Imagine a seguinte situação
hipotética:
A Promotoria de Defesa do
Consumidor recebeu um estudo do CADE (Conselho Administrativo de Defesa
Econômica, autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça) afirmando que
havia indícios de prática de cartel no Estado.
Diante disso, o Promotor de
Justiça que atua na Promotoria de Defesa do Consumidor solicitou auxílio do
GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) para realizar
uma apuração.
A investigação conseguiu obter inúmeros
elementos informativos que serviram para embasar denúncia criminal oferecida
pelo Ministério Público contra os envolvidos.
Um dos denunciados impetrou
habeas corpus alegando que a atuação do GAECO representou burla à livre
distribuição e ao princípio do promotor natural. Logo, deveria ser reconhecida
a nulidade da investigação e das provas obtidas.
O STJ concordou com os
argumentos da defesa?
NÃO.
Princípio do promotor
natural
De acordo com o postulado do
promotor natural, a definição do membro do Ministério Público competente para
oficiar em determinado caso deve observar as regras previamente estabelecidas
pela instituição para distribuição de atribuições no foro de atuação,
proibindo-se a interferência hierárquica indevida da chefia do órgão por meio
de eventuais designações especiais.
Nessa medida, a proteção efetiva
e substancial ao princípio do promotor natural impede que o superior
hierárquico designe o promotor competente, bem como imponha a orientação
técnica a ser observada.
O princípio do promotor natural,
embora não esteja expressamente previsto, é amplamente reconhecido pela
jurisprudência. Sua observância tem por finalidade evitar a constituição da
figura do acusador de exceção, cuja atuação durante a persecução penal ocorre
de forma arbitrária, injustificada e não prevista em regras abstratas
anteriormente estabelecidas.
Nesse sentido:
“O
postulado do Promotor Natural consagra uma garantia de ordem jurídica,
destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe
assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a
própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em
quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de
critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei” (STF. 2ª Turma.
HC 103038, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 27/10/2011).
Em concursos públicos, as alternativas também apontam no
sentido da existência deste princípio. Confira:
þ
(Cartório TJRR 2013 CESPE) O fundamento constitucional do princípio do promotor
natural assenta-se nas cláusulas da independência funcional e na inamovibilidade
do s membros do MP. (CERTO)
þ
(Técnico do TST 2012 FCC) Ao discorrer sobre os princípios constitucionais que
devem informar a atuação do Ministério Público, Pedro Lenza afirma que o
acusado “tem o direito e a garantia constitucional de somente ser processado
por um órgão independente do Estado, vedando-se, por consequência, a designação
arbitrária, inclusive, de promotores ‘ad hoc’ ou por encomenda” (Direito
Constitucional Esquematizado, Saraiva, 2011, p. 766). Trata-se do princípio do
promotor natural. (CERTO)
ý
(Procurador TCE/PB 2014 CESPE) Apesar do direito de não ser processado nem
sentenciado senão pela autoridade competente, não se admite a figura do
promotor natural, tendo em vista a unidade do MP. (ERRADO)
ý
(Promotor MPE SC 2016 banca própria) Dentre os princípios institucionais do
Ministério Público encontram-se os da unidade e o da indivisibilidade. Esses
princípios afastam, conforme posicionamento mais recente do Supremo Tribunal
Federal, a incidência do denominado princípio do promotor natural. (ERRADO)
A atuação do GAECO não
viola o princípio do promotor natural
A jurisprudência do STJ
consolidou-se no sentido de que a atuação do GAECO não viola o princípio do
promotor natural. Nesse sentido:
A atuação de promotores auxiliares ou de grupos especializados
não ofende o princípio do promotor natural, uma vez que, nessa hipótese, se
amplia a capacidade de investigação, de modo a otimizar os procedimentos
necessários à formação da opinio delicti do Parquet.
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1.425.424/SP, Rel. Min. Jorge
Mussi, julgado em 6/8/2019.
Vale ressaltar, contudo, que,
para que não haja ofensa ao princípio do promotor natural, o promotor a quem foi
distribuído livremente o feito deverá solicitar ou anuir com a participação ou
ingresso do GAECO nas investigações.
No caso concreto, não houve
designação casuística; houve pedido do Promotor responsável
Na hipótese em exame, não há que
se falar em violação do princípio do promotor natural, uma vez que não houve
designação casuística ou arbitrária do grupo especializado para sua atuação nos
autos da investigação. O Promotor de Justiça a quem a investigação foi
atribuída solicitou a atuação do GAECO.
Em suma:
STJ. 5ª Turma. AgRg no RHC 147.951/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha,
julgado em 27/09/2022 (Info 751).
DOD Plus
Jurisprudência em Teses (Ed. 167)
12) A atuação de promotores auxiliares ou de grupos especializados,
como o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), na
investigação de infrações penais, a exemplo do crime de lavagem de dinheiro,
não ofende o princípio do promotor natural, não havendo que se falar em
designação casuística.