Dizer o Direito

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Mesmo após a Lei 14.365/2022, não cabe sustentação oral no julgamento do agravo interno interposto contra decisão do Presidente do Tribunal em suspensão de liminar

 

Suspensão de liminar

O pedido de suspensão é

- um instrumento processual (incidente processual)

- por meio do qual as pessoas jurídicas de direito público ou o Ministério Público

- requerem ao Presidente do Tribunal que for competente para o julgamento do recurso

- que suspenda a execução de uma decisão, sentença ou acórdão proferidos,

- sob o argumento de que esse provimento jurisdicional prolatado causa grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

 

Nomenclatura

Comumente, esse instituto é chamado de pedido de “suspensão de segurança”. Isso porque ele foi previsto originalmente na lei apenas para suspender as decisões liminares ou sentenças proferidas em mandados de segurança.

Ocorre que, com o tempo, foram editadas novas leis trazendo a possibilidade de suspensão para praticamente toda e qualquer decisão judicial prolatada contra a Fazenda Pública.

Por essa razão, atualmente, além de “suspensão de segurança”, pode-se falar em “suspensão de liminar”, “suspensão de sentença”, “suspensão de acórdão” etc. Alguns julgados também falam em “pedido de contracautela”.

 

Não se examina o mérito no pedido de suspensão

Na análise do pedido de suspensão, é vedado o exame do mérito da demanda principal. O que será examinado pelo Tribunal é se a decisão prolatada acarreta risco de grave lesão à:

a) ordem;

b) saúde;

c) segurança; ou

d) economia públicas.

A suspensão de liminar e de sentença limita-se a averiguar a possibilidade de grave lesão à ordem, à segurança, à saúde e à economia públicas. Os temas de mérito da demanda principal não podem ser examinados nessa medida, que não substitui o recurso próprio.

STJ. Corte Especial. AgRg na SLS 1.135/MA, Rel. p/ Acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 12/04/2010.

 

Qual é a natureza jurídica da suspensão de segurança?

Prevalece que se trata de um “incidente processual” (Leonardo José Carneiro da Cunha).

O incidente de contracautela é meio processual autônomo de impugnação de decisões judiciais, franqueado ao Ministério Público ou à pessoa jurídica de direito público interessada exclusivamente quando se verifique risco de grave lesão à ordem, à saúde, segurança e à economia públicas no cumprimento da decisão impugnada (art. 4º, caput, da Lei nº 8.437/1992; art. 15 da Lei nº 12.016/2009 e art. 297 do RISTF) (STF; SS-AgR 5.503; RR; Tribunal Pleno; Rel. Min. Presidente; DJE 08/10/2021; Pág. 25).

 

De quem é a competência para decidir o pedido de suspensão de liminar?

Decisão prolatada por juiz de 1ª instância:

A competência para apreciar o pedido de suspensão é do Presidente do Tribunal que teria competência para julgar o recurso contra a decisão.

Ex: concedida liminar por juiz federal do AM, o pedido de suspensão será julgado pelo Presidente do TRF1.

Ex2: concedida liminar por juiz de direito do AM, o pedido de suspensão será julgado pelo Presidente do TJAM.

Decisão prolatada por membro de TJ ou TRF:

O pedido de suspensão será decidido pelo:

• Presidente do STF: se a matéria for constitucional.

• Presidente do STJ: se a matéria for infraconstitucional.

Ex: concedida liminar pelo Desembargador do TJ/AM, o pedido de suspensão será dirigido ao Presidente do STF ou do STJ, e não ao Presidente do TJ/AM (art. 25 da Lei nº 8.038/90).

Decisão prolatada por membro de Tribunal Superior:

Se a causa tiver fundamento constitucional, é possível o ajuizamento de pedido de suspensão dirigido ao Presidente do STF.

Se a causa não tiver fundamento constitucional, não há possibilidade de pedido de suspensão.

 

Da decisão do Presidente do Tribunal que conceder ou negar a suspensão cabe algum recurso?

SIM. Caberá agravo interno para o Plenário ou Corte Especial do Tribunal (§ 3º do art. 4º da Lei nº 8.437/92).

Obs: o prazo para a Fazenda Pública interpor agravo interno em Suspensão de Liminar é de 15 dias, nos termos do art. 1.070 do CPC, e deve ser contado em dobro (STJ. Corte Especial. SLS nº 2572/DF, julgado em 15/12/2021).

 

Feita essa revisão, imagine agora a seguinte situação adaptada:

A Petros é uma fundação responsável por administrar a previdência complementar dos funcionários da Petrobrás.

Como a Petros estava enfrentando grave déficit financeiro, ela iniciou uma cobrança de contribuições extraordinárias dos participantes do plano de previdência.

A associação dos participantes da Petros ajuizou ação contra a entidade questionando a providência.

O magistrado concedeu a tutela de urgência determinando que fosse suspensa a cobrança das contribuições extraordinárias.

A Petros interpôs agravo de instrumento requerendo a revogação da tutela concedida.

O Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo e, portanto, manteve a liminar deferida.

Inconformada, a Petros interpôs recurso especial ao STJ.

Paralelamente ao recurso especial, a Petros ingressou com pedido de suspensão de liminar também perante o STJ, com base no art. 4º da Lei nº 8.437/92 e no art. 271, do Regimento Interno do STJ:

Art. 4º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

 

Art. 271. Poderá o Presidente do Tribunal, a requerimento da pessoa jurídica de direito público interessada ou do Procurador-Geral da República, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal.

 

Vale ressaltar que isso é possível. A pessoa jurídica de direito público pode interpor recurso e, paralelamente, também ingressar com pedido de suspensão de liminar.

Pode ser interposto o recurso cabível e, concomitantemente, o pedido de suspensão. Isso porque o pedido de suspensão não é recurso. Logo, não há violação ao princípio da singularidade ou unirrecorribilidade. Além disso, os objetivos do recurso e do pedido de suspensão são diferentes.

Essa possibilidade é prevista expressamente:

Lei nº 8.437/92

Art. 4º (...) § 6º A interposição do agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo.

 

Lei nº 12.016/2009

Art. 15 (...) § 3º A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo.

 

Voltando ao caso concreto

O Presidente do STJ, por decisão monocrática, deferiu o pedido para suspender, até o trânsito em julgado da ação proposta, os efeitos da decisão.

A associação autora da ação interpôs agravo interno contra essa decisão do Presidente do STJ.

 

Discussão quanto à possibilidade de sustentação oral

No julgamento do agravo interno, surgiu uma discussão quanto à possibilidade, ou não, de ser realizada sustentação oral.

O advogado da agravante pretendia fazer sustentação oral e, para tanto, invocou o novo o § 2º-B do art. 7º do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), inserido pela Lei nº 14.365/2022:

Art. 7º (...)

§ 2º-B. Poderá o advogado realizar a sustentação oral no recurso interposto contra a decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer dos seguintes recursos ou ações:

I - recurso de apelação;

II - recurso ordinário;

III - recurso especial;

IV - recurso extraordinário;

V - embargos de divergência;

VI - ação rescisória, mandado de segurança, reclamação, habeas corpus e outras ações de competência originária.

 

O pedido do advogado foi aceito? Cabe sustentação oral neste caso?

NÃO. O § 2º do art. 7º do Estatuto da Advocacia confere ao advogado a prerrogativa de “realizar a sustentação oral no recurso interposto contra a decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer dos seguintes recursos ou ações”, enumerando em seus incisos algumas espécies de recursos e ações (apelação, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, embargos de divergência, ação rescisória, mandado de segurança, reclamação, habeas corpus e outras ações de competência originária).

Percebe-se, portanto, que o legislador deixou bem clara a hipótese na qual é possível a sustentação oral: no processamento de recurso interposto contra decisão monocrática de relator proferida nos recursos ou ações enumeradas no dispositivo.

O § 2º do art. 7º não se aplica ao presente caso porque a suspensão de segurança ou a suspensão de liminar e de sentença não são recursos.

A suspensão de liminar e sentença é mero incidente processual utilizado em favor exclusivo do Poder Público, como forma de garantir a prevalência da ordem pública, da economia pública ou da saúde pública sobre interesses privados.

Portanto, formalmente, a alteração legislativa em análise, ao conceder a prerrogativa da sustentação oral nos recursos interpostos contra decisões lançadas nos recursos listados na lei ou em ações de competência originária, exclui a extensão da possibilidade para os recursos manejados contra decisão monocrática nos incidentes de suspensão.

Vale ressaltar que não se trata de uma posição puramente formalista, baseada apenas na natureza jurídica da suspensão de liminar. A suspensão de liminar (suspensão de segurança) não interfere no mérito da demanda nem define a sorte da lide.

A decisão proferida nesse incidente não analisa o acerto da decisão impugnada. Os requisitos da suspensão são próprios e não guardam qualquer relação com o mérito da lide. Por isso, na lide originária, a questão seguirá sendo debatida e, eventualmente, poderá ser levada a julgamento no mesmo tribunal que apreciou a contracautela, mas desta vez pelos meios recursais próprios.

 

Em suma:

Não é cabível a sustentação oral no agravo interno interposto contra decisão do Presidente do Tribunal que defere ou indefere a contracautela em suspensão de liminar de sentença ou suspensão de segurança.

STJ. Corte Especial. QO no AgInt na SLS 2.507-RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 15/06/2022 (Info 743).



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