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quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Juros de precatórios do Fundef/Fundeb podem ser usados para pagar honorários contratuais

 

FUNDEF

FUNDEF significa Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério e vigorou de 1997 a 2006. O FUNDEF foi substituído pelo FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que está em vigor desde janeiro de 2007.

Em alguns Estados, o FUNDEF era complementado com verbas repassadas pela União; em outros, não era necessária essa complementação. Isso porque o art. 6º da Lei do FUNDEF (Lei 9.424/96, revogada pela Lei nº 11.494/2007) dispunha: “A União complementará os recursos do Fundo, a que se refere o art. 1º sempre que, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente.”

                                                                                

FUNDEB

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb é um fundo especial, de natureza contábil e de âmbito estadual (um fundo por estado e Distrito Federal, num total de 27 fundos), formado, na quase totalidade, por recursos provenientes dos impostos e transferências dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

São destinatários dos recursos do Fundeb os Estados, Distrito Federal e Municípios que oferecem atendimento na educação básica.

Na distribuição desses recursos, são consideradas as matrículas nas escolas públicas e conveniadas, apuradas no último censo escolar realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC).

O Fundeb entrou em vigor em janeiro de 2007 e terminaria em 2020.

A EC 108/2020 acrescentou o art. 212-A prevendo que o Fundeb passa a ser permanente.

Veja os principais dispositivos constitucionais sobre o tema:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

(...)

Art. 212-A. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 desta Constituição à manutenção e ao desenvolvimento do ensino na educação básica e à remuneração condigna de seus profissionais, respeitadas as seguintes disposições:

I - a distribuição dos recursos e de responsabilidades entre o Distrito Federal, os Estados e seus Municípios é assegurada mediante a instituição, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), de natureza contábil;

II - os fundos referidos no inciso I do caput deste artigo serão constituídos por 20% (vinte por cento) dos recursos a que se referem os incisos I, II e III do caput do art. 155, o inciso II do caput do art. 157, os incisos II, III e IV do caput do art. 158 e as alíneas "a" e "b" do inciso I e o inciso II do caput do art. 159 desta Constituição;

III - os recursos referidos no inciso II do caput deste artigo serão distribuídos entre cada Estado e seus Municípios, proporcionalmente ao número de alunos das diversas etapas e modalidades da educação básica presencial matriculados nas respectivas redes, nos âmbitos de atuação prioritária, conforme estabelecido nos §§ 2º e 3º do art. 211 desta Constituição, observadas as ponderações referidas na alínea "a" do inciso X do caput e no § 2º deste artigo;

IV - a União complementará os recursos dos fundos a que se refere o inciso II do caput deste artigo;

(...)

VII - os recursos de que tratam os incisos II e IV do caput deste artigo serão aplicados pelos Estados e pelos Municípios exclusivamente nos respectivos âmbitos de atuação prioritária, conforme estabelecido nos §§ 2º e 3º do art. 211 desta Constituição;

(...)

 

A Lei nº 14.113/2020 (publicada em 25/12/2020) revogou a Lei nº 11.494/2007 (antiga Lei do FUNDEB) e trouxe nova regulamentação para esse fundo:

Art. 1º Fica instituído, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), de natureza contábil, nos termos do art. 212-A da Constituição Federal.

 

Assim, a Lei nº 14.113/2020 é a nova Lei do Fundeb. Vale ressaltar, contudo, que, até 24/12/2020, o Fundeb foi regulado pela Lei nº 11.494/2007.

Tanto a antiga Lei do FUNDEB (Lei nº 11.494/2007) como o atual diploma (Lei nº 14.113/2020) preveem que a União tem o dever de complementar os recursos do FUNDEB.

Essa complementação é baseada em uma fórmula que leva em consideração o valor anual por aluno.

 

Critérios adotados pela União para efetuar a complementação foram alvo de demandas judiciais

Diversos Estados-membros e Municípios propuseram ações contra a União alegando que o valor mínimo por aluno foi definido de forma incorreta e que a União repassou menos do que deveria, o que gerou prejuízos aos demais entes.

Vários pedidos foram julgados procedentes, tendo a União sido condenada a indenizar esses entes por conta do montante pago a menor a título de complementação, especialmente no período de vigência do FUNDEF, isto é, nos exercícios financeiros de 1998 a 2007.

 

Ponto polêmico: pagamento de honorários advocatícios com a verba do FUNDEF

Imagine a seguinte situação que ocorreu bastante:

Determinado Município do interior do Estado ingressou com ação contra a União com o objetivo de conseguir o repasse de mais verbas do FUNDEF.

Como o Município não possuía procuradores municipais concursados, foi contratado um escritório de advocacia privado para patrocinar a causa.

No contrato assinado com os advogados ficou combinado que, se o Município vencesse a demanda, pagaria 20% do valor da causa ao escritório; caso perdesse, não teria nenhum custo com os advogados.

O pedido foi julgado procedente e transitou em julgado.

O Município requereu, então, que 20% do valor da condenação (verbas do FUNDEF a serem pagas pela União) fosse separado para pagamento dos honorários contratuais dos advogados que atuaram na causa, nos termos do art. 22, § 4º da Lei nº 8.906/94:

Art. 22 (...)

§ 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou.

 

A União não concordou com o pedido de retenção dos 20% alegando que os recursos do FUNDEF/FUNDEB possuem destinação específica (manutenção e desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação - art. 60 do ADCT da CF/88), motivo pelo qual não é possível a utilização para pagamento de honorários advocatícios. Para a União, esta retenção violaria a Lei do FUNDEB:

Lei 11.494/2007 (antiga Lei do Fundeb)

Lei 14.113/2020 (atual Lei do Fundeb)

Art. 21.  Os recursos dos Fundos, inclusive aqueles oriundos de complementação da União, serão utilizados pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, no exercício financeiro em que lhes forem creditados, em ações consideradas como de manutenção e desenvolvimento do ensino para a educação básica pública, conforme disposto no art. 70 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

Art. 25.  Os recursos dos Fundos, inclusive aqueles oriundos de complementação da União, serão utilizados pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, no exercício financeiro em que lhes forem creditados, em ações consideradas de manutenção e de desenvolvimento do ensino para a educação básica pública, conforme disposto no art. 70 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

Art. 23.  É vedada a utilização dos recursos dos Fundos:

I - no financiamento das despesas não consideradas como de manutenção e desenvolvimento da educação básica, conforme o art. 71 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996;

Art. 29.  É vedada a utilização dos recursos dos Fundos para:

I - financiamento das despesas não consideradas de manutenção e de desenvolvimento da educação básica, conforme o art. 71 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996;

 

É possível a retenção dos valores para pagamento dos honorários advocatícios contratuais?

NÃO. É a posição do STJ:

É vedada a retenção de honorários advocatícios contratuais sobre crédito relativo a diferenças do FUNDEF.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.703.697-PE, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 10/10/2018 (Info 643).

 

E também do STF:

 

Desse modo, não há dúvidas de que não se pode utilizar o dinheiro do FUNDEF/FUNDEB para o pagamento dos honorários advocatícios.

 

E as verbas dos juros moratórios relacionados com o dinheiro do FUNDEF/FUNDEB? Como a União pagou com atraso, ela terá que pagar também juros de mora. Esse valor dos juros de mora pode ser usado pelo Município para a quitação dos honorários?

SIM. No julgamento da ADPF 528/DF, o Min. Rel. Alexandre de Moraes afirmou:

“Os juros moratórios, como se sabe, decorrem do descumprimento de uma obrigação, no caso, a mora da União em cumprir devidamente as obrigações de repasse de verba referente ao FUNDEF aos Municípios.

Esta CORTE, no julgamento de mérito RE 855.091-RG, DJe de 15/03/2021, firmou a natureza indenizatória dos juros de mora, considerando que a referida verba não aumenta o patrimônio do credor e, com especial relevância para o tema ora em debate, que “os juros de mora legais têm natureza jurídica autônoma em relação à natureza jurídica da verba em atraso”.

A vinculação constitucional em questão restringe a aplicação do montante principal apurado nas execuções dos títulos judiciais obtidos pelos municípios, mas não sobre os encargos moratórios que, liquidados em favor desses entes, podem servir ao pagamento de honorários contratuais eventualmente ajustados com os profissionais ou escritórios de advocacia que patrocinaram a discussão em juízo sobre o valor dos repasses.

A possibilidade de pagamento de honorários advocatícios contratuais pelos Municípios valendo-se TÃO SOMENTE DA VERBA CORRESPONDENTE AOS JUROS MORATÓRIOS incidentes no valor do precatório devido pela União é CONSTITUCIONAL.”

 

O STJ seguiu a mesma conclusão:

Nas demandas envolvendo valores relacionados ao FUNDEF/FUNDEB, é possível a utilização dos juros moratórios dos precatórios para pagamento dos honorários contratuais, ante a natureza autônoma dos juros em relação à verba principal.

STJ. 1ª Turma. AREsp 1.369.724-AL, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 02/08/2022 (Info 743).

 



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