Dizer o Direito

terça-feira, 11 de outubro de 2022

A variação dos Certificados de Depósitos Interbancários - CDI pode ser utilizada como encargo financeiro em contratos bancários

 

Contrato de abertura de crédito

No contrato de abertura de crédito o banco se obriga a disponibilizar determinada quantia em dinheiro para o contratante que poderá, ou não, utilizar-se desse valor a título de empréstimo. Se o contratante utilizar, depois terá que devolver, com juros e correção monetária.

As duas espécies mais comuns desse contrato são:

a) Contrato de abertura de crédito fixo;

b) Contrato de abertura de crédito rotativo.

 

Contrato de abertura de crédito fixo

O contrato de crédito fixo consiste na concessão, por parte da instituição financeira ao seu cliente, de valor certo, com termo e encargos pré-definidos. No momento da assinatura do contrato, o contratante já sabe de antemão o valor total da dívida.

O contrato de abertura de crédito fixo equivale a um contrato de mútuo feneratício. Depois de assinado o pacto, o banco credita o valor certo e determinado da quantia ao cliente e este assume a obrigação de devolvê-la com juros e correção monetária, quando chegar o termo ajustado.

 

Contrato de abertura de crédito fixo com encargos financeiros vinculados à taxa média do CDI

João celebrou com o banco um contrato de abertura de crédito fixo no qual foi prevista a incidência de encargos financeiros correspondentes a 180% da taxa média dos Certificados de Depósitos Interbancários (CDI).

 

O que é CDI?

O Certificado de Depósito Interbancário (CDI) é um título emitido pelos bancos para regular empréstimos de curtíssimo prazo (1 dia) entre as próprias instituições financeiras.

Assim, se um banco vai emprestar dinheiro ao outro, ele cobra os encargos com base no CDI.

E por que um banco precisa tomar dinheiro emprestado? Em geral, isso ocorre porque o Banco Central exige que as instituições financeiras, ao final de cada dia, tenham um percentual mínimo de recursos disponíveis em seu caixa a fim de demonstrar que esse banco possui liquidez. Assim, se naquele dia houve muitos saques ou o banco emprestou muito dinheiro, será necessário que ele tome recursos emprestados de outro banco para cumprir essa meta do BACEN. Vale ressaltar que isso tudo ocorre de forma rápida e quase que automática, por meio de sistemas informatizados que rodam entre os bancos.

Conforme explica o Min. Ricardo Villas Bôas Cueva:

“De acordo com as regras editadas pelo Banco Central do Brasil, os bancos devem necessariamente encerrar o dia com saldo positivo em caixa. Caso determinado ente bancário esteja com saldo negativo ao se aproximar do fechamento diário, deve recorrer a dinheiro emprestado de outras instituições financeiras.

A função do mercado interfinanceiro ou interbancário, portanto, é a de transferir recursos entre instituições financeiras, dando liquidez ao mercado bancário, e permitir que as instituições que têm recursos sobrando possam emprestar àquelas que estão em posição deficitária. Nesse mercado, as instituições financeiras tanto podem atuar como tomadoras, quanto como fornecedoras de recursos.

O instrumento por meio do qual ocorre a troca de recursos exclusivamente entre instituições financeiras denomina-se Depósito Interfinanceiro (DI). (...)

O título que lastreia essas operações no mercado interbancário é o Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI) (...)”

 

Assim, a taxa CDI (ou simplesmente, DI) é calculada com base nas taxas cobradas pelos bancos para empresarem dinheiro aos outros bancos.

 

Voltando ao nosso caso concreto: essa previsão contratual é válida? É possível que o contrato de abertura de crédito preveja que os encargos financeiros serão um percentual da taxa média do CDI?

SIM. É possível. O CDI pode ser utilizado como encargo remuneratório do contrato de abertura de crédito.

De acordo com as normas da Resolução nº 1.143/1986, do Conselho Monetário Nacional, não há óbice em se adotar as taxas de juros praticadas nas operações de depósitos interfinanceiros como base para o reajuste periódico das taxas flutuantes, desde que calculadas com regularidade e amplamente divulgadas ao público.

O depósito interfinanceiro (DI) é o instrumento por meio do qual ocorre a troca de recursos exclusivamente entre instituições financeiras, de forma a conferir maior liquidez ao mercado bancário e permitir que as instituições que têm recursos sobrando possam emprestar àquelas que estão em posição deficitária.

Nos depósitos interbancários, como em qualquer outro tipo de empréstimo, a instituição tomadora paga juros à instituição emitente.

A denominada Taxa CDI, ou simplesmente DI, é calculada com base nas taxas aplicadas em tais operações, refletindo, portanto, o custo de captação de moeda suportado pelos bancos.

 

Essa estipulação contratual não vai de encontro à Súmula 176 do STJ, que diz: “É nula a cláusula contratual que sujeita o devedor a taxa de juros divulgada pela ANBID/CETIP”?

NÃO. Esse entendimento não contraria a Súmula 176 do STJ.

ANBID é a sigla de Associação Nacional dos Bancos de Investimentos e Desenvolvimento.

Para o STJ, não era possível que um contrato entre o particular e um banco utilizasse as taxas de juros da ANBID porque esse índice teria um caráter potestativo já que calculado por entidade voltada à defesa dos interesses das instituições financeiras.

Assim, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que é potestativa a cláusula que deixa ao arbítrio das instituições financeiras, ou associação de classe que as representa, o cálculo dos encargos cobrados nos contratos bancários.

Vale ressaltar, no entanto, que não é potestativa a cláusula que estipula os encargos financeiros de contrato de abertura de crédito em percentual sobre a taxa média aplicável aos Certificados de Depósitos Interbancários (CDIs), visto que tal indexador é definido pelo mercado, a partir das oscilações econômico-financeiras, não se sujeitando a manipulações que possam atender aos interesses das instituições financeiras.

 

 

 

Mas a taxa CDI não adota o mesmo raciocínio da taxa ANBID (atualmente extinta)?

NÃO. A ANBID (Associação Nacional dos Bancos de Investimento) era uma associação que representava as instituições financeiras que operavam no mercado de capitais do Brasil e tinha como principal objetivo fomentar o desenvolvimento desse mercado no país.

A ANBID divulgava a Taxa ANBID, que era a média das operações de mercado em determinados títulos emitidos por instituições financeiras (CDB, RDB entre outros). Os CDBs e RDBs - diferentemente dos CDIs - podem ser adquiridos por pessoas físicas e jurídicas e, assim, suas taxas podiam apresentar variações significativas dependendo do perfil da instituição financeira e do investidor. Já o CDI somente é operado entre instituições financeiras e, portanto, a Taxa DI exprime fielmente o custo de captação de recursos no mercado interfinanceiro e praticamente tem sua flutuação atrelada à da Taxa Selic.

O CDI, como é uma taxa operada apenas entre os bancos, não possui excessos nem abusos.

 

Eventual abusividade pode ser verificada no caso concreto

Eventual abusividade deve ser verificada no julgamento do caso concreto em função do percentual fixado pela instituição financeira, comparado às taxas médias de mercado regularmente divulgadas pelo Banco Central do Brasil para as operações de mesma espécie.

No entanto, não se pode afirmar, de forma abstrata, que essa previsão seja nula.

 

Em suma:

Não há vedação à adoção da variação dos Certificados de Depósitos Interbancários - CDI como encargo financeiro em contratos bancários, devendo o abuso ser observado caso a caso, em cotejo com as taxas médias de mercado regularmente divulgadas pelo Banco Central do Brasil para as operações de mesma espécie, o que não ocorre na espécie.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.630.706-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 07/06/2022 (Info 742).

 

DOD Plus – leading case sobre o tema

É possível que o contrato de abertura de crédito fixo preveja que os encargos financeiros serão um percentual da taxa média do CDI

É admissível a estipulação dos encargos financeiros de contrato de abertura de crédito em percentual sobre a taxa média aplicável aos Certificados de Depósitos Interbancários (CDIs).

Nos depósitos interbancários, como em qualquer outro tipo de empréstimo, a instituição tomadora paga juros à instituição emitente. A denominada Taxa CDI, ou simplesmente DI, é calculada com base nas taxas aplicadas em tais operações, refletindo, portanto, o custo de captação de moeda suportado pelos bancos.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.781.959-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 11/02/2020 (Info 665).



Print Friendly and PDF