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segunda-feira, 12 de setembro de 2022

A requisição administrativa prevista no art. 15, XIII, da Lei do SUS não pode recair sobre bens e/ou serviços públicos de outro ente federativo


Intervenção do Estado na propriedade privada

A propriedade privada é protegida pela CF/88 (art. 5º, XXII e art. 170, II). No entanto, em algumas situações, será necessário que o Estado interfira na propriedade privada para atender ao interesse público. A isso, dá-se o nome de “intervenção do Estado na propriedade privada”.

 

Quais são os fundamentos que autorizam a intervenção do Estado na propriedade privada?

    Função social da propriedade

    Prevalência do interesse público sobre o privado

 

Principais formas de intervenção do Estado na propriedade privada:

a) Servidão administrativa;

b) Requisição administrativa;

c) Ocupação temporária;

d) Limitação administrativa;

e) Tombamento;

f) Desapropriação.

 

Requisição administrativa

Na requisição o Estado, diante de uma situação de perigo público iminente, utiliza bens móveis, imóveis ou serviços particulares com indenização ulterior, se houver dano.

Seu fundamento constitucional está no inciso XXV do art. 5º, CF/88: “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”.

 

Requisição administrativa do art. 15, XIII, da Lei do SUS

A Lei nº 8.080/90 dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, além de tratar sobre a organização e o funcionamento dos serviços de saúde. É conhecida como Lei do SUS (Sistema Único de Saúde).

O art. 15, XIII, da Lei nº 8.080/90 prevê uma espécie de requisição administrativa. Veja:

Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito administrativo, as seguintes atribuições:

(...)

XIII - para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização;

 

ADI

O Partido Democratas ajuizou ADI pedindo que o STF conferisse interpretação conforme a esse art. 15, XIII, da Lei nº 8.080/90.

O Partido pediu que o STF dissesse o seguinte: essa requisição não pode recair sobre bens e serviços dos entes públicos, mas apenas sobre bens e serviços de particulares.

Isso porque, segundo alegou o autor, esse dispositivo “tem servido de fundamento para que a Administração Federal ocupe bens e serviços de outras esferas da federação, sem a observância aos cânones constitucionais do pacto federativo, como no caso da requisição de duas unidades hospitalares do Município do Rio de Janeiro pela União, levada a efeito pelo Decreto nº 5.392/2005”.

Logo, o Partido queria que o STF dissesse que o art. 15, XIII, da Lei nº 8.080/90 não pode ser utilizado para que a União requisite bens e serviços dos Estados/Municípios ou para que os Estados requisitem bens e serviços dos Municípios. Segundo o autor da ADI, isso violaria o pacto federativo e as autonomias dos entes.

 

O pedido do autor foi acolhido pelo STF?

SIM.

 

Requisição administrativa

A requisição administrativa é uma das formas de intervenção do Estado na propriedade, com vistas à satisfação de interesse público de caráter urgente, com respaldo no art. 5º, XXV, e no art. 170, III, e, ambos da CF/88:

Art. 5º (...)

XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;

 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

III - função social da propriedade;

 

A requisição administrativa tem fundamentos político e jurídico:

• fundamento político: a existência de necessidade pública;

• fundamento jurídico genérico: a função social da propriedade;

• fundamento jurídico específico: iminente perigo público.

 

A requisição, como já vimos, não depende da aquiescência do particular nem precisa de prévia autorização do Poder Judiciário, tendo como único pressuposto a necessidade de atendimento de uma situação de perigo público iminente.

 

Em regra, a União não pode requisitar bens dos Estados, DF e Municípios

A requisição administrativa não pode se voltar contra bem ou serviço de outro ente federativo. Isso para que não haja indevida interferência na autonomia de um sobre outro.

Em regra, a União não pode requisitar bens integrantes do patrimônio público estadual e municipal. A CF/88 só autorizou que isso ocorra em caso de estado de defesa (art. 136, § 1º, II, da CF/88) e estado de sítio (art. 139, VII):

Art. 136 (...)

§ 1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:

(...)

II - ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.

 

Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:

(...)

VII - requisição de bens.

 

Princípio federativo

A permissão constitucional para requisição administrativa de bens particulares (art. 5º, XXV) tem aplicação restrita para as relações entre Poder Público e o patrimônio privado, não sendo possível estender essa autorização para permitir que um ente da Federação requisite administrativamente bens de outro.

Mesmo que os bens públicos estejam vocacionados ao atendimento de uma finalidade pública e que o pressuposto único indispensável para a requisição seja o atendimento de situação de perigo público iminente (e não a natureza do bem requisitado), o seu uso excepcional e transitório por ente federativo que não aquele a que está vinculado o bem ou serviço, ainda que a pretexto de acudir a uma situação fática de extrema necessidade, fere a autonomia do ente cujo bem seja requisitado e lhe acarreta incontestável desorganização.

Assim, ofende o princípio federativo a requisição de bens e serviços de um ente federado por outro, o que somente se admitiria excepcionalmente à União durante a vigência de estado de defesa (CF/1988, art. 136, § 1º, II) e estado de sítio (CF/1988, art. 139, VII).

 

Inexistência de hierarquia entre os entes federativos

Entre os entes federados não há hierarquia, sendo-lhes assegurado tratamento isonômico, ressalvadas apenas as distinções porventura constantes na própria CF/88. Portanto, como as relações entre eles se caracterizam pela cooperação e horizontalidade, tal requisição, ainda que a pretexto de acudir situação fática de extrema necessidade, importa ferimento da autonomia daquele cujos bens ou serviços públicos são requisitados, acarretando-lhe incontestável desorganização.

 

Em suma:

A requisição administrativa “para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias” — prevista na Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (Lei nº 8.080/1990) — não recai sobre bens e/ou serviços públicos de outro ente federativo.

STF. Plenário. ADI 3454/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 20/6/2022 (Info 1059).

 

Com base nesse entendimento, o Plenário do STF, por unanimidade, julgou procedente o pedido para atribuir interpretação conforme a Constituição ao art. 15, XIII, da Lei nº 8.080/90, excluindo a possibilidade de requisição administrativa de bens e serviços públicos de titularidade de outros entes federativos.

 

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A requisição administrativa não pode se voltar contra bem ou serviço de outro ente federativo. Isso para que não haja indevida interferência na autonomia de um sobre outro.

STF. Plenário. ACO 3463 MC-Ref/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 8/3/2021 (Info 1008).



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