Imagine a seguinte situação
hipotética:
João era proprietário de um lote
de terra.
Esse imóvel foi invadido por uma
família, que passou a morar no local.
O proprietário ajuizou a ação de
reintegração de posse contra Regina, mulher, que, segundo ele, seria a
matriarca da família.
O mandado de citação foi cumprido nos seguintes termos:
“CITEI E
INTIMEI a ocupante, Sra. Regina Rodrigues, que após a leitura do r. mandado de
tudo bem ciente ficou e recebeu a contra fé que lhe ofereci, esclarecendo que a
mesma é a matriarca da família, composta por seus filhos, noras e netos”.
O prazo para a apresentação de
contestação decorreu sem manifestação.
O juízo de primeiro grau decretou
a revelia e julgou procedentes os pedidos iniciais para determinar a
reintegrado do autor na posse do imóvel. Houve trânsito em julgado.
Depois de iniciado o cumprimento
de sentença, outras três pessoas da família protocolaram petição requerendo a
nulidade da sentença com a devolução do prazo para a defesa, uma vez que não
foram citados.
Argumentaram que também moram no
local há anos e que, portanto, seriam litisconsortes passivos necessários,
sendo ônus do autor individualizar os réus na ação possessória.
João contra argumentou que houve
a efetiva citação dos demais ocupantes do imóvel, por meio da matriarca, e que
não seria possível reverter a reintegração de posse, devido ao trânsito em
julgado da sentença.
O STJ concordou com os
argumentos de João?
NÃO.
A citação, em regra, é pessoal
(art. 242 do CPC) e não pode ser realizada em terceira pessoa, salvo nas hipóteses
legalmente autorizadas, como a citação por hora certa (tentativa de ocultação) ou por meio de
edital (citando desconhecido ou incerto) – exceções não aplicáveis no caso dos
autos.
A decisão judicial de reintegração de posse deve atingir de
modo unânime todas as partes ocupantes do imóvel, o que configura
litisconsórcio passivo necessário, de acordo com o art. 114 do CPC:
Art. 114. O litisconsórcio será
necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica
controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam
ser litisconsortes.
Nesse sentido:
Em ação possessória na qual que se aprecia a legitimidade de
composse, que é exercida conjuntamente e sem fracionamento do bem por todos os
ocupantes, a sentença deverá ser cumprida por todos os co-possuidores
considerados ilegítimos, configurando-se a hipótese de litisconsórcio
necessário prevista no artigo 47 do CPC/73, correspondente aos artigos 114, 115
e 116 do CPC/15.
A ausência da citação de litisconsorte passivo necessário
enseja a nulidade da sentença, nos termos do artigo 47 do CPC/73, correspondente
ao artigo 115 do CPC/15.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.263.164/DF, Rel. Min. Marco Buzzi,
julgado em 22/11/2016.
Mas já tinha havido o
trânsito em julgado...
Não importa. O vício na citação
caracteriza-se como vício transrescisório que pode ser suscitado a qualquer
tempo, inclusive após escoado o prazo para o ajuizamento da própria ação
rescisória, mediante simples petição, por meio de ação declaratória de nulidade
(querela nullitatis) ou impugnação ao cumprimento de sentença.
Em suma:
Na hipótese de composse (quando mais de uma pessoa
exerce a posse do mesmo bem), a decisão judicial de reintegração de posse
deverá atingir de modo uniforme todas as partes ocupantes do imóvel,
configurando-se caso de litisconsórcio passivo necessário.
STJ. 3ª
Turma. REsp 1.811.718-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
02/08/2022 (Info 743).
Ao reconhecer a nulidade da
sentença, o STJ determinou a remessa dos autos à primeira instância para a
citação dos litisconsortes passivos necessários e o posterior processamento do
feito.
E se fossem muitas pessoas
que tivessem invadido o local (ex: centenas)?
Neste caso, deverá ser observada a regra do art. 554, §§ 1º a
3º do CPC:
Art. 554. (...)
§ 1º No caso de ação possessória
em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação
pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos
demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se
envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria
Pública.
§ 2º Para fim da citação pessoal
prevista no § 1º, o oficial de justiça procurará os ocupantes no local por uma
vez, citando-se por edital os que não forem encontrados.
§ 3º O juiz deverá determinar que
se dê ampla publicidade da existência da ação prevista no § 1º e dos
respectivos prazos processuais, podendo, para tanto, valer-se de anúncios em
jornal ou rádio locais, da publicação de cartazes na região do conflito e de
outros meios.
O CPC/2015 determina que seja dada ampla publicidade acerca da existência da ação possessória, podendo se utilizar de anúncios em jornais, rádios locais, cartazes na região, dentre outros meios que alcancem a mesma eficácia, para garantir o conhecimento do feito pelos ocupantes do imóvel.
A desobediência do procedimento previsto no art. 554, §§ 1º
e 3º, do CPC/2015 acarreta a nulidade de todos os atos do processo por violação
ao princípio do devido processo legal, ao princípio da publicidade e da ampla
defesa.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.996.087-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 24/05/2022.