Dizer o Direito

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

A Defensoria tem legitimidade para propor ACP pedindo para que o poder público disponibilize recursos técnicos para auxiliar os pequenos agricultores a inscreverem seus imóveis no CAR

 

Cadastro Ambiental Rural — CAR

O Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) criou algo muito importante chamado de Cadastro Ambiental Rural — CAR. Em que consiste?

• O CAR é um registro público eletrônico de âmbito nacional,

• no qual todos os imóveis rurais devem estar inscritos,

• com a finalidade de reunir, em um só local, as informações ambientais das propriedades e posses rurais,

• formando uma base de dados que servirá para controle, monitoramento, planejamento e combate ao desmatamento.

 

De quem é o dever de inscrever o imóvel no CAR?

É um dever dos proprietários e possuidores rurais. Para isso, deverão apresentar uma lista de documentos previstos em Decreto.

A inscrição no CAR é obrigatória e por prazo indeterminado para todas as propriedades e posses rurais (§ 3º do art. 29 da Lei nº 12.651/2012).

Vale ressaltar que o cadastramento no CAR não é considerado título para fins de reconhecimento do direito de propriedade ou posse. Em outras palavras, não é porque a pessoa registrou o imóvel rural no CAR que significa que ela tem direito de propriedade. Ao contrário do registro de imóveis, o CAR não serve para constituir domínio, ou seja, não se adquire propriedade porque houve inscrição no CAR.

Sem o CAR, o proprietário rural não consegue ter acesso ao crédito rural oficial.

 

Feitos esses esclarecimentos, vejamos a situação concreta analisada pelo STJ:

A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul propôs ação civil pública contra o Município de Ibirapuitã (RS) e o Estado do Rio Grande do Sul pedindo para que os réus fossem condenados a disponibilizar servidores e recursos técnicos para auxiliar os pequenos agricultores da região a inscreverem seus imóveis no CAR, a fim de que eles possam estar regularizados e para terem acesso ao crédito rural oficial.

Em 1ª instância, o juiz indeferiu a inicial por ilegitimidade da Defensoria Pública para a postulação de serviços públicos atípicos e a implementação de políticas públicas afirmativas.

A Defensoria Pública apelou da sentença, mas o TJ/RS negou provimento ao recurso.

Ainda inconformada, a DPE interpôs recurso especial.

 

O STJ deu provimento ao recurso da Defensoria Pública? Foi reconhecida a sua legitimidade?

SIM.

Conforme explicado acima, a Defensoria Pública ajuizou ação civil pública para tutelar direitos individuais homogêneos de pequenos produtores, pretendendo dar implemento à previsão legal de necessidade de apoio estatal, jurídico e técnico, aos pequenos agricultores de economia familiar, ou equiparados, para registro gratuito da reserva legal no cadastro ambiental rural.

Diante disso, deve-se reconhecer que há presunção legal de hipossuficiência. Isso fica ainda mais evidente quando se observa o art. 53, parágrafo único c/c o art. 3º, V, ambos da Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal):

Art. 53. Para o registro no CAR da Reserva Legal, nos imóveis a que se refere o inciso V do art. 3º , o proprietário ou possuidor apresentará os dados identificando a área proposta de Reserva Legal, cabendo aos órgãos competentes integrantes do Sisnama, ou instituição por ele habilitada, realizar a captação das respectivas coordenadas geográficas.

Parágrafo único. O registro da Reserva Legal nos imóveis a que se refere o inciso V do art. 3º é gratuito, devendo o poder público prestar apoio técnico e jurídico.

 

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

(...)

V - pequena propriedade ou posse rural familiar: aquela explorada mediante o trabalho pessoal do agricultor familiar e empreendedor familiar rural, incluindo os assentamentos e projetos de reforma agrária, e que atenda ao disposto no art. 3º da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006;

 

Perceba que o objetivo da Lei foi o de assegurar a esse segmento produtivo (pequenos produtores rurais) não só a isenção de custos como também a prestação positiva de serviços de auxílio por parte do poder público.

Seria um contrassenso admitir que a Lei previu tais benefícios e se vedar que a Defensoria Pública (instituição constitucionalmente habilitada a defender os direitos dessas parcelas da sociedade) fosse impedida de tutelá-los.

Se a lei concedeu esses direitos aos pequenos produtores rurais, deve-se reconhecer que a Defensoria Pública detém legitimidade para exigi-los.

Não pode Poder Judiciário desconstituir a opção política do legislador na seleção desse público como destinatário de especial atenção normativa nos planos técnicos e jurídicos. Igualmente descabe impor à Defensoria exigências adicionais de comprovação de miserabilidade dos substituídos se o legislador já previu expressamente que esse grupo é considerado hipossuficiente e, portanto, merecedor de facilidades financeiras, técnicas e jurídicas.

A legitimidade ativa da Defensoria Pública nas ações coletivas não se verifica mediante comprovação prévia e concreta da carência dos assistidos. Ainda que o provimento beneficie públicos diversos daqueles necessitados, a hipótese não veda a atuação da Defensoria. Esta se justifica pela mera presença teórica de potenciais assistidos entre os beneficiados. Foi o que decidiu o STF na ADI 3.943 ED, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 18/5/2018.

 

Em suma:

A Defensoria Pública possui legitimidade ativa para propor ação civil pública com vista a impor ao Estado o cumprimento de obrigações legais na tutela de pequenos agricultores familiares, sendo prescindível a comprovação prévia e concreta da carência dos assistidos.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.847.991-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 16/08/22 (Info 748).



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