Dizer o Direito

sábado, 22 de outubro de 2022

Na ação de reintegração exige-se a citação de todos os que exercem a posse simultânea do imóvel, considerando que são litisconsortes passivos necessários

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João era proprietário de um lote de terra.

Esse imóvel foi invadido por uma família, que passou a morar no local.

O proprietário ajuizou a ação de reintegração de posse contra Regina, mulher, que, segundo ele, seria a matriarca da família.

O mandado de citação foi cumprido nos seguintes termos:

“CITEI E INTIMEI a ocupante, Sra. Regina Rodrigues, que após a leitura do r. mandado de tudo bem ciente ficou e recebeu a contra fé que lhe ofereci, esclarecendo que a mesma é a matriarca da família, composta por seus filhos, noras e netos”.

 

O prazo para a apresentação de contestação decorreu sem manifestação.

O juízo de primeiro grau decretou a revelia e julgou procedentes os pedidos iniciais para determinar a reintegrado do autor na posse do imóvel. Houve trânsito em julgado.

Depois de iniciado o cumprimento de sentença, outras três pessoas da família protocolaram petição requerendo a nulidade da sentença com a devolução do prazo para a defesa, uma vez que não foram citados.

Argumentaram que também moram no local há anos e que, portanto, seriam litisconsortes passivos necessários, sendo ônus do autor individualizar os réus na ação possessória.

João contra argumentou que houve a efetiva citação dos demais ocupantes do imóvel, por meio da matriarca, e que não seria possível reverter a reintegração de posse, devido ao trânsito em julgado da sentença.

 

O STJ concordou com os argumentos de João?

NÃO.

A citação, em regra, é pessoal (art. 242 do CPC) e não pode ser realizada em terceira pessoa, salvo nas hipóteses legalmente autorizadas, como a citação por hora certa (tentativa de ocultação) ou por meio de edital (citando desconhecido ou incerto) – exceções não aplicáveis no caso dos autos.

A decisão judicial de reintegração de posse deve atingir de modo unânime todas as partes ocupantes do imóvel, o que configura litisconsórcio passivo necessário, de acordo com o art. 114 do CPC:

Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes.

 

Nesse sentido:

Em ação possessória na qual que se aprecia a legitimidade de composse, que é exercida conjuntamente e sem fracionamento do bem por todos os ocupantes, a sentença deverá ser cumprida por todos os co-possuidores considerados ilegítimos, configurando-se a hipótese de litisconsórcio necessário prevista no artigo 47 do CPC/73, correspondente aos artigos 114, 115 e 116 do CPC/15.

A ausência da citação de litisconsorte passivo necessário enseja a nulidade da sentença, nos termos do artigo 47 do CPC/73, correspondente ao artigo 115 do CPC/15.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.263.164/DF, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 22/11/2016.

 

Mas já tinha havido o trânsito em julgado...

Não importa. O vício na citação caracteriza-se como vício transrescisório que pode ser suscitado a qualquer tempo, inclusive após escoado o prazo para o ajuizamento da própria ação rescisória, mediante simples petição, por meio de ação declaratória de nulidade (querela nullitatis) ou impugnação ao cumprimento de sentença.

 

Em suma:

Na hipótese de composse (quando mais de uma pessoa exerce a posse do mesmo bem), a decisão judicial de reintegração de posse deverá atingir de modo uniforme todas as partes ocupantes do imóvel, configurando-se caso de litisconsórcio passivo necessário.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.811.718-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 02/08/2022 (Info 743).

 

Ao reconhecer a nulidade da sentença, o STJ determinou a remessa dos autos à primeira instância para a citação dos litisconsortes passivos necessários e o posterior processamento do feito.

 

E se fossem muitas pessoas que tivessem invadido o local (ex: centenas)?

Neste caso, deverá ser observada a regra do art. 554, §§ 1º a 3º do CPC:

Art. 554. (...)

§ 1º No caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública.

§ 2º Para fim da citação pessoal prevista no § 1º, o oficial de justiça procurará os ocupantes no local por uma vez, citando-se por edital os que não forem encontrados.

§ 3º O juiz deverá determinar que se dê ampla publicidade da existência da ação prevista no § 1º e dos respectivos prazos processuais, podendo, para tanto, valer-se de anúncios em jornal ou rádio locais, da publicação de cartazes na região do conflito e de outros meios.

 

O CPC/2015 determina que seja dada ampla publicidade acerca da existência da ação possessória, podendo se utilizar de anúncios em jornais, rádios locais, cartazes na região, dentre outros meios que alcancem a mesma eficácia, para garantir o conhecimento do feito pelos ocupantes do imóvel.

A desobediência do procedimento previsto no art. 554, §§ 1º e 3º, do CPC/2015 acarreta a nulidade de todos os atos do processo por violação ao princípio do devido processo legal, ao princípio da publicidade e da ampla defesa.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.996.087-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/05/2022.



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