quarta-feira, 2 de novembro de 2022
A mesma autoridade que ofereceu denúncia criminal contra o suspeito pode atuar como julgadora no processo administrativo que apura o mesmo fato?
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João é membro do Ministério
Público estadual.
Surgiram indícios de que ele
teria feito uso de documento falso.
Diante disso, foi aberto processo
administrativo disciplinar para apurar esse fato.
Além disso, o Procurador-Geral de
Justiça – chamado Marcelo – ofereceu denúncia contra João imputando-lhe o crime
do art. 304 do Código Penal. A denúncia foi recebida e ele passou a responder a
esse processo criminal.
Algum tempo depois, chegou ao fim
o processo administrativo e o relatório da comissão processante recomendou a
aplicação da suspensão como punição disciplinar.
O PGJ (Marcelo) acolheu as
conclusão das comissão processante e aplicou, contra João, a pena de suspensão
por 60 dias.
Mandado de segurança
João impetrou mandado de
segurança contra essa decisão administrativa do PGJ.
O impetrante alegou que o PGJ,
mesmo antes do relatório da comissão processante ficar pronto, já tinha
convencimento formado no sentido de que ele (João) seria culpado. Isso porque
Marcelo foi quem assinou a denúncia criminal. Logo, Marcelo – que atuou no
papel de acusador – deveria se dar por suspeito no âmbito administrativo, considerando
que ali exercia a posição de julgador.
O STJ concordou com a
argumentação de João? Marcelo (PGJ) era suspeito para julgar o processo
administrativo?
NÃO.
As condutas de oferecimento da
denúncia e de julgamento do processo administrativo fazem parte do estrito
cumprimento do dever legal do Procurador -Geral de Justiça e estão de acordo
com os respectivos preceitos legais.
Assim, o fato de ter sido
oferecida a denúncia, por si só, não permite concluir que haja um
pré-julgamento do processo administrativo.
Além de ser competência
específica do Procurador-Geral de Justiça o oferecimento de denúncia em casos
que envolvem os membros do órgão ministerial, há a indispensabilidade de se
seguir o princípio da obrigatoriedade, pelo qual não existe uma faculdade de
apresentar ou não a denúncia quando presentes os elementos legais para
prosseguir com a persecução penal. Portanto, o oferecimento da denúncia decorre
de atribuição inerente à ocupação do cargo de Procurador-Geral de Justiça.
Logo, fica afastada a alegação de
imparcialidade já que a autoridade impetrada simplesmente agiu no legítimo
cumprimento das atribuições do cargo.
Em suma:
O oferecimento de denúncia criminal por autoridade
que, em razão de suas atribuições legais, seja obrigada a fazê-lo não a
inabilita, só por isso, a desempenhar suas funções como autoridade julgadora no
processo administrativo.
STJ. 1ª Turma. RMS 54.717-SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em
09/08/2022 (Info 744).