Imagine a seguinte situação adaptada:
Braun Passagens e Turismo Ltda é uma
agência de turismo que atua no mercado há mais de 30 anos, sendo uma das
principais da região, destacando-se, especialmente, pelos pacotes turísticos à
Disney.
Para resguardar os seus direitos, a
empresa registrou a propriedade intelectual da marca Braun no INPI.
Quando se pesquisa no Google a
palavras Braun Turismo, facilmente se localiza o link que remete ao site da
empresa, estando escrito “a número 1 em Disney”.
A Braun teve ciência de que outra
agência de turismo (XYZ) havia vinculado os seus serviços de viagem e turismo à
expressão Braun para divulgá-los, de modo que, ao se pesquisar Braun Turismo no
Google, aparecerá em primeiro lugar o link dessa agência concorrente.
Desse modo, mesmo que se digitasse o
nome da empresa e a sua atividade (Braun Turismo), o primeiro link que aparecia
era o da agência XYZ.
A agência XYZ fez isso por meio de uma
ferramenta de publicidade do Google, de links patrocinados. Paga-se um valor
para o Google com o objetivo de que o link da empresa contratante apareça em
destaque caso se digite determinadas palavras ou frases. No caso, a agência XYZ
pagou ao Google para o link do seu site aparecer em destaque caso o usuário
digite Braun Turismo.
Ação questionando essa prática
A Braun ajuizou ação de obrigação de
não fazer contra a XYZ argumentando que a prática da ré configura concorrência
desleal, que teria como objetivo a captação ilícita de clientes, induzindo os
consumidores em erro.
Assim, a Braun pediu que a empresa ré
fosse condenada a abster-se de utilizar a marca da autora, além de ter que
pagar indenização por danos morais.
Em primeira instância, o juiz julgou o
pedido procedente e determinou que a ré não mais poderia utilizar a marca da
autora para a divulgação dos seus serviços. Além disso, condenou a requerida ao
pagamento de indenização de R$ 15 mil.
O TJ/SP manteve a condenação.
A requerida, inconformada, interpôs
recurso especial argumentando que se utilizou de link patrocinado no Google, o
que é uma ferramenta de publicidade lícita. O nome da empresa Braun é utilizado
apenas internamente pelo algoritmo e, portanto, nem aparece na página da
agência XYZ, de forma que o consumidor não é induzido em erro.
O STJ manteve a condenação? Configura
concorrência desleal a conduta de um anunciante na internet de utilizar a marca
registrada de um concorrente como palavra-chave em link patrocinado para obter
posição privilegiada em resultados de buscas, direcionando os usuários daqueles
produtos e serviços para o seu próprio site?
SIM.
A livre iniciativa e a livre
concorrência são protegidas no art. 170 da Constituição Federal.
Desse modo, o ordenamento
jurídico favorece disputas leais de mercado. Por outro lado, também se censura
práticas ilegítimas de obtenção de vantagem.
A concorrência será considerada desleal
sempre que se verificar a utilização de esforços que se distanciam da ética e
perseguem o desvio de clientela e empobrecimento do concorrente.
A Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96) tipifica
condutas que configuram concorrência desleal. Veja as seguintes:
Art. 195. Comete crime de
concorrência desleal quem:
(...)
III - emprega meio fraudulento,
para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;
IV - usa expressão ou sinal de
propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou
estabelecimentos;
V - usa, indevidamente, nome
comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou
oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências.
No caso, tem-se a discussão de
concorrência desleal em ambiente virtual, especificamente no âmbito da
internet.
Com efeito, o desenvolvimento
tecnológico concebeu situações até então desconsideradas pelo ordenamento
jurídico, mas que demandariam tutela jurídica.
A internet maximiza a
visibilidade da oferta e circulação de produtos e serviços, propiciando aos
players o alcance de mercados até então de difícil ou impossível ingresso.
Em virtude da evolução da
internet, o comércio eletrônico (e-commerce) apresenta-se como forma
interessante de desenvolvimento da atividade empresarial, propiciando o advento
de novos modelos de negócio e a expansão da livre concorrência.
Nesse rumo, ao mesmo tempo em que
a concorrência é favorecida, impõe-se a cada um dos atuantes do mercado empenho
maior para que se destaque dos demais. Assim, para suprir essa demanda, novos
expedientes de visibilidade são desenvolvidos e oferecidos pelos provedores de
pesquisa da Internet.
As empresas que atuam no
e-commerce preocupam-se com o formato e funcionalidade de seus endereços
virtuais e, cada vez mais, empregam esforços para que seus sites apareçam em
posição de destaque nos resultados das buscas na Internet. Agem desta maneira
visando atrair o maior número possível de visitantes, potenciais clientes.
O principal instrumento utilizado
pelo comércio eletrônico é oferecido pelos provedores de pesquisa, como o
Google, com os links patrocinados.
O Google coloca à venda
palavras-chave, que quando utilizadas pelo usuário na busca, acarretarão o
aparecimento, com destaque e precedência, do conteúdo pretendido pelo
anunciante.
A esse mecanismo oferecido pelos
provedores de busca para dar publicidade aos produtos e serviços dá-se o nome
de links patrocinados (keyword advertising). Assim, terão prevalência no
rol de resultados de determinada busca, o anúncio, empresa ou marca daquele
anunciante que se dispôs a pagar o maior valor pela posição destacada da
palavra-chave.
Embora seja lícito o expediente
dos links patrocinados nos sites de busca, a inexistência de parâmetros ou
mesmo proibições referentes às palavras-chaves que acionem a publicidade,
escolhidas pelos anunciantes, podem gerar conflitos relacionados à propriedade
intelectual.
É que algumas empresas, ao
contratarem links patrocinados, elegem como tal marcas ou nomes empresariais de
concorrentes, usualmente empresas consagradas em seus respectivos ramos de
atuação.
Diante deste cenário, a utilização, por terceiros, de marcas
registradas, como palavras-chave em links patrocinados, com indiscutível desvio
de clientela, caracteriza ato de concorrência desleal.
A utilização da marca de um
concorrente como palavra-chave para direcionar o consumidor do produto ou
serviço para o link do concorrente usurpador, é capaz de causar confusão quanto
aos produtos oferecidos ou a atividade exercida pelos concorrentes.
A deslealdade, aqui, está na
forma de captação de clientela, por recurso ardil, sem a dispensa de
investimentos condizentes.
Essa prática desleal conduz a
processo de diluição da marca no mercado, que perde posição de destaque e
prejuízo à função publicitária, pela redução da visibilidade.
Além da flagrante utilização
indevida de nome empresarial e marca alheia, a utilização de links
patrocinados, na forma como engendrada pela empresa ré, é conduta reprimida
pelo art. 195, III e V, da Lei da Propriedade Industrial e pelo artigo 10 bis,
da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial.
A propriedade da marca adquire-se
pelo registro validamente expedido, sendo assegurado ao titular seu uso
exclusivo em toda a abrangência do território nacional, conforme dispõe o art.
129 da Lei nº 9.279/96, sendo certo que “abrange o uso da marca em papéis,
impressos, propaganda e documentos relativos à atividade do titular”, também
nos termos do art. 131 da mesma lei.
Nesse rumo de ideias, é certo que
o estímulo à livre iniciativa, dentro ou fora da rede mundial de computadores,
deve conhecer limites, sendo inconcebível reconhecer lícita conduta que cause
confusão ou associação proposital à marca de terceiro atuante no mesmo nicho de
mercado.
Em suma:
STJ. 4ª
Turma. REsp 1.937.989-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 23/08/2022 (Info
747).
DOD Plus –
julgado correlato
É possível, com fundamento
no art. 22 do MCI, a requisição de fornecimento dos nomes ou domínios das
empresas que patrocinam links na ferramenta “Google Ads” relacionados à
determinada expressão?
Tendo e vista a obrigação legal de guarda de registros de
conexão e de acesso a aplicações de internet, é possível, desde que preenchidos
os requisitos legais, impor aos provedores o dever de fornecer os nomes ou
domínios das sociedades empresárias que patrocinam links na ferramenta “Google
Ads” relacionados à determinada expressão utilizada de forma isolada ou
conjunta, pois tal medida representa mero desdobramento daquelas obrigações.
O provedor de internet deve manter armazenados os registros
relativos a patrocínio de links em serviços de busca pelo período de 6 (seis)
meses contados do fim do patrocínio e não da data da contratação.
STJ. 3ª Turma. REsp 1961480-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 07/12/2021 (Info 721).