e prolatar a sentença.
Pelas regras de experiência, ele constata que isso será impossível de
ser feito em 6 meses e que, portanto, durante o processo certamente terá que
reconhecer a prescrição intercorrente.
Diante desse cenário, o juiz poderia simplesmente reconhecer a
“prescrição virtual” e extinguir o processo sem resolução do mérito pela perda
superveniente do interesse de agir?
Pensamos que a resposta dada pela jurisprudência será negativa. A
prescrição virtual é rechaçada no direito penal, conforme entendimento sumulado
do Superior Tribunal de Justiça:
Súmula 438-STJ: É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal.
O STF e o STJ afirmam que é inadmissível a prescrição virtual por dois
motivos principais: a) em virtude da ausência de previsão legal; b) porque
representaria uma afronta ao princípio da presunção de não-culpabilidade.
Esses dois argumentos podem ser transportados para o âmbito das ações de
improbidade, razão pela qual parece que aqui também é caso de ser vedada a sua
prática.
Imprescritibilidade do ressarcimento nas ações de
improbidade administrativa
Uma das consequências
decorrentes da prática do ato de improbidade administrativa é a obrigação de
ressarcir integralmente o dano causado. Essa pretensão, contudo, é
imprescritível. O fundamento para isso está na parte final do § 5º do
art. 37 da CF/88:
Art. 37 (...)
§ 4º - Os atos de improbidade
administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função
pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e
gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
§ 5º
A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por
qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
Apesar da
redação do § 5º do art. 37, muitas vozes se levantavam contra a tese da
imprescritibilidade. Argumentavam que a intenção do Poder Constituinte não foi
a de fixar a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário.
Segundo
essa tese, a correta interpretação dos §§ 4º e 5º do art. 37 deveria ser a
seguinte:
• o
constituinte deu um comando ao legislador infraconstitucional: faça uma lei
prevendo atos de improbidade administrativa (§ 4º).
• as
sanções para os atos de improbidade são a suspensão dos direitos políticos, a
perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao
erário (§ 4º);
• a lei
deverá prever prazos prescricionais para a imposição dessas sanções (§ 5º);
• enquanto
não houver lei prevendo quais são os atos de improbidade administrativa, não
poderão ser ajuizadas ações de improbidade administrativa pedindo a aplicação
das sanções previstas no § 4º;
• ficam ressalvadas dessa proibição as ações de ressarcimento (parte final do § 5º), ou seja, mesmo sem lei expressa, as ações de ressarcimento já poderiam ser propostas.
Desse
modo, para essa tese, o que a parte final do § 5º quis dizer foi unicamente
que, mesmo sem Lei de Improbidade Administrativa, poderiam ser ajuizadas ações
pedindo o ressarcimento ao erário. Isso porque o § 5º deve ser interpretado em
conjunto com o § 4º. Como reforço a esse argumento, alegaram que a Lei de
Improbidade somente foi editada em 1992 (Lei nº 8.429/92). Logo, o objetivo do
constituinte foi o de evitar que se alegasse que o ressarcimento ao erário
somente poderia ser exigido com a edição de lei.
Por fim,
argumentavam que a Constituição Federal, quando quis, determinou a
imprescritibilidade de forma expressa. Ex: art. 5º, XLII (racismo) e XLIV (ação de grupos armados, civis ou militares, contra
a ordem constitucional e o Estado Democrático).
O que o STF entendeu a respeito?
Para a
Corte, a pretensão de ressarcimento decorrente de ato doloso de improbidade é
realmente imprescritível.
A
prescrição é um instituto pensado para garantir a estabilização das relações
sociais, sendo, portanto, uma expressão do princípio da segurança jurídica, que
faz parte da estrutura do Estado de Direito.
Prescrição
→ estabilização das relações sociais → segurança jurídica → Estado de Direito
Justamente
por isso, a regra geral no ordenamento jurídico é a de que as pretensões devem
ser exercidas dentro de um marco temporal limitado. Em outras palavras, a regra
geral é que exista prescrição.
Há, no
entanto, algumas exceções explícitas no texto constitucional, nas quais se
reconhece a imprescritibilidade em determinadas situações. É o caso, por
exemplo, dos crimes de racismo (art. 5º, XLII, CF/88) e da ação de grupos
armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático
(art. 5º, XLIV).
O art. 37, § 5º da CF/88 é uma dessas exceções.
Vamos relembrar a redação do art. 37, § 5º:
Art. 37 (...) § 5º A lei estabelecerá
os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor
ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas
as respectivas ações de ressarcimento.
Em sua
primeira parte, o dispositivo prevê que:
- a lei
deverá estabelecer os prazos de prescrição para ilícitos
-
praticados por qualquer pessoa (servidor ou não)
- que gerem prejuízo ao erário.
Na segunda
parte, o constituinte disse o seguinte: não se aplica o que eu falei antes para
as ações de ressarcimento. O que isso quer dizer? Que a lei não poderá
estabelecer prazos de prescrição para tais ações, sendo elas, portanto, imprescritíveis.
Assim, o
texto constitucional é expresso ao prever a ressalva da imprescritibilidade da
ação de ressarcimento ao erário.
Imprescritibilidade
não vale para ressarcimento decorrente de outros ilícitos civis
O § 5º do
art. 37 da CF/88 deve ser lido em conjunto com o § 4º, de forma que ele se
refere apenas aos casos de improbidade administrativa.
Se fosse
realizada uma interpretação ampla da ressalva final contida no § 5º, isso faria
com que toda e qualquer ação de ressarcimento movida pela Fazenda Pública fosse
imprescritível, o que seria desproporcional.
A
prescrição é um instituto importante para se garantir a segurança e
estabilidade das relações jurídicas e da convivência social. É uma forma de se
assegurar a ordem e a paz na sociedade.
Desse
modo, a ressalva contida na parte final do § 5º do art. 37 da CF/88 deve ser
interpretada de forma estrita e não se aplica para danos causados ao Poder
Público por força de ilícitos civis.
Foi como
decidiu o STF ainda em 2016:
É prescritível
a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil.
Dito de
outro modo, se o Poder Público sofreu um dano ao erário decorrente de um
ilícito civil e deseja ser ressarcido, ele deverá ajuizar a ação no prazo
prescricional previsto em lei.
STF. Plenário. RE 669069/MG, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em
03/02/2016 (repercussão geral).
Ex: João
dirigia seu carro quando, por imprudência, acabou batendo no carro de um órgão
público estadual em serviço. Ficou provado, por meio da perícia, que o
particular foi o culpado pelo acidente. O órgão público consertou o veículo,
tendo isso custado R$ 10 mil. Sete anos depois do acidente, o Estado ajuizou
ação de indenização contra João cobrando os R$ 10 mil gastos com o conserto do automóvel.
A defesa de João alegou que houve prescrição. A alegação da defesa está
correta. Isso porque o prejuízo ao erário não decorreu de um ato de improbidade
administrativa, mas foi decorrente de um ilícito civil. Logo, incide prazo
prescricional neste caso.
Na época,
o STF afirmou que a imprescritibilidade somente se aplicaria para atos de
improbidade praticados com dolo
Em 2018, ao julgar o tema, o STF
entendeu que as ações de ressarcimento ao erário envolvendo atos de improbidade
administrativa são imprescritíveis. No entanto, o Tribunal fez uma “exigência”
a mais que não está explícita no art. 37, § 5º da CF/88.
O Supremo afirmou que somente são
imprescritíveis as ações de ressarcimento envolvendo atos de improbidade
administrativa praticados dolosamente.
Assim, se o ato de
improbidade administrativa causou prejuízo ao erário, mas foi praticado com culpa,
então, neste caso, a ação de ressarcimento seria prescritível e deveria ser
proposta no prazo do art. 23 da LIA.
Confira a tese fixada:
São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas
na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.
STF. Plenário. RE 852475/SP, Rel. orig. Min. Alexandre de
Moraes, Rel. para acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 08/08/2018 (Repercussão
Geral – Tema 897) (Info 910).
Ocorre que a Lei nº 14.230/2021 acabou
com os atos de improbidade culposos. Atualmente, só existem atos de improbidade
se eles forem praticados com dolo.
Diante disso, podemos afirmar que as ações de ressarcimento
ao erário fundadas na prática de ato tipificado na Lei de Improbidade
Administrativa são sempre imprescritíveis. Essa é também a posição de Daniel
Amorim Assumpção Neves e Rafael Carvalho Rezende Oliveira:
“De
qualquer forma, em razão do silêncio da LIA e da extinção da modalidade culposa
de improbidade, a partir do entendimento apresentado tradicionalmente pela
Suprema Corte, é possível concluir pela imprescritibilidade do ressarcimento ao
erário a partir da reforma introduzida pela Lei 14.230/2021, em razão da
prática de qualquer ato de improbidade administrativa que deve ser,
necessariamente, doloso.” (Comentários à Reforma da Lei de Improbidade
Administrativa. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 132).
Os prazos prescricionais previstos na Lei nº 14.230/2021 retroagem?
NÃO.
Os prazos prescricionais previstos
na Lei nº 14.230/2021 não retroagem, sendo aplicáveis a partir da publicação do
novo texto legal (26/10/2021).
STF.
Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022
(Repercussão Geral – Tema 1.199) (Info 1065).
Isso se dá em respeito ao ato
jurídico perfeito e em observância aos princípios da segurança jurídica, do
acesso à Justiça e da proteção da confiança, garantindo-se a plena eficácia dos
atos praticados validamente antes da alteração legislativa.
Com efeito, a inércia nunca
poderá ser caracterizada por uma lei futura que, diminuindo os prazos
prescricionais, passe a exigir o impossível, isto é, que, retroativamente, o
poder público — que foi diligente e atuou dentro dos prazos à época existentes
— cumpra algo até então inexistente.
Por outro lado, a teor do que
decidido pela Corte no Tema 897 de repercussão geral, permanecem
imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato
doloso tipificado na LIA.
TESES FIXADAS PELO STF
1) É necessária a comprovação de
responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade
administrativa, exigindo-se — nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA — a presença do
elemento subjetivo — DOLO;
2) A norma benéfica da Lei
14.230/2021 — revogação da modalidade culposa do ato de improbidade
administrativa —, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da
Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa
julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus
incidentes;
3) A nova Lei
14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos
praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação
transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior;
devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;
4) O novo regime prescricional
previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos
temporais a partir da publicação da lei.
STF.
Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022
(Repercussão Geral – Tema 1.199) (Info 1065).