domingo, 9 de outubro de 2022
No caso de perda total do bem segurado, a indenização securitária deve corresponder ao valor máximo previsto na apólice ou apenas reparar os prejuízos suportados pela segurada?
O que é o contrato de seguro?
No contrato de seguro, “o
segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse
legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos
predeterminados” (art. 757 do CC).
Em outras palavras, no contrato
de seguro, uma pessoa física ou jurídica (chamada de “segurada”) paga uma
quantia denominada de “prêmio” para que uma pessoa jurídica (“seguradora”)
assuma determinado risco. Caso o risco se concretize (o que chamamos de
“sinistro”), a seguradora deverá fornecer à segurada uma quantia previamente
estipulada (indenização).
Ex.: João celebra um contrato de
seguro do seu veículo com a seguradora X e todos os meses paga R$ 100,00 como
prêmio; se, por exemplo, o carro for roubado (sinistro), a seguradora deverá
pagar R$ 30 mil a título de indenização para o segurado.
Nomenclaturas utilizadas nos
contratos de seguro
• Risco: é a possibilidade de ocorrer o sinistro. Ex.: risco de
morte.
• Sinistro: o sinistro é o risco concretizado. Ex.: morte.
• Apólice (ou bilhete de seguro): é um documento emitido pela
seguradora, no qual estão previstos os riscos assumidos, o início e o fim de
sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido e, quando for o caso, o
nome do segurado e o do beneficiário.
• Prêmio: é a quantia paga pelo segurado para que o segurador
assuma o risco. O valor do prêmio é fixado a partir de cálculos atuariais e o
seu valor leva em consideração os riscos cobertos.
• Indenização: é o valor pago pela seguradora caso o risco se
concretize (sinistro).
Feitas estas considerações, imagine
a seguinte situação hipotética:
João fez um seguro de sua casa.
Na apólice do seguro estava
previsto que a indenização máxima a ser paga seria de R$ 700 mil.
Determinado dia, houve um
incêndio que destruiu todo o imóvel. Segundo o laudo do Corpo de Bombeiros,
houve perda total.
Após os documentos comprobatórios
fornecidos pelo proprietário da residência à seguradora, esta pagou ao
seguradora a importância de R$ 200 mil, que foram os prejuízos efetivamente comprovados.
João cobrou da seguradora a
indenização no valor de R$ 700 mil argumentando que a indenização securitária
deve corresponder ao limite máximo previsto na apólice, sendo desnecessário
apurar os prejuízos, o que somente seria necessário caso a perda tivesse sido parcial.
Quem tem razão no caso concreto: João
ou a seguradora? No caso de perda total do bem segurado, a
indenização securitária deve corresponder ao valor máximo previsto na apólice
ou apenas reparar os prejuízos suportados pelo segurado?
O STJ afirmou que a seguradora
tem razão.
Mesmo no caso de perda total do
bem segurado, a indenização securitária deve apenas reparar os prejuízos efetivos
suportados pelo segurado.
Princípio indenitário
O CC/2002 prevê, em seu art. 781, o chamado princípio
indenitário, nos seguintes termos:
Art. 781. A indenização não pode
ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na
apólice, salvo em caso de mora do segurador.
O princípio indenitário tem como objetivo
impedir o pagamento de indenização em valor superior ao interesse segurado no
momento do sinistro.
A razão de ser da norma foi
evitar que o segurado obtivesse lucro com o sinistro, sendo exigido, para
tanto, dois tetos limitadores do valor a ser pago a título de indenização:
• o valor do interesse segurado
no momento do sinistro (dano efetivo suportado);
• o limite máximo da garantia
prevista na apólice.
Dessa forma, o total da indenização
está, em regra, limitado ao valor do dano atual e efetivo sofrido (e não ao
valor que foi segurado). Em outras palavras, deve-se pagar pelo prejuízo que a
pessoa sofreu (limitado ao valor máximo previsto na apólice). Isso se justifica
porque o contrato de seguro não deve ser causa de enriquecimento do segurado. O
seu objetivo é apenas o de restabelecer a situação das coisas, em nível
patrimonial, ao mesmo patamar que tinha antes do sinistro.
O limite máximo, portanto, é o da
garantia fixada na apólice. Se os prejuízos forem menores do que o limite
máximo fixado na apólice, o segurador só está obrigado a pagar o que realmente
aconteceu.
Veja o que diz a doutrina sobre o tema:
“(...) permeia
o conceito de seguro de dano o chamado princípio indenitário segundo o qual, em
síntese, a cobertura
securitária deve se restringir ao ressarcimento do valor do prejuízo
efetivamente experimentado pelo segurado, com o sinistro havido. Trata-se da
referência central do ajuste: a indenização. Em diversos termos, quer-se evitar
que o seguro possa ser fonte de enriquecimento do segurado, de modo a colocá-lo
em situação melhor da que teria se o sinistro, contra o qual se garante seu
interesse, não estivesse sucedido. [...] A ideia, enfim, é a de que o seguro se
preste tão somente à recomposição, e não ao fomento do patrimônio do segurado,
desfalcado pelo sinistro contra o qual quis se garantir.” (GODODY, Cláudio Luiz
Bueno de. Código Civil Comentado, Doutrina e Jurisprudência. Coord. Min.
Cezar Peluso, diversos autores, Barueri: Manole. 2007, p. 649).
“(...) a
indenização a ser recebida pelo segurado, no caso da consumação do risco
provocador do sinistro, deve corresponder ao real prejuízo do interesse
segurado. Há de ser apurado por perícia técnica o alcance do dano. O limite
máximo é o da garantia fixada na apólice. Se os prejuízos forem menores do que
o limite máximo fixado na apólice, o segurador só está obrigado a pagar o que
realmente aconteceu.” (DELGADO, José Augusto. Comentários ao Novo Código Civil - Das Várias Espécies de Contrato.
Do Seguro. TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. (Coord.). Volume XI. Tomo I. Rio de
Janeiro: Forense. 2004, p. 456).
Resumindo:
• O art. 781 do CC/2002,
prestigiando ainda mais o princípio indenitário, afirmou que o valor da coisa
segurada, que servirá de teto para a indenização, deve ser aferido no momento
do sinistro.
• Assim, o valor da coisa no
momento da celebração do negócio (que corresponde de ordinário ao valor da
própria apólice) serve apenas como um primeiro limite para a indenização
securitária, uma vez que a garantia contratada não pode ultrapassar esse
montante.
• Como segundo limite
apresenta-se o valor do bem segurado no momento do sinistro, pois é esse valor
que reflete, de fato, o prejuízo sofrido pelo segurado em caso de destruição do
bem.
Em suma:
Em caso de perda total do bem segurado, a indenização
securitária deve corresponder ao valor do efetivo prejuízo experimentado no
momento do sinistro, observado, contudo, o valor máximo previsto na apólice do
seguro de dano, nos termos dos arts. 778 e 781 do CC/2002.
STJ. 4ª
Turma. REsp 1.955.422-PR, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em
14/06/2022 (Info 742).
DOD Plus – julgados correlatos
Qual deve ser o valor da
indenização na hipótese de perdimento total do bem segurado?
Ainda que o sinistro tenha ocasionado a perda total do bem, a
indenização securitária deve ser calculada com base no prejuízo real suportado
pelo segurado, sendo o valor previsto na apólice, salvo expressa disposição em
contrário, mero teto indenizatório.
A indenização a ser recebida pelo segurado no caso de sinistro
deve corresponder ao real prejuízo do interesse segurado, normalmente apurado
por perícia técnica. O limite máximo é o da garantia fixada na apólice. Se os
prejuízos forem menores do que o limite máximo fixado na apólice, o segurador
só está obrigado a pagar por aquilo que realmente aconteceu.
Desse modo, podemos afirmar que, na hipótese de perda total do
bem segurado, o valor da indenização só corresponderá ao montante integral da
apólice se o valor segurado, no momento do sinistro, não for menor.
STJ. 3ª Turma. REsp 1943335-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado
em 14/12/2021 (Info 722).
Ainda que o sinistro tenha ocasionado a perda total do bem, a
indenização securitária deve ser calculada com base no prejuízo real suportado
pelo segurado, sendo o valor previsto na apólice, salvo expressa disposição em
contrário, mero teto indenizatório.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.473.828-RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro,
julgado em 27/10/2015 (Info 573).