Imagine a seguinte situação
hipotética:
A empresa Alfa Ltda. ajuizou ação
contra o Município de São Paulo.
O pedido foi julgado improcedente
e a empresa autora foi condenada a pagar R$ 100 mil de honorários advocatícios
de sucumbência. Houve o trânsito em julgado.
Como a empresa não pagou
voluntariamente a verba relativa aos honorários, o Município de São Paulo iniciou
cumprimento de sentença requerendo a intimação da Alfa Ltda para o pagamento da
quantia.
A empresa ofereceu impugnação ao cumprimento de sentença alegando
que tem um crédito líquido, certo e exigível com o Município no valor de R$ 120
mil e que, portanto, requer a compensação das dívidas, nos termos dos arts. 368
e 369 do Código Civil:
Art. 368. Se duas pessoas forem
ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se,
até onde se compensarem.
Art. 369. A compensação efetua-se
entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis.
Decisão do magistrado: não cabe a
compensação
O juiz rejeitou a impugnação
alegando não seria possível a compensação porque os créditos não seriam
recíprocos:
• a empresa possui realmente um
crédito para receber do Município;
• ocorre que o valor que está
sendo executado neste cumprimento de sentença não pertence ao Município, e sim
aos Procuradores do Município. Logo, a empresa não pode querer utilizar uma
verba que pertence aos Procuradores para abater uma dívida que é do Município.
Decisão do TJ/SP: cabe a
compensação
A empresa recorreu contra a
decisão do magistrado.
O TJ/SP deu provimento ao recurso
e deferiu a compensação de créditos.
O TJ argumentou o seguinte:
• no caso de um advogado e um cliente
privado, realmente, os honorários de sucumbência continuem direito autônomo do
causídico;
• no entanto, quando envolve o Poder
Público é diferente;
• quando a Fazenda
Pública é vencedora na demanda, os honorários advocatícios de sucumbência
integram o patrimônio público, não sendo possível dizer que constituam direito
autônomo do procurador;
• o art. 1º da Lei Municipal nº 9.402/81
determina que os honorários advocatícios devidos à Fazenda Municipal serão
destinados a Secretaria de Negócios Jurídicos para distribuição aos integrantes
da Carreira de Procurador, em atividade ou nela aposentados, e aperfeiçoamento intelectual
dos integrantes da Carreira de Procurador. Isso significa que a receita é do
Município que, depois, repassa aos Procuradores.
Recurso especial do Município
O Município interpôs recurso especial contra a decisão do
TJ/SP alegando que, depois do CPC/2015, ficou expressamente consignado que os
honorários de sucumbência pertencem aos advogados públicos:
Art.
85 (...) § 19. Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos
termos da lei.
O STJ concordou com os argumentos do
Juiz ou do TJ/SP?
Com
o TJ/SP.
A jurisprudência consolidada do STJ é no
sentido de que os honorários advocatícios de sucumbência, quando vencedora a Fazenda
Pública, integram o patrimônio da entidade estatal, não constituindo direito autônomo
do procurador judicial, o que viabiliza sua compensação. Esse entendimento
persiste mesmo após a edição do CPC/2015. Nesse sentido:
A jurisprudência do STJ é assente em admitir a possibilidade de compensação
de parte do precatório com a verba honorária devida ao ente público em
impugnação de cumprimento de sentença julgada procedente, pois os honorários de
sucumbência não constituem direito autônomo do procurador judicial, visto que
integram o patrimônio público da entidade, sendo possível a compensação com o
crédito previsto no título.
STJ. 2ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1907197/SC, Rel. Min. Og
Fernandes, julgado em 17/05/2021.
A jurisprudência desta Corte adota a compreensão de que os
honorários advocatícios de sucumbência, quando vencedora a Administração
Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou
as Autarquias, as Fundações instituídas pelo Poder Público, as Empresas Públicas,
ou as Sociedades de Economia Mista, não constituem direito autônomo do
Procurador judicial, porque integram o patrimônio público da entidade.
STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp
1.038.431/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 29/04/2019.
Em suma:
Os honorários advocatícios de sucumbência, quando
vencedora a Fazenda Pública, integram o patrimônio da entidade estatal, não
constituindo direito autônomo do procurador judicial.
STJ. 2ª
Turma. AgInt no AREsp 1.834.717-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado
em 10/05/2022 (Info 743).