Dizer o Direito

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

É possível a manutenção de penhora de valores via sistema BACENJUD no caso de parcelamento do crédito fiscal?

 

O que é o BACENJUD?

O BACENJUD é um sistema, via internet, que interliga o Poder Judiciário ao Banco Central e às instituição financeiras, com o objetivo de facilitar a solicitação de informações bancárias e o cumprimento de ordens judiciais de bloqueio de valores.

Por meio do BACENJUD os juízes, com senha previamente cadastrada, entram em uma site no qual podem solicitar informações bancárias sobre as partes dos processos judiciais, podendo também determinar o bloqueio e penhora de valores que estejam em contas bancárias ou aplicações financeiras.

 

O que é o parcelamento fiscal (tributário)?

O parcelamento tributário consiste na oportunidade oferecida pelo Fisco para que o devedor tributário possa pagar a sua dívida em prestações. Trata-se de uma decisão de política arrecadatória do ente. Ele pensa o seguinte: as pessoas estão sem condições de pagar à vista; é melhor eu aceitar receber parceladamente do que nunca conseguir a quitação.

O parcelamento é uma forma de suspensão do crédito tributário (art. 151, VI, do CTN), ou seja, enquanto o parcelamento estiver ativo (vigente), o Fisco não poderá dar início nem continuar a execução fiscal contra o devedor.

• Se o devedor descumprir as condições do parcelamento, este será revogado e o crédito tributário poderá ser cobrado.

• Se o devedor cumprir integralmente as condições do parcelamento pagando toda a dívida, haverá a extinção do crédito tributário.

 

SITUAÇÃO 1

Imagine agora a seguinte situação hipotética (situação 1):

A Fazenda Nacional ajuizou execução fiscal contra uma empresa.

O juiz determinou a penhora on line de dinheiro que estava na conta bancária da executada, pelo sistema BACENJUD.

Dois meses após o bloqueio dos valores na conta bancária, a executada celebrou com a Fazenda Nacional um parcelamento administrativo comprometendo-se a pagar a dívida cobrada em 48 parcelas.

Logo após a adesão ao parcelamento, a empresa peticionou nos autos pedindo a liberação dos valores penhorados.

 

O juiz deverá acatar o pedido da empresa e liberar o dinheiro penhorado?

NÃO.

O parcelamento fiscal, na forma do art. 151, VI, do CTN, suspende a exigibilidade do crédito, acarretando por consequência a suspensão da execução fiscal. Vale ressaltar, contudo, que o parcelamento não tem o condão de afastar a constrição de valores bloqueados anteriormente.

A suspensão da exigibilidade decorrente do parcelamento mantém a relação jurídica processual no estado em que ela se encontra. Assim:

• se não havia sido feita penhora antes do parcelamento: a suspensão da execução faz com que fique proibida a realização de medidas constritivas enquanto o parcelamento estiver vigendo;

• por outro lado, se alguma medida de constrição (ex: penhora) já havia sido realizada, essa medida deverá ser preservada até que haja a integral quitação do débito ou eventual rescisão do parcelamento.

 

Ressalva quanto à possibilidade de excepcional substituição da penhora online por fiança bancária ou seguro garantia (art. 15, I, da Lei nº 6.830/80)

Desse modo, em nosso exemplo, a empresa não tem direito de obter o desbloqueio dos valores.

Existe alguma providência que a empresa poderá obter?

SIM. Embora não seja possível a liberação dos ativos bloqueados em caso de posterior concessão de parcelamento fiscal, é permitido, em hipóteses excepcionais, que ocorra a substituição da penhora do dinheiro por fiança bancária ou seguro garantia, nos casos em que houver a comprovação da necessidade de aplicação do princípio da menor onerosidade para o devedor.

Ressalte-se que não existe direito subjetivo do devedor de obter essa substituição. Isso porque, em regra, a Fazenda Pública pode se opor a essa substituição já que o dinheiro figura em primeiro lugar na ordem legal de preferência do art. 11 da Lei nº 6.830/80:

Art. 11. A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem:

I - dinheiro;

II - título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa;

III - pedras e metais preciosos;

IV - imóveis;

V - navios e aeronaves;

VI - veículos;

VII - móveis ou semoventes; e

VIII - direitos e ações.

 

Para que haja a substituição do dinheiro penhorado por seguro garantia ou fiança bancária, é indispensável a comprovação, no caso concreto, que essa medida atende o princípio da menor onerosidade. Nesse sentido:

É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual a Fazenda Pública, em execução fiscal de crédito tributário, não está obrigada a aceitar substituição de penhora em dinheiro por seguro garantia sem a comprovação concreta da ofensa ao princípio da menor onerosidade.

STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp n. 1.978.151/RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 30/5/2022.

 

Assim, é ônus da parte executada comprovar a necessidade de afastamento da ordem legal de preferência, inexistindo a preponderância, em abstrato, do princípio da menor onerosidade para o devedor sobre a efetividade da tutela executiva.

 

SITUAÇÃO 2

Imagine agora situação ligeiramente diferente:

A Fazenda Nacional ajuizou execução fiscal contra determinada empresa.

Dois dias depois, a empresa parcelou, administrativamente, débito que estava sendo cobrado.

O magistrado, sem saber que a executada já tinha aderido ao parcelamento administrativo dos débitos, efetuou, via BACENJUD, o bloqueio de valores da empresa.

A executada formulou petição ao magistrado pedindo a liberação dos valores bloqueados, afirmando que a penhora não poderia ter sido materializada, já que o débito já estava parcelado.

 

Nesta segunda situação, o juiz deverá acolher o pedido e determinar o desbloqueio?

SIM. Segundo o art. 151, VI, do CTN, o parcelamento suspende a exigibilidade do crédito tributário. Logo, o parcelamento impede que sejam efetivadas medidas de cobrança do débito, dentre elas a penhora. Consequentemente, se a exigibilidade foi suspensa, não havia razão jurídica que autorizasse a efetivação da ordem de bloqueio.

 

Tese fixada pelo STJ:

O bloqueio de ativos financeiros do executado via sistema BACENJUD, em caso de concessão de parcelamento fiscal, seguirá a seguinte orientação:

(i) será levantado o bloqueio se a concessão é anterior à constrição; e

(ii) fica mantido o bloqueio se a concessão ocorre em momento posterior à constrição, ressalvada, nessa hipótese, a possibilidade excepcional de substituição da penhora online por fiança bancária ou seguro garantia, diante das peculiaridades do caso concreto, mediante comprovação irrefutável, a cargo do executado, da necessidade de aplicação do princípio da menor onerosidade.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.696.270-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 08/06/2022 (Recurso Repetitivo – Tema 1012) (Info 740).

 

Resumindo para ficar mais fácil:

Se o devedor aderiu a parcelamento administrativo dos débitos tributários, os seus bens penhorados na execução fiscal deverão ser liberados?

• Se a penhora ocorreu ANTES do parcelamento: NÃO.

• Se a penhora ocorreu DEPOIS do parcelamento: SIM.


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