terça-feira, 4 de outubro de 2022
Em demandas relativas a direito à saúde, o juiz pode determinar a inclusão da União no polo passivo da demanda se a parte requerente optou pela não inclusão?
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Lucas, criança, precisava de um medicamento
que, embora registrado na ANVISA, estava carente de padronização no SUS.
Em razão disso, Lucas,
representado por seus pais, ingressou com ação, na Justiça Estadual, pedindo
que o Município e o Estado-membro fossem condenados a fornecer os medicamentos
que precisava.
Note-se que a ação foi ajuizada
somente em face do município e do estado.
O Juiz determinou que o autor emendasse
a inicial para incluir a União no polo passivo da lide e, em seguida,
determinou a remessa dos autos para a Justiça Federal.
O Juiz Federal, ao receber o processo, não concordou com a decisão
proferida pelo Juiz Estadual e suscitou conflito de competência junto ao
Superior Tribunal de Justiça:
Constituição Federal:
Art. 105. Compete ao Superior
Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar,
originariamente:
(...)
d) os conflitos de competência
entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, "o",
bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados
a tribunais diversos;
O que o STJ decidiu?
O STJ conheceu do conflito e reconheceu
a competência da Justiça estadual para o processamento e julgamento da
controvérsia.
No caso, a ação ordinária foi
ajuizada tão somente contra o Estado e o Município, ou seja, na hipótese, a
parte autora não incluiu a União no polo passivo da demanda.
Não optando a parte requerente
pela inclusão da União na lide, não cabe ao juiz estadual determinar que se
proceda à emenda da inicial para requerer a citação da União para figurar no
polo passivo, uma vez que, não se tratando de litisconsórcio passivo
necessário, incumbe à parte autora escolher contra qual(is) ente(s)
federativo(s) pretende litigar.
Em suma:
Em demandas relativas a direito à saúde, é incabível
ao juiz estadual determinar a inclusão da União no polo passivo da demanda se a
parte requerente optar pela não inclusão, ante a solidariedade dos entes
federados.
STJ. 1ª Seção.
AgInt no CC 182.080-SC, Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do
TRF da 5ª Região), julgado em 22/06/2022 (Info 742).
No mesmo sentido:
Regina está acometida de uma doença e precisa de um medicamento,
que já foi registrado na ANVISA, mas que não está incorporado aos atos
normativos do SUS. Ela quer ajuizar uma ação para que seja fornecido esse
medicamento. A União precisa necessariamente figurar no polo passivo da
demanda?
O STJ decidiu que não:
Em ação que pretende o fornecimento de medicamento registrado na
ANVISA, ainda que não incorporado em atos normativos do SUS, é prescindível a
inclusão da União no polo passivo da demanda.
STJ. 2ª Turma.
RMS 68.602-GO, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 26/04/2022 (Info
734).
O
julgado acima encontra-se, com a devida vênia, em desarmonia com o que vem
decidindo o STF:
É obrigatória a inclusão da União no polo passivo de demanda na
qual se pede o fornecimento gratuito de medicamento registrado na Agência de
Vigilância Sanitária (Anvisa), mas não incorporado aos Protocolos Clínicos e
Diretrizes Terapêuticas do Sistema Único de Saúde.
Esse entendimento está em consonância com a tese fixada pelo STF
nos embargos de declaração do RE 855.178 (Tema 793).
STF. 1ª Turma. RE 1286407 AgR-segundo/PR, Rel. Min. Alexandre de
Moraes, julgado em 26/4/2022 (Info 1052).
2. Posteriormente, ao
rejeitar os embargos de declaração opostos em face deste acórdão, o SUPREMO
fixou a seguinte tese: “Os entes da federação, em decorrência da competência
comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da
saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e
hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme
as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou
o ônus financeiro".
3. No caso concreto, ao
determinar a inclusão da União no polo passivo da demanda, com a consequente
remessa dos autos à Justiça Federal, o Tribunal de origem seguiu a tese de
repercussão geral.
4. Agravo Interno a que
se nega provimento.
STF. 1ª Turma. ARE 1301670 AgR, Rel. Min.
Alexandre de Moraes, julgado em 13/04/2021.
(...) 1. Ao apreciar o
RE 855.178-ED, processo piloto do Tema 793 da sistemática da repercussão geral,
do qual fui redator designado para o acórdão, DJe 16.4.2020, o Plenário do
Supremo Tribunal Federal concluiu pela responsabilidade solidária dos entes
federados pelo dever de prestar assistência à saúde.
2. A jurisprudência de
ambas as Turmas desta Suprema Corte têm consolidado o entendimento no sentido
de que, quer na hipótese em que o fármaco já se encontre incorporado às
políticas públicas do SUS, ou naquela em que ele ainda não tenha recebido a
devida padronização ou incorporação ao sistema, presente se revela a
necessidade da formação de um litisconsorte necessário na ação de origem, ante
o dever da autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de
repartição de competência e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus
financeiro.
3. Agravo regimental a
que se nega provimento.
STF. 2ª Turma. Rcl 49593 AgR, Rel. Min.
Edson Fachin, julgado em 29/08/2022.
O
STF tem decidido que:
Em
regra, a demanda pode ser proposta em face de qualquer dos entes da Federação
(União, Estados, Distrito Federal, Municípios), isolada, ou conjuntamente. Entretanto,
deve-se atentar para as seguintes diretrizes:
a)
tratando-se de medicamento não padronizado/incorporado no RENAME/SUS, a UNIÃO
deve necessariamente compor o polo passivo da lide; assim, a competência para
julgar a lide é da Justiça Federal;
b)
no caso de medicamento padronizado no RENAME/SUS, porém cuja
distribuição/financiamento está sob a responsabilidade exclusiva a UNIÃO, por
exemplo, em razão dos altos custos dos medicamentos ou tratamentos oncológicos,
a UNIÃO deve necessariamente compor o polo passivo da lide; assim, a
competência para julgar a lide é da Justiça Federal;
c)
medicamentos não registrados na ANVISA, devem ser postulados necessariamente em
face da UNIÃO, consoante fixado no Tema 500 da repercussão geral.
Outros julgados correlatos
Responsabilidade
pelo fornecimento do medicamento ou pela realização do tratamento de saúde
O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol
dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes
federados.
O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles,
isoladamente, ou conjuntamente.
A fim de otimizar a compensação entre os entes federados,
compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de
descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento
conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a
quem suportou o ônus financeiro.
As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro
na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União.
Tese: Os entes da federação, em decorrência da competência
comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da
saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e
hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme
as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem
suportou o ônus financeiro.
STF. Plenário. RE 855178 ED/SE, rel. orig. Min. Luiz Fux, red.
p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 23/5/2019 (Repercussão Geral – Tema 793)
(Info 941).
Fornecimento pelo Poder Judiciário de
medicamentos não registrados pela ANVISA
1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos
experimentais.
2. A ausência de registro na Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por
decisão judicial.
3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de
medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em
apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando
preenchidos três requisitos:
a) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil
(salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);
b) a existência de registro
do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e
c) a inexistência de substituto terapêutico com registro no
Brasil.
4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem
registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União.
STF. Plenário. RE 657718/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red.
p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 22/5/2019 (Repercussão Geral – Tema
500) (Info 941).