Imagine a seguinte situação
hipotética:
A empresa Alfa deixou de recolher imposto de renda, no
ano de 2018, gerando um débito de R$ 500 mil, que foi inscrito em dívida ativa.
Como não houve pagamento, a Fazenda Nacional (União)
ingressou com execução fiscal cobrando a dívida da empresa.
Ao receber a petição inicial da execução fiscal, o juiz
determinou duas providências:
a) a citação da executada;
b) o bloqueio de valores depositados em contas e
investimentos via Bacen Jud.
Vale ressaltar que, pelo fato de a ordem no sistema Bacen
Jud ser mais rápida que o procedimento de citação, na prática, a parte
executada tem os valores penhorados mesmo antes de ser citada.
Voltando ao caso concreto: a ordem no Bacen Jud foi
cumprida e foi bloqueada a quantia que estava depositada em conta bancária da
empresa.
Alguns dias depois, a empresa foi citada.
A executada recorreu contra a decisão alegando que a
determinação de bloqueio antes da citação viola o devido processo legal.
A Fazenda Nacional, por sua
vez, contra argumentou, afirmando que o CPC/2015 trouxe uma inovação no que
tange ao bloqueio de bens via Bacen Jud, qual seja, a possibilidade de que essa
medida seja decretada antes mesmo da triangularização processual, isto é, antes
da citação do réu. Essa possibilidade estaria expressa no art. 854 do CPC/2015:
CPC/2015 |
CPC/1973 |
Art. 854. Para possibilitar a penhora de dinheiro em
depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao
executado, determinará às instituições financeiras, por meio de
sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro
nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do
executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução. |
Art. 655-A. Para
possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o
juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do
sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a
existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar
sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução. |
O STJ acolheu os argumentos da Fazenda Nacional?
O art. 854 do CPC/2015 representa uma evolução na percepção da natureza
jurídica do bloqueio de dinheiro?
NÃO.
O art. 854 do CPC traz uma medida
preparatória à penhora. Esta medida continua possuindo o caráter acautelatório.
Logo, para a sua decretação antes da citação é necessário demonstrar o
preenchimento de dois requisitos: o fumus boni iuris e o periculum in
mora.
Justamente por isso, não é
possível a constrição de ativos do executado antes da sua citação ou, ao menos,
antes de uma tentativa de realizá-la.
Desse modo, deve haver a citação
do executado antes da determinação da penhora ou arresto de valores em seu
nome. Isso porque devem ser respeitados os princípios da ampla defesa e do
contraditório e o devido processo legal, bem como ser preservado o caráter
acautelatório da medida.
Nesse sentido:
A jurisprudência desta Corte Superior firmou entendimento no
sentido de que apenas quando o executado for validamente citado, e não pagar
nem nomear bens à penhora, é que poderá ter seus ativos financeiros bloqueados
por meio do sistema Bacen-Jud, sob pena de violação ao princípio do devido
processo legal.
STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1.933.725/SP, Rel. Min. Sérgio
Kukina, julgado em 27/9/2021.
A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que o
bloqueio de ativos financeiros, via Bacenjud, deve ser precedido de, ao menos,
prévia tentativa de citação do executado.
Mesmo após a entrada em vigor do art. 854 do CPC/2015, a
medida de bloqueio de dinheiro, via BacenJud, não perdeu a natureza
acautelatória e, assim, para ser efetivada, antes da citação do executado,
exige a demonstração dos requisitos que autorizam a sua concessão.
STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1.754.569/RS, Rel. Min. Benedito
Gonçalves, julgado em 14/05/2019.
O bloqueio de contas bancárias de executados, via BACENJUD,
previamente à citação e sem que estejam presentes os requisitos que ensejam a
efetivação de medida cautelar, ofende os princípios do contraditório e da ampla
defesa.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.752.868/PE, Rel. Min. Francisco Falcão,
julgado em 27/10/2020.
A medida de bloqueio de dinheiro, via BACENJUD, à luz do
CPC/2015, não perdeu a natureza acautelatória, sendo necessária, antes da
citação do executado, a demonstração dos requisitos que autorizam a sua
concessão.
STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1.467.775/GO, Rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, DJe de 13/03/2020.
Em suma:
O CPC/2015 não alterou a natureza jurídica do
bloqueio de dinheiro via Bacen Jud, permanecendo a natureza acautelatória e a
necessidade de comprovação dos requisitos para sua efetivação em momento
anterior à citação.
STJ. 2ª
Turma. REsp 1.664.465-PE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 02/08/2022 (Info
743).