Dizer o Direito

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

O servidor federal inativo faz jus à conversão em pecúnia de licença-prêmio por ele não fruída durante sua atividade funcional?

 

O que é a chamada “licença-prêmio”?

Licença-prêmio é um benefício segundo o qual o servidor público, após 5 anos de exercício da função, tem direito a 3 meses de licença remunerada.

Ex: João é servidor público e a lei que rege a sua carreira prevê a existência da licença-prêmio. João entrou em exercício em 2010. Em 2015, ele adquiriu o direito à licença-prêmio. Isso significa que ele poderá ficar 3 meses sem trabalhar, recebendo normalmente sua remuneração. Em 2020, ele irá novamente adquirir o direito de gozar mais um período de licença-prêmio. Em 2025 mais outro e assim por diante.

Os servidores públicos federais tiveram direito à licença-prêmio até 1997 quando foi, então, editada a Lei nº 9.527/97, que alterou a redação do art. 87 da Lei nº 8.112/90, acabando com esse benefício.

No lugar da licença-prêmio por assiduidade, foi instituída a licença-capacitação:

Lei 8.112/90

Redação originária

Redação dada pela Lei 9.527/97

Art. 87. Após cada quinquênio ininterrupto de exercício, o servidor fará jus a 3 (três) meses de licença, a título de prêmio por assiduidade, com a remuneração do cargo efetivo.

Art. 87. Após cada quinquênio de efetivo exercício, o servidor poderá, no interesse da Administração, afastar-se do exercício do cargo efetivo, com a respectiva remuneração, por até três meses, para participar de curso de capacitação profissional.

Na licença-prêmio o servidor ficava sem exercer suas atribuições durante 3 meses, sem a obrigação de fazer qualquer curso ou trabalho.

Na licença para capacitação o servidor fica sem exercer suas atribuições durante 3 meses, mas com a obrigação de participar de um curso de capacitação profissional.

 

Vale ressaltar, no entanto, que essa mesma Lei nº 9.527/97, no seu art. 7º, buscou resguardar o direito dos servidores que adquiram a licença-prêmio antes da mudança. Confira:

Art. 7º Os períodos de licença-prêmio, adquiridos na forma da Lei nº 8.112, de 1990, até 15 de outubro de 1996, poderão ser usufruídos ou contados em dobro para efeito de aposentadoria ou convertidos em pecúnia no caso de falecimento do servidor, observada a legislação em vigor até 15 de outubro de 1996.

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

João foi servidor público federal durante muitos anos, tendo se aposentado em 2017.

Durante o tempo em que foi servidor público federal, João adquiriu dois períodos de licença especial. Isso significa que João poderia ter gozado de 6 meses de licença-prêmio. Ele não gozou.

João poderia também ter aproveitado esse período de licença-prêmio em dobro para fins de aposentadoria. Ocorre que ele não aproveitou.

Diante disso, em 2018, já depois de aposentado, ele ajuizou ação contra a União pedindo para converter a licença-prêmio não gozada em pecúnia (dinheiro). Em outras palavras, ele pediu para o valor equivalente a 6 meses de salário já que não gozou desse tempo durante o exercício da função.

O pedido do autor foi baseado justamente no art. 7º da Lei nº 9.527/97.

 

O pedido de João pode ser acolhido?

SIM.

Vamos ler mais uma vez o que diz o art. 7º da Lei nº 9.527/97:

Art. 7º Os períodos de licença-prêmio, adquiridos na forma da Lei nº 8.112, de 1990, até 15 de outubro de 1996, poderão ser usufruídos ou contados em dobro para efeito de aposentadoria ou convertidos em pecúnia no caso de falecimento do servidor, observada a legislação em vigor até 15 de outubro de 1996.

 

O STJ afirma que, apesar de o dispositivo falar apenas em “falecimento do servidor”, deve-se interpretar que também é possível que o servidor aposentado, que não gozou da licença-prêmio, postule em juízo indenização pecuniária por conta dos períodos não usufruídos.

Essa conclusão do STJ tem por objetivo evitar o enriquecimento sem causa da Administração Pública. Isso porque o servidor teria trabalho, adquirido o direito, mas não tido oportunidade de gozar, fazendo com que a Administração se beneficie disso.

Não seria lógico nem razoável que o servidor que não conseguiu gozar a licença-prêmio perdesse esse direito em caso de aposentadoria e esse mesmo direito fosse reconhecido aos seus herdeiros em caso de morte do servidor.

Vale ressaltar, ainda, que o STF, no julgamento do ARE 721.001/RJ (Tema 635), decidiu que “é devida a conversão de férias não gozadas bem como de outros direitos de natureza remuneratória em indenização pecuniária por aqueles que não mais podem delas usufruir, seja por conta do rompimento do vínculo com a Administração, seja pela inatividade, em virtude da vedação ao enriquecimento sem causa da Administração”.

 

A União apresentou contestação alegando que João somente teria direito à indenização se comprovasse que deixou de gozar da licença-prêmio por necessidade do serviço. Essa comprovação é, de fato, necessária?

NÃO.

A conversão em pecúnia da licença-prêmio não gozada NÃO está condicionada à comprovação, pelo servidor, de que a não fruição do aludido direito decorreu do interesse da Administração Pública.

Em outras palavras, é desnecessária a comprovação de que a licença-prêmio não foi gozada por necessidade do serviço. Não é necessária essa comprovação porque o simples fato de o servidor não ter sido afastado para gozar da licença já é uma presunção de que seu trabalho era necessário para a Administração Pública.

O não afastamento do servidor, abrindo mão daquele direito pessoal, gera presunção quanto à necessidade da atividade laboral.

Assim, o servidor não precisa comprovar que requereu administrativamente o gozo da licença-prêmio e que esta lhe foi negada.

Diante desse contexto, entende-se que não é necessário se perquirir acerca do motivo que levou o servidor a não usufruir do benefício do afastamento remunerado, tampouco sobre as razões pelas quais a Administração deixou de promover a respectiva contagem especial para fins de inatividade, porque, numa ou noutra situação, não se discute ter havido a prestação laboral ensejadora do recebimento da aludida vantagem.

A Administração Pública deveria ter um controle dos servidores que possuem direito à licença-prêmio notificando-os para gozar do benefício antes de se aposentarem. Se a Administração não fez isso, o servidor não pode ser prejudicado.

Por fim, vale ressaltar que não há previsão legal de prazo para o exercício do direito em questão.

 

Qual é o fundamento para o pagamento da indenização ao servidor?

A conversão em pecúnia da licença-prêmio não gozada está fundada na responsabilidade objetiva do Estado, nos termos do art. 37, § 6º, da CF/88, bem como no princípio que veda o enriquecimento sem causa da Administração.

Como esse pagamento tem caráter indenizatório, ele não é fato gerador de imposto de renda:

Súmula 136-STJ: O pagamento de licença-prêmio não gozada por necessidade do serviço não está sujeito ao Imposto de Renda.

 

Em suma:

Presente a redação original do art. 87, § 2º, da Lei nº 8.112/90, bem como a dicção do art. 7º da Lei nº 9.527/97, o servidor federal inativo, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração e independentemente de prévio requerimento administrativo, faz jus à conversão em pecúnia de licença-prêmio por ele não fruída durante sua atividade funcional, nem contada em dobro para a aposentadoria, revelando-se prescindível, a tal desiderato, a comprovação de que a licença-prêmio não foi gozada por necessidade do serviço.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.854.662-CE, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 22/06/2022 (Recurso Repetitivo – Tema 1086) (Info 742).


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