Recuperação judicial
A recuperação judicial surgiu
para substituir a antiga “concordata” e tem por objetivo viabilizar a superação
da situação de crise do devedor, a fim de permitir que a atividade empresária
se mantenha e, com isso, sejam preservados os empregos dos trabalhadores e os
interesses dos credores.
A recuperação judicial consiste,
portanto, em um processo judicial, no qual será construído e executado um plano
com o objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à
falência.
Nas palavras do Min. Luis Felipe Salomão:
“A recuperação
judicial é instrumento jurisdicional de superação da crise econômico-financeira
da atividade empresarial. Revela-se como artefato viabilizador do
desenvolvimento econômico, social, cultural e ambiental, na medida em que
promove a continuidade da atividade econômica da empresa com potencial de realização.”
Fases da recuperação
De forma resumida, a recuperação
judicial possui três fases:
a) postulação: inicia-se com o
pedido de recuperação e vai até o despacho de processamento;
b) processamento: vai do despacho
de processamento até a decisão concessiva;
c) execução: da decisão
concessiva até o encerramento da recuperação judicial.
Requisitos para a recuperação
judicial
A recuperação judicial é um
processo judicial, ou seja, é um pedido que será formulado ao juiz.
Para isso, no
entanto, é necessário que a devedora cumpra alguns requisitos previstos no art.
48 da Lei nº 11.101/2005:
Art. 48. Poderá requerer recuperação
judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas
atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos,
cumulativamente:
I – não ser falido e, se o foi,
estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as
responsabilidades daí decorrentes;
II – não ter, há menos de 5 (cinco)
anos, obtido concessão de recuperação judicial;
III - não ter, há menos de 5 (cinco)
anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de
que trata a Seção V deste Capítulo;
IV – não ter sido condenado ou não
ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos
crimes previstos nesta Lei
Requisito temporal de 2 anos
O primeiro requisito para que a
empresa possa requerer a recuperação judicial é que ela esteja exercendo
regulamente suas atividades há, no mínimo, 2 anos (caput do art. 48) no momento
do pedido.
O prazo de 2 anos tem como
objetivo principal conceder a recuperação judicial apenas a empresários ou a
sociedades empresárias que se acham, de certo modo, consolidados no mercado e
que apresentem certo grau de viabilidade econômico-financeira capazes de
justificar o sacrifício dos credores.
Segundo Marlon Tomazzete, apenas
em relação a empresas sérias, relevantes e viáveis “é que se justifica o
sacrifício dos credores em uma recuperação judicial. Uma empresa exercida há
menos de dois anos ainda não possui relevância para a economia que justifique a
recuperação.” (Curso de direito empresarial: falência e recuperação de
empresas. São Paulo: Atlas, 2011, p. 60).
A partir de quando se começa a
contar esse prazo de 2 anos?
Em regra, da data de
inscrição na junta comercial competente.
Logo, no pedido de recuperação
judicial, deverá ser juntada uma certidão emitida pela respectiva junta
comercial na qual conste a inscrição do empresário individual ou o registro do
contrato social ou do estatuto da sociedade.
Desse modo, estão proibidos de
requerer recuperação judicial, os empresários “de fato” ou “irregulares”, isto
é, aqueles que exercem a atividade empresarial de modo informal, sem registro
na junta comercial.
Por que se falou “em
regra”? Existe alguma exceção?
SIM. O caso do empresário rural.
Todo empresário, antes de iniciar
suas atividades, deverá se inscrever no Registro Público de Empresas Mercantis
da respectiva sede, isto é, na Junta Comercial. É o que prevê o art. 967 do
Código Civil:
Art. 967. É
obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis
da respectiva sede, antes do início de sua atividade.
Para o empresário rural, todavia,
o Código Civil concedeu a faculdade de se registrar ou não perante a
Junta da sua unidade federativa. Por isso, o dispositivo utiliza o verbo
“pode”:
Art. 971. O
empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades
de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro
Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de
inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a
registro.
Ora, se pode ele requerer
inscrição, significa que o empreendedor rural, diferentemente do empreendedor
econômico comum, não está obrigado a requerer inscrição antes de empreender.
Desse modo, o empreendedor rural,
inscrito ou não, está sempre em situação regular; não existe situação irregular
para este, mesmo ao exercer atividade econômica agrícola antes de sua
inscrição, por ser esta facultativa.
Por isso, se exerce atividade de
produção de bens agrícolas, esteja inscrito ou não, estará em situação regular,
justamente porque poderia se inscrever ou não.
Assim, os efeitos decorrentes da
inscrição são distintos para as duas espécies de empresário:
• Para o empreendedor rural, o
registro, por ser facultativo, tem o efeito constitutivo de equipará-lo, para
todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro, sendo tal efeito apto a
retroagir (ex tunc), pois a condição regular de empresário já existia
antes mesmo do registro.
• Já para o empresário comum, o
registro, por ser obrigatório, somente pode operar efeitos prospectivos (ex
nunc), pois apenas com o registro é que ingressa na regularidade e se
constitui efetivamente e validamente, empresário.
O registro do produtor rural,
portanto, apenas o transfere do regime do Código Civil para o regime
empresarial, com efeito ex tunc, pois não o transforma em empresário
regular, condição que já antes ostentava apenas em decorrência do anterior
exercício da atividade econômica rural.
Assim, a qualidade de empresário
rural regular já se fazia presente desde o início do exercício profissional de
sua atividade, sendo irrelevante, para fins de regularização, a efetivação da
inscrição na Junta Comercial, pois não estava sujeito a registro.
Então, o produtor rural é regido
pelo Código Civil, enquanto não registrado e, querendo, passa ao regime jurídico
empresarial, após a inscrição é facultativa.
Inscrição de empresário na
Junta Comercial é ato declaratório
Há doutrinadores que sustentam
que o registro apenas declara a condição de empresário individual, tornando-o
regular, mas não o transforma em empresário. O próprio STJ já afirmou a
natureza declaratória atribuída ao registro efetivado pelo empresário na Junta
Comercial.
Assim, nos termos da teoria da
empresa, a qualidade de empresário rural também se verificará sempre que
comprovado o exercício profissional da atividade econômica rural organizada
para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, independentemente da
efetivação da inscrição na Junta Comercial.
No caso de empresário
rural, para fins de cômputo desses 2 anos, é possível aproveitar o tempo em que
ele não estava registrado
O empresário rural, para fazer o
pedido de recuperação judicial, deve estar registrado.
Assim, o registro empresarial
deve ser anterior ao pedido de recuperação judicial.
No entanto, pelas razões acima
explicadas, esses 2 anos, exigidos pelo caput do art. 48, não precisam ser
exercidos após o registro. No caso de empresário rural, o exercício da
atividade econômica rural pelo prazo de 2 anos pode ser computado somando-se ao
período anterior e posterior ao registro.
Dessa feita, o registro
empresarial deve, sim, ser realizado antes da impetração da recuperação
judicial (critério formal). Contudo, a comprovação da regularidade da atividade
empresarial pelo biênio mínimo (art. 48 da Lei nº 11.101/2005) será aferida pela
manutenção e continuidade do exercício profissional (critério material).
Em suma:
O cômputo do período de dois anos de exercício da atividade
econômica, para fins de recuperação judicial, nos termos do art. 48 da Lei nº
11.101/2005, aplicável ao produtor rural, inclui aquele anterior ao registro do
empreendedor.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.811.953-MT, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 06/10/2020 (Info 681).
STJ. 4ª Turma. REsp 1.800.032-MT, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel.
Acd. Min. Raul Araújo, julgado em 05/11/2019 (Info 664).
Tema
Essa conclusão foi agora reafirmada em recurso especial
repetitivo:
Ao produtor rural que exerça sua atividade de forma
empresarial há mais de dois anos, é facultado requerer a recuperação judicial,
desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o
pedido recuperacional, independentemente do tempo de seu registro.
STJ. 2ª
Seção. REsp 1.905.573-MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/06/2022
(Recurso Repetitivo – Tema 1145) (Info 743).
Lei nº 14.112/2020
A Lei nº 14.112/2020 promoveu algumas mudanças nos
parágrafos do art. 48 da Lei nº 11.101/2005. Veja os dispositivos que
interessam para fins do julgado analisado:
Art. 48. Poderá requerer
recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente
suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos,
cumulativamente:
(...)
§ 2º No caso de exercício de
atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo
estabelecido no caput deste artigo por meio da Escrituração Contábil Fiscal
(ECF), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a
substituir a ECF, entregue tempestivamente.
(Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020)
§ 3º Para a comprovação do prazo
estabelecido no caput deste artigo, o cálculo do período de exercício de
atividade rural por pessoa física é feito com base no Livro Caixa Digital do
Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis
que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da
Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente.
(Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)
§ 4º Para efeito do disposto no §
3º deste artigo, no que diz respeito ao período em que não for exigível a
entrega do LCDPR, admitir-se-á a entrega do livro-caixa utilizado para a elaboração
da DIRPF. (Incluído pela Lei nº 14.112,
de 2020)
§ 5º Para os fins de atendimento
ao disposto nos §§ 2º e 3º deste artigo, as informações contábeis relativas a
receitas, a bens, a despesas, a custos e a dívidas deverão estar organizadas de
acordo com a legislação e com o padrão contábil da legislação correlata
vigente, bem como guardar obediência ao regime de competência e de elaboração
de balanço patrimonial por contador habilitado. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)
Desse modo, nos termos do
dispositivo transcrito acima, caso o registro ocorra após o início de suas
atividades, a comprovação do exercício dessas atividades pelo prazo mínimo
exigido para o requerimento de recuperação poderá ser realizada nas formas
especificadas nos §§ 2º ao 5º.
O ponto mais importante está no novo § 3º do art. 48 porque
ele permite que o produtor rural pessoa física (e não apenas o que atue como
pessoa jurídica) possa pedir recuperação judicial. Nesse caso, ele verá
obedecer a regra do art. 70-A:
Art. 70-A. O produtor rural de
que trata o § 3º do art. 48 desta Lei poderá apresentar plano especial de
recuperação judicial, nos termos desta Seção, desde que o valor da causa não
exceda a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais). (Incluído pela
Lei nº 14.112/2020)