Para entender melhor este julgado,
é relevante relembrarmos a figura da curadoria especial.
Curador especial
O CPC prevê que, em determinadas
situações, o juiz terá que nomear um curador especial que irá defender, no
processo civil, os interesses do réu.
O curador especial também é chamado de
curador à lide.
Hipóteses em que será nomeado curador
especial:
Estão previstas no art. 72 do CPC. São quatro
situações:
a) Quando o réu for incapaz e não tiver
representante legal;
b) Quando o réu for incapaz e tiver
representante legal, mas os interesses deste (representante) colidirem com os
interesses daquele (incapaz);
c) Quando o réu estiver preso;
d) Quando o réu tiver sido citado por
edital ou com hora certa, enquanto não for constituído advogado.
Veja a
redação legal:
Art. 72. O juiz nomeará curador
especial ao:
I - incapaz, se não tiver
representante legal ou se os interesses deste colidirem com os daquele,
enquanto durar a incapacidade;
II - réu preso revel, bem como ao réu
revel citado por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído
advogado.
O que essa função de curador especial
tem a ver com a Defensoria Pública?
A Lei
Orgânica da Defensoria Pública (LC 80/94) estabelece o seguinte:
Art. 4º São funções institucionais da
Defensoria Pública, dentre outras:
XVI – exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei;
Desse modo, o múnus público de curador
especial de que trata o art. 72 do CPC deve ser exercido pelo Defensor Público.
O
CPC/2015 também afirmou isso expressamente:
Art. 72 (...)
Parágrafo único. A curatela especial
será exercida pela Defensoria Pública, nos termos da lei.
Imagine agora a seguinte situação
hipotética:
Regina, assistida pela Defensoria
Pública (Dra. Carolina), ajuizou ação de divórcio contra João.
O requerido, por estar em local
incerto e não sabido, foi citado por edital.
Como João não constituiu
advogado, outro Defensor Público (Dr. Vitor), na qualidade de curador especial,
apresentou contestação em favor do réu.
O juiz entendeu que a Defensoria
Pública não poderia estar assistindo juridicamente a autora e o réu ao mesmo
tempo e, por essa razão, destituiu o Defensor Público da função de curador
especial porque ele estaria, supostamente, atuando de forma irregular. Em seu lugar,
foi designado um advogado particular.
Dr. Vitor não concordou e
impetrou mandado de segurança, no Tribunal de Justiça, contra a decisão,
alegando que a Defensoria Pública pode sim atuar nos dois polos, desde que por
intermédio de membros diferentes.
O Tribunal de Justiça extinguiu o mandado de segurança sem resolução
do mérito sob o argumento de que o writ foi impetrado pelo Defensor Público de
primeiro grau e que ele não possuiria legitimidade para representar o órgão em
ações em que almejada a sua proteção da função institucional, uma vez que
competência seria do Defensor Público-Geral do Estado, autoridade legitimada
para representar o órgão, nos termos do art. 100 da Lei Complementar nº 80/94:
Art. 100. Ao Defensor Público-Geral
do Estado compete dirigir a Defensoria Pública do Estado, superintender e
coordenar suas atividades, orientando sua atuação, e representandoa judicial e
extrajudicialmente.
Havia legitimidade neste
caso? O Defensor Público, atuando em nome da Defensoria Pública, possui legitimidade
para impetrar mandado de segurança em defesa das funções institucionais e
prerrogativas de seus órgãos de execução?
SIM. Vamos entender com calma.
Funções institucionais da Defensoria
Pública
São funções institucionais da
Defensoria Pública, dentre outras, impetrar mandado de segurança “em defesa das
funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução” (art. 4º da
LC 80/94).
De quem é a atribuição para
desempenhar as funções institucionais da Defensoria Pública?
Com base na Constituição Federal
e na LC 80/94, essa tarefa cabe aos Defensores
Públicos e sua respectiva organização/estrutura (art. 134 da CF/88 e art.
4º da LC 80/94).
As funções institucionais da
Defensoria Pública, elencadas no art. 4º da LC 80/94, podem ser divididas em:
a) atribuições individuais; e
b) atribuições coletivas.
1) Exemplos de atribuições individuais
(art. 4º):
XIV – acompanhar inquérito
policial, inclusive com a comunicação imediata da prisão em flagrante pela
autoridade policial, quando o preso não constituir advogado;
XV – patrocinar ação penal
privada e a subsidiária da pública;
2) Exemplos de atribuições
coletivas (art. 4º):
III – promover a difusão e a
conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico;
VII – promover ação civil pública
e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos
direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da
demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes;
VIII – exercer a defesa dos
direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos
e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da
Constituição Federal;
X – promover a mais ampla defesa
dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos
individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo
admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e
efetiva tutela;
XI – exercer a defesa dos interesses
individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa
portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e
familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial
do Estado;
XXII – convocar audiências
públicas para discutir matérias relacionadas às suas funções institucionais.
Considerando a organização/estrutura
da Defensoria Pública, quais são as atribuições do Defensor Público-Geral do
Estado?
A LC 80/94 resume, em seu art. 100, as atribuições do Defensor
Público-Geral do Estado.
Art. 100. Ao Defensor Público-Geral do
Estado compete dirigir a Defensoria Pública do Estado, superintender e
coordenar suas atividades, orientando sua atuação, e representandoa judicial e
extrajudicialmente.
E o que se entende por
“órgãos de execução” na estrutura da Defensoria Pública dos Estados, de acordo
com a LC 80/94?
Os próprios Defensores Públicos são chamados de “órgãos de execução”.
Art. 98. A Defensoria Pública dos
Estados compreende:
(...)
III - órgãos de execução:
a) os Defensores Públicos do
Estado.
O art. 100 da LC 80/94
confere legitimidade exclusiva ao Defensor Público-Geral do Estado para
impetrar mandado de segurança em defesa das funções institucionais e
prerrogativas de seus órgãos de execução?
NÃO.
De acordo com o princípio da unidade,
os atos praticados pelo Defensor Público no exercício de suas funções não devem
ser creditados ao agente, devendo ser atribuídos à própria Defensoria Pública a
qual integra. Isso é reforçado também pelo princípio da indivisibilidade, de
forma que “quando um membro da Defensoria Pública atua, quem na realidade está
atuando é a própria Defensoria Pública; por isso, a doutrina tem reconhecido a
fungibilidade dos membros da Instituição” (ESTEVES, Diogo; ROGER, Franklyn. Princípios
Institucionais da Defensoria Pública. 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2018,
p. 739 e 743).
O art. 100 da Lei Complementar nº
80/94, ao atribuir ao Defensor Público-Geral a representação judicial da
Defensoria Pública do Estado, não exclui a legitimidade dos respectivos órgãos
de execução - os defensores públicos atuantes perante os diversos juízos - de
impetrar mandado de segurança na defesa da atuação institucional do órgão.
Caso se cuidasse de discussão a
propósito de ato da esfera de competência do próprio Defensor Público-Geral,
como a lotação de defensores pelas comarcas, a legitimidade para representar
judicialmente a instituição seria privativa da referida autoridade.
No caso em exame, todavia,
trata-se da defesa de prerrogativa institucional de defensor público em face de
ato judicial praticado no curso de processo no qual exercia suas atribuições
legais, de forma que o subscritor do mandado de segurança atuou dentro da
competência que lhe é legalmente atribuída ao requerer a ordem.
Em suma:
STJ. 4ª Turma. RMS 64.917/MT, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti,
julgado em 7/6/2022 (Info 742).
E quanto ao mérito da
demanda, assiste razão ao Defensor Público?
SIM. A circunstância de a parte
autora ser assistida pela Defensoria Pública não afasta a atribuição legal da
instituição de, por meio de defensor distinto, exercer a curadoria do réu revel
citado por edital.
Os princípios da unidade e da indivisibilidade
que norteiam a instituição não tornam irregular sua atuação em defesa de partes
antagônicas no processo, desde que se valendo de órgãos de execução diversos,
não sendo a rara a existência de hipossuficientes em ambos os polos da relação
processual.