quarta-feira, 12 de outubro de 2022
A fiança prestada sem outorga conjugal conduz à nulidade do contrato mesmo que o indivíduo tenha prestado a fiança na condição de empresário
O que é fiança?
Fiança é um tipo de contrato por meio do qual uma
pessoa (chamada de “fiadora”) assume o compromisso junto ao credor de que irá
satisfazer a obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra (art. 818
do Código Civil).
Logo, João, ao assinar o contrato na condição de
fiador, forneceu ao banco uma garantia pessoal (uma caução fidejussória): “se a empresa
JJ não pagar o que deve, pode cobrar a dívida de mim”.
Outorga uxória
Se a pessoa for casada, em regra,
ela somente poderá ser fiadora se o cônjuge concordar.
Essa concordância, que é chamada
de “outorga uxória/marital”, não é necessária se a pessoa for casada sob o
regime da separação absoluta.
Tal regra
encontra-se prevista no art. 1.647, III, do CC:
Art. 1.647. Ressalvado o disposto no
art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no
regime da separação absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os
bens imóveis;
(...)
III - prestar fiança ou aval;
Se o cônjuge negar essa autorização sem motivo justo, a pessoa poderá pedir ao juiz que supra a outorga, ou seja, o magistrado poderá autorizar que a fiança seja prestada mesmo sem o consentimento (art. 1.648).
Sobre o tema, existe um enunciado
do STJ:
Súmula 332-STJ: A fiança prestada sem autorização de um dos
cônjuges implica a ineficácia total da garantia.
Imagine agora a seguinte situação
hipotética:
Carla é sócia da empresa CL Ltda.
A CL Ltda alugou um imóvel que
pertence à João.
No contrato de locação, Carla
figurou como fiadora.
A CL Ltda (locatária) deixou de
pagar os aluguéis.
Diante disso, João ajuizou
execução contra a CL Ltda e Carla.
Na execução, foram penhorados
bens de Carla.
André, esposo de Carla, apresentou
embargos de terceiro requerendo a nulidade do contrato firmado por Carla, com o
desbloqueio da penhora, sob o argumento de que ele não concedeu outorga uxória
à sua esposa para afiançar o contrato de locação.
O juiz julgou improcedente o pedido, por considerar que, no
caso concreto, não seria necessária outorga uxória porque Carla prestou a
fiança na condição de empresária (sócia da empresa). Logo, ela estaria
autorizada a agir sozinha por força do art. 1.642, I, do Código Civil:
Art. 1.642. Qualquer que seja o
regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente:
I - praticar todos os atos de disposição e de
administração necessários ao desempenho de sua profissão, com as
limitações estabelecida no inciso I do art. 1.647;
(...)
Para o STJ, agiu corretamente
o magistrado?
NÃO.
A exigência de outorga conjugal para o contrato de fiança está prevista no inciso
III do art. 1.647 do CC.
O art. 1.642, I, prevê que tanto
o marido quanto a mulher podem praticar todos os atos de disposição e de
administração necessários ao desempenho de sua profissão, exceto alienar ou
gravar de ônus real os bens imóveis (art. 1.647, I).
Não se pode, contudo, interpretar
o art. 1.642, I, de forma isolada.
Ao exigir a outorga conjugal para
prestar fiança, a legislação civil tem por objetivo garantir a manutenção/preservação
do patrimônio comum do casal. Isso porque nesse tipo de garantia, o fiador
responde pessoalmente pela dívida.
Dessa forma, caso a fiador fosse
permitido prestar fiança livremente, o patrimônio do casal, em sua totalidade,
responderia pela obrigação assumida, sem anuência ou nem mesmo ciência do outro
cônjuge.
Quando se presta a vênia conjugal,
o cônjuge concorda que o patrimônio que também lhe pertence passe a constituir
garantia da obrigação assumida.
Se
a previsão do art. 1.642, I, do CC fosse analisada isoladamente, isso implicaria
reconhecer que o fiador poderia comprometer o patrimônio comum do casal se
prestasse a fiança no exercício da atividade profissional ou empresarial, mas
não poderia fazê-lo em outras situações. Essa interpretação não faz sentido.
Embora a exigência de outorga
conjugal constitua embaraço ao dinamismo próprio das relações comerciais e
empresariais, essa exigência leva em consideração a finalidade de proteção e
manutenção do patrimônio comum.
Em suma:
STJ. 4ª
Turma. REsp 1.525.638-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em
14/06/2022 (Info 742).