Dizer o Direito

domingo, 13 de novembro de 2022

A isenção prevista em favor da Fazenda Pública no art. 39 da Lei 6.830/80 não pode ser estendida às despesas com o deslocamento dos oficiais de justiça para a prática do ato citatório

 

DESPESAS PROCESSUAIS

Conceito

Despesas processuais são todos os gastos necessários que têm que ser realizados pelos participantes no processo para que este se instaure, desenvolva e chegue ao final.

 

Espécies de despesas processuais

Segundo Leonardo da Cunha, a expressão “despesas processuais” é o gênero, abrangendo três espécies:

DESPESAS PROCESSUAIS

a) CUSTAS

b) EMOLUMENTOS

c) DESPESAS EM SENTIDO ESTRITO

Taxa paga como forma de contraprestação pelo serviço jurisdicional que é prestado pelo Estado-juiz.

Taxa paga pelo usuário do serviço como contraprestação pelos atos praticados pela serventia (“cartório”) não estatizada (as serventias não estatizadas não são remuneradas pelos cofres públicos, mas sim pelas partes).

Valor pago para remunerar profissionais que são convocados pela Justiça para auxiliar nas atividades inerentes à prestação jurisdicional.

Exs: honorários do perito, despesas com o transporte do Oficial de justiça prestado por terceiros (empresa de ônibus, Uber etc.).

 

Pagamento das despesas processuais

Regra geral:

Em regra, cabe às partes prover (custear) as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando o pagamento do valor devido. Se, ao final do processo, a parte que antecipou o pagamento for vencedora, ela será ressarcida das despesas pela parte vencida:

Art. 82. Salvo as disposições concernentes à gratuidade da justiça, incumbe às partes prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pagamento, desde o início até a sentença final ou, na execução, até a plena satisfação do direito reconhecido no título.

§ 1º Incumbe ao autor adiantar as despesas relativas a ato cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do Ministério Público, quando sua intervenção ocorrer como fiscal da ordem jurídica.

§ 2º A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou.

 

Fazenda Pública e despesas processuais (em sentido amplo):

Confira o que dizem o art. 91 do CPC e o art. 39 da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/80):

Art. 91. As despesas dos atos processuais praticados a requerimento da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública serão pagas ao final pelo vencido.

 

Art. 39. A Fazenda Pública não está sujeita ao pagamento de custas e emolumentos. A prática dos atos judiciais de seu interesse independerá de preparo ou de prévio depósito.

Parágrafo único. Se vencida, a Fazenda Pública ressarcirá o valor das despesas feitas pela parte contrária.

 

A partir da intepretação desses dispositivos, pode-se chegar a duas conclusões:

FAZENDA PÚBLICA E DESPESAS PROCESSUAIS EM SENTIDO AMPLO

CUSTAS E EMOLUMENTOS:

DESPESAS PROCESSUAIS EM SENTIDO ESTRITO:

A Fazenda Pública deve fazer o ressarcimento dessas despesas, ao final, se for vencida.

A Fazenda Pública deve adiantar o pagamento dessas despesas.

“A Fazenda Pública somente irá efetuar o dispêndio da importância concernente a custas e emolumentos, na eventualidade de quedar vencida ou derrotada na demanda. (...) Nesse caso, a Fazenda Pública não vai arcar com o pagamento das custas, pois estaria a pagar a si própria, caracterizando a confusão como causa de extinção das obrigações. Na realidade, a Fazenda Pública, em sendo vencida, irá reembolsar ou restituir ao seu adversário, que é a parte vencedora, o quantum por ele gasto com as custas e emolumentos judiciais” (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 15ª ed., São Paulo: GEN/Forense, 2018, p. 188-189).

 

Vale ressaltar que, tecnicamente, o mais adequado não seria falar em isenção, mas apenas em diferimento:

A Fazenda Pública não é isenta do pagamento de emolumentos cartorários, havendo, apenas, o diferimento deste para o final do processo, quando deverá ser suportado pelo vencido.

STJ. 1ª Turma. AgRg no REsp 1276844-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 5/2/2013 (Info 516).

As despesas em sentido estrito (exs: honorários do perito, transporte do Oficial de justiça) não estão abrangidas pelo art. 91 do CPC/2015. Em outras palavras, as despesas em sentido estrito devem ser adiantadas pela Fazenda Pública (e não pagas apenas ao final). Nesse sentido:

 

Súmula 190-STJ: Na execução fiscal, processada perante a Justiça Estadual, cumpre à Fazenda Pública antecipar o numerário destinado ao custeio das despesas com o transporte dos oficiais de justiça.

 

Súmula 232-STJ: A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito.

 

As despesas em sentido estrito não podem ser isentas ou deixadas para serem pagas ao final porque elas constituem remuneração devida a particulares que não integram o Poder Judiciário, não podendo ser dispensadas, sob pena de violação ao direito de propriedade.

 

DESPESAS COM O ATO DE CITAÇÃO POSTAL: APLICA-SE O ART. 39 DA LEF

Imagine a seguinte situação hipotética:

O Município de Andradina (SP) ajuizou execução fiscal contra João.

O juiz proferiu decisão afirmando que só iria expedir a carta de citação do devedor se o exequente pagasse antecipadamente as custas postais. Em outras palavras, o magistrado condicionou a expedição da carta citatória ao prévio recolhimento de custas postais.

O Município interpôs agravo de instrumento alegando que a exigência é indevida considerando que as despesas com a citação estão dentro do conceito de custas e, portanto, o art. 39 da Lei nº 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal) dispensa o adiantamento de seu pagamento, devendo haver o recolhimento apenas ao final, se a Fazenda for vencida.

 

A questão chegou até o STJ. A tese do Município foi acolhida?

SIM.  A Fazenda Pública exequente, no âmbito das execuções fiscais, está dispensada de adiantar o pagamento das custas relativas ao ato de citação. Esse valor só será recolhido ao final do processo, se a Fazenda Pública ficar vencida.

Como vimos, o fundamento para isso está no art. 39 da Lei nº 6.830/80:

Art. 39. A Fazenda Pública não está sujeita ao pagamento de custas e emolumentos. A prática dos atos judiciais de seu interesse independerá de preparo ou de prévio depósito.

Parágrafo único. Se vencida, a Fazenda Pública ressarcirá o valor das despesas feitas pela parte contrária.

 

O CPC/2015 trouxe regra no mesmo sentido:

Art. 91. As despesas dos atos processuais praticados a requerimento da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública serão pagas ao final pelo vencido.

 

Conforme vimos, no caso das custas e dos emolumentos, a Fazenda Pública está dispensada de promover o adiantamento de numerário, enquanto, na hipótese de despesas, o ente público deve efetuar o pagamento de forma antecipada.

 

Natureza dos valores gastos com a citação

Os valores despendidos para realização do ato citatório são classificados como custas e, portanto, devem ser pagos ao final, apenas se a Fazenda for vencida: “citação postal constitui-se ato processual cujo valor está abrangido nas custas processuais, e não se confunde com despesas processuais, as quais se referem ao custeio de atos não abrangidos pela atividade cartorial, como é o caso dos honorários de perito e diligências promovidas por Oficial de Justiça” (REsp 443.678/RS, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJ 07/10/2002).

Conclui-se, dessa forma, que as despesas com a citação postal estão compreendidas no conceito de “custas processuais”, referidas estas como “atos judiciais de seu interesse [do exequente]” pelo art. 39 da Lei nº 6.830/80, e “despesas dos atos processuais” pelo art. 91 do CPC.

Desse modo, não é exigível que a Fazenda exequente adiante o pagamento das custas com a citação postal do devedor na execução fiscal, devendo fazê-lo apenas ao fim do processo, acaso vencida.

 

Tese fixada pelo STJ:

A teor do art. 39 da Lei nº 6.830/80, a Fazenda Pública exequente, no âmbito das execuções fiscais, está dispensada de promover o adiantamento de custas relativas ao ato citatório, devendo recolher o respectivo valor somente ao final da demanda, acaso resulte vencida.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.858.965-SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 22/09/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 1054) (Info 710).

 

DESPESAS COM O ATO DE CITAÇÃO POSTAL: APLICA-SE O ART. 39 DA LEF

Imagine agora outra situação hipotética:

O Estado da Paraíba ingressou com execução contra João.

O juiz disse que a citação do executado não poderia ser por vista postal, devendo ser realizada por oficial de justiça por força do art. 829, § 1º, do CPC:

Art. 829. O executado será citado para pagar a dívida no prazo de 3 (três) dias, contado da citação.

§ 1º Do mandado de citação constarão, também, a ordem de penhora e a avaliação a serem cumpridas pelo oficial de justiça tão logo verificado o não pagamento no prazo assinalado, de tudo lavrando-se auto, com intimação do executado.

(...)

 

O magistrado intimou o exequente para efetuar o recolhimento (pagamento) das despesas necessárias para o deslocamento do oficial de justiça para a prática do ato citatório.

O Estado se insurgiu contra essa determinação alegando que a Fazenda Pública estaria isenta do pagamento dessas despesas por força do art. 39 da Lei nº 6.830/80:

Art. 39. A Fazenda Pública não está sujeita ao pagamento de custas e emolumentos. A prática dos atos judiciais de seu interesse independerá de preparo ou de prévio depósito.

Parágrafo único. Se vencida, a Fazenda Pública ressarcirá o valor das despesas feitas pela parte contrária.

 

O Estado argumentou, ainda, que a determinação do juiz violou o que o STJ decidiu no Tema 1054 (REsp 1.858.965-SP), acima explicado.

 

O STJ concordou com esses argumentos?

NÃO.

 

A diretriz jurisprudencial firmada no âmbito do REsp 1.858.965/SP (Tema 1054), julgado sob o rito dos recursos repetitivos, somente tem incidência em demandas nas quais a citação se realizou na modalidade postal, situação que não se amolda ao caso, o qual trata do recolhimento prévio da diligência destinada aos oficiais de justiça.

As despesas com a citação postal estão compreendidas no conceito de “custas processuais”, referidas estas como “atos judiciais de seu interesse [do exequente]” pelo art. 39 da Lei nº 6.830/80, e “despesas dos atos processuais” pelo art. 91 do CPC/2015. A previsão do vigente Código de Processo Civil, acerca da desnecessidade de adiantamento das despesas processuais pelo ente público, veio referendar o que já dizia este estatuto específico das execuções fiscais. Assim, à luz desses dispositivos legais, tem-se que a fazenda pública exequente não está obrigada, no âmbito das execuções fiscais, a promover o adiantamento das custas relativas às despesas postais referentes ao ato citatório (REsp 443.678/RS, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJe 07/10/2002).

Todavia, as despesas com o deslocamento dos oficiais de justiça não configuram custas ou emolumentos. Sua natureza jurídica é de “remuneração de terceiras pessoas acionadas pelo aparelho jurisprudencial” (REsp 1.036.656/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, DJe 06/04/2009), motivo pelo qual não estão abrangidas pela isenção de que trata o art. 39 da Lei nº 6.830/80, estando a Fazenda Pública obrigada a realizar o depósito prévio da quantia correspondente.



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