Dizer o Direito

terça-feira, 27 de setembro de 2022

INFORMATIVO Comentado 1060 STF (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 1060 DO STF


DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES PÚBLICOS

§  As regras do Estatuto da Advocacia que tratam sobre relação de emprego, salário, jornada de trabalho e honorários se aplicam aos advogados de empresas estatais que atuam no mercado em regime concorrencial.

 

PODER DE POLÍCIA

§  É legítimo o poder de polícia conferido à ANATEL para fiscalizar as atividades de radiodifusão.

 

DIREITO AMBIENTAL

COMPETÊNCIA

§  É inconstitucional norma de Constituição estadual que impõe condições locais para a construção de instalações nucleares e de energia elétrica.

§  Cabe aos municípios promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos que possam causar impacto ambiental de âmbito local.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

ICMS

§  É inconstitucional lei estadual que fixe alíquota do ICMS sobre energia elétrica e serviços de comunicação em percentual superior à alíquota geral.

 

DIREITO FINANCEIRO

DEPÓSITOS JUDICIAIS

§  É inconstitucional norma estadual que dispõe sobre valores correspondentes a depósitos judiciais e extrajudiciais de terceiros, ou seja, em que o ente federado não é parte interessada.

domingo, 25 de setembro de 2022

INFORMATIVO Comentado 741 STJ (completo e resumido)

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 741 DO STJ


DIREITO CIVIL

CONTRATOS (CONTRATO DE SEGURO)

§  A pessoa segurada não pode ajuizar ação de exigir contas contra a seguradora para obter esclarecimentos sobre o valor da indenização securitária a ela paga.

 

DPVAT

§  Em regra, o prévio requerimento administrativo constitui requisito essencial para aferir a existência de interesse de agir na ação de cobrança do seguro DPVAT.

 

DIREITO DO CONSUMIDOR

RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO

§  A queda de passageiro em via férrea de metrô, por decorrência de mal súbito, não enseja o dever de reparar os danos mesmo que a concessionária não adote tecnologia moderna (portas de plataforma).

 

PROTEÇÃO CONTRATUAL

§  Não é possível ao consumidor invocar o direito subjetivo da revisão contratual diante dos efeitos advindos da pandemia da Covid-19, como fundamento para autorizar a redução proporcional do valor das mensalidades escolares.

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

RECURSOS

§  O prazo estabelecido pelo juiz no despacho de citação não configura matéria controvertida entre as partes a demandar a prolação de uma decisão, não se apresentando insuscetível de novo pronunciamento.

 

PENHORA

§  É possível a penhora integral de valores depositados em conta bancária conjunta, na hipótese de apenas um dos titulares é sujeito passivo da execução?

 

DIREITO PENAL

DOSIMETRIA DA PENA (ATENUANTES)

§  O réu também terá direito à atenuante mesmo que o órgão julgador não mencione expressamente a confissão na decisão (ampliação da Súmula 545 do STJ).

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PRISÃO E MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS

§  Não há um limite máximo de tempo para a duração das medidas cautelares diversas da prisão.

 

NULIDADES

§  Mesmo no processo penal não se admite a chamada nulidade de algibeira.

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMPOSTO DE RENDA

§  Abrangência da isenção de Imposto de Renda na operação de transferência, pelo sucessor causa mortis, de participação acionária.

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

PREVIDÊNCIA PRIVADA

§  Entidade fechada de previdência complementar não pode cobrar juros remuneratórios acima do limite legal.


sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Mesmo no processo penal não se admite a chamada nulidade de algibeira


Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi condenado, em primeira instância, a 4 anos de reclusão.

O réu interpôs apelação pedindo unicamente a redução da pena.

O Tribunal de Justiça reduziu a condenação para 3 anos de reclusão.

Houve o trânsito em julgado.

A defesa ingressou, então, com revisão criminal pedindo o reconhecimento de nulidade porque, no processo originário, a testemunha foi ouvida sem a presença do réu.

Vale ressaltar que essa foi a primeira vez que a defesa invocou esse argumento.

 

A questão chegou ao STJ. O Tribunal reconheceu a referida nulidade?

NÃO.

Para o reconhecimento de nulidade, a jurisprudência do STJ exige a comprovação de prejuízo, em consonância com o princípio pas de nullite sans grief, consagrado nos termos do art. 563 do CPP, que dispõe:

Art. 563.  Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.

 

Ao interpretar essa regra, o STJ afirma que a declaração de nulidade fica subordinada não apenas à alegação de existência de prejuízo, mas à efetiva demonstração de sua ocorrência, o que não ocorre na presente hipótese.

Além disso, a defesa técnica compareceu ao ato de oitiva da testemunha e não alegou nulidade. A suposta nulidade somente foi suscitada no ajuizamento da revisão criminal.

A ausência do réu na audiência de inquirição de testemunhas é causa de nulidade relativa, de forma que, para ser reconhecida é necessário:

• que se demonstre o efetivo prejuízo;

• que seja arguida na primeira oportunidade, sob pena de preclusão.

 

Até aí, tudo bem, nenhuma novidade. O ponto mais interessante do julgado foi que o STJ afirmou que houve, no presente caso, a chamada “nulidade de algibeira”.

 

O que é isso?

A “nulidade de algibeira” ocorre quando a parte se vale da “estratégia” de não alegar a nulidade logo depois de ela ter ocorrido, mas apenas em um momento posterior, se as suas outras teses não conseguirem ter êxito. Dessa forma, a parte fica com um trunfo, com uma “carta na manga”, escondida, para ser utilizada mais a frente, como um último artifício.

Esse nome foi cunhado pelo falecido Ministro do STJ Humberto Gomes de Barros.

Algibeira = bolso. Assim, a “nulidade de algibeira” é aquela que a parte guarda no bolso (na algibeira) para ser utilizada quando ela quiser.

Tal postura viola claramente a boa-fé processual e a lealdade, que são deveres das partes e de todos aqueles que participam do processo. Por essa razão, a “nulidade de algibeira” é rechaçada pela jurisprudência do STJ.

Existem vários julgados do STJ afirmando que a chamada nulidade de algibeira não é tolerada. No entanto, a grande maioria desses julgados está relacionada com o processo civil.

Aqui foi reconhecida no processo penal.

 

Em suma:

É inadmissível a chamada “nulidade de algibeira” - aquela que, podendo ser sanada pela insurgência imediata da defesa após ciência do vício, não é alegada, como estratégia, numa perspectiva de melhor conveniência futura.

Tal atitude não encontra ressonância no sistema jurídico vigente, pautado no princípio da boa-fé processual, que exige lealdade de todos os agentes processuais.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 732.642-SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), julgado em 24/05/2022 (Info 741).

 

 

 


quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Não há um limite máximo de tempo para a duração das medidas cautelares diversas da prisão

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Em 2017, Regina foi presa em flagrante pela prática do crime de descaminho.

Na audiência de custódia, o juiz concedeu a liberdade provisória, mas impôs duas medidas cautelares diversas da prisão:

a) a proibição de se ausentar do País; e

b) a apreensão do passaporte.

 

Em 2021, Regina foi condenada, em primeiro grau, à pena de 5 anos de reclusão.

Ela interpôs recurso, mas este ainda não foi julgado pelo Tribunal.

Em 2022, ou seja, Regina pediu ao Desembargador Relator a suspensão das medidas cautelares enquanto aguarda o julgamento do recurso.

Argumentou que essas medidas cautelares já duram mais de 5 anos, sendo um prazo abusivo e injustificado.

 

Para o STJ, as medidas cautelares devem ser suspensas neste caso concreto?

NÃO.

A imposição das medidas cautelares é justificada considerando que a paciente é acusada da prática reiterada do crime de descaminho, tendo realizado 22 viagens ao exterior com períodos curtos de permanência, entre 4 e 7 dias e intercalo médio de apenas um mês entre cada viagem, justamente para praticar o descaminho.

Assim, considerando as circunstâncias do caso concreto em que a paciente é acusada de reiteradamente internalizar mercadorias importadas, de alto valor, sem o correspondente pagamento de tributos, no contexto de transnacionalidade, mostra-se justificada a manutenção da medida cautelar de retenção do passaporte.

Conquanto, a paciente esteja cumprindo as referidas medidas cautelares há tempo considerável, não é possível se reconhecer a existência de retardo abusivo e injustificado, de forma a caracterizar desproporcional excesso de prazo no cumprimento da medida.

Os prazos processuais não têm as características de fatalidade e improrrogabilidade, fazendo-se imprescindível raciocinar com juízo de razoabilidade para definir o excesso de prazo, não se ponderando a mera soma aritmética dos prazos para os atos processuais.

Além disso, vale destacar que não há disposição legal que restrinja o prazo de duração das medidas cautelares diversas da prisão, as quais podem perdurar enquanto presentes os requisitos do art. 282 do CPP, devidamente observadas as peculiaridades do caso e do agente.

 

Em suma:

 

 


quarta-feira, 21 de setembro de 2022

O réu confessou o crime. O juiz, na sentença, não menciona a confissão e fundamenta a condenação em outras provas. Mesmo assim, ele terá direito à atenuante?

A confissão espontânea é atenuante genérica prevista no art. 65, III, “d”, do CP:

Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

III — ter o agente:

d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;

 

Em 2015, o STJ editou a Súmula 545 dizendo o seguinte:

Súmula 545-STJ: Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal.

 

Vimos acima que a Súmula 545 fala que se o órgão julgador utilizar a confissão na decisão condenatória, o réu terá direito à atenuante. E se o órgão julgador não mencionar essa circunstância na decisão? E se o indivíduo confessa, mas o juiz não menciona expressamente essa confissão na sentença, mesmo assim ele terá direito à atenuante?

SIM. O réu também terá direito à atenuante mesmo que o órgão julgador não mencione expressamente a confissão na decisão.

 

Direito à atenuação da pena surge no momento da confissão

O art. 65, III, “d”, do CP não exige, para sua incidência, que a confissão do réu tenha sido empregada na sentença como uma das razões da condenação. O direito subjetivo do réu de ver a sua pena atenuada surge quando ele confessa. Esse é o momento constitutivo do direito. Ele confessou, surgiu o direito à atenuação. Quando o juiz cita a confissão do réu na fundamentação da sentença condenatória, isso é apenas um momento meramente declaratório.

 

Exigir que o juiz mencione na sentença para reconhecer a atenuante viola o princípio da legalidade

Viola o princípio da legalidade condicionar a atenuação da pena à citação expressa da confissão na sentença como razão decisória, especialmente porque o direito subjetivo e preexistente do réu não pode ficar disponível ao arbítrio do julgador.

Se a lei condicionasse a atenuação da pena à menção da confissão na sentença condenatória, haveria um pressuposto adicional que mudaria o momento constitutivo do direito subjetivo do réu.

Da mesma forma, caso o art. 65, III, “d”, do CP impusesse à confissão pressupostos adicionais, não previstos para as demais atenuantes, ou exigisse que a confissão produzisse certos efeitos práticos sobre a investigação criminal, não haveria que se falar em legítima expectativa à redução da pena por parte do acusado que não cumprisse todos os requisitos legais.

 

Exigir que o juiz mencione na sentença para reconhecer a atenuante viola o princípio da isonomia

Essa restrição ofende também os princípios da isonomia e da individualização da pena, por permitir que réus em situações processuais idênticas recebam respostas divergentes do Judiciário, caso a sentença condenatória de um deles elenque a confissão como um dos pilares da condenação e a outra não o faça.

 

Atenuante da confissão espontânea não está condicionada aos efeitos desse ato

Ao contrário da colaboração premiada, a atenuante da confissão não se fundamenta nos efeitos ou facilidades que a admissão dos fatos pelo réu eventualmente traga para a apuração do crime. Em outras palavras, não existe na confissão espontânea a necessidade de se demonstrar uma “dimensão prática” desse ato. O que se premia é o “senso de responsabilidade pessoal do acusado”, que é característica de sua personalidade, na forma do art. 67 do CP. A confissão está relacionada, portanto, a uma “dimensão psíquico-moral”.

Justamente por isso, o fato de o réu ter sido preso em flagrante ou o fato de haver outras provas contra ele não autorizam o julgador a recusar a atenuação da pena, em especial porque a confissão, enquanto espécie sui generis de prova, corrobora objetivamente as demais.

 

Sistema de proteger a boa-fé do acusado

O sistema jurídico precisa proteger a confiança depositada de boa-fé pelo acusado na legislação penal, tutelando sua expectativa legítima e induzida pela própria lei quanto à atenuação da pena.

A decisão pela confissão, afinal, é ponderada pelo réu considerando o trade-off entre a diminuição de suas chances de absolvição e a expectativa de redução da reprimenda.

É contraditória e viola a boa-fé objetiva a postura do Estado em garantir a atenuação da pena pela confissão, na via legislativa, a fim de estimular que acusados confessem; para depois desconsiderá-la no processo judicial, valendo-se de requisitos não previstos em lei.

 

Em suma:

 

Perceba, portanto, que essa decisão da 5ª Turma amplia o campo de incidência da Súmula 545 do STJ.

 


terça-feira, 20 de setembro de 2022

Durante a pandemia da Covid-19, os pais dos alunos podiam exigir a redução do valor das mensalidades escolares?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João ajuizou ação de obrigação de fazer em face do Colégio “XX” alegando que:

Em janeiro de 2020, ele assinou um contrato de prestação de serviços educacionais com a escola para que seu filho de 10 anos ali estudasse.

No entanto, em março de 2020, ocorreu um fato superveniente que tornou o contrato extremamente vantajoso para a parte ré e, de outro lado, oneroso para ele: o início da pandemia da Covid-19.

As aulas presenciais foram suspensas e, a partir daí, a escola passou a disponibilizar apenas aulas online e somente das matérias teóricas.

As aulas de cozinha experimental, educação física, robótica, laboratório de ciências e arte/música contratadas não estão sendo ministradas, embora a cobrança das mensalidades continue a ocorrer em sua integralidade.

Com a suspensão das aulas presenciais, houve redução expressiva dos custos fixos da escola - despesas de energia elétrica, serviços terceirizados de limpeza e manutenção, despesas com água e, também, com os próprios professores que, por lecionarem de suas residências, não recebem o adicional de alimentação e auxílio-transporte.

Diante de todo o exposto, João pediu a redução do valor das mensalidades no percentual de 70% ou outro a ser arbitrado pelo magistrado e a devolução dos valores pagos a maior a partir do mês de março de 2020.

 

A questão chegou até o STJ. O pedido do autor foi acolhido?

NÃO.

Não há dúvidas de que a pandemia causada pela Covid-19 gerou efeitos nefastos na economia mundial e nas relações privadas.

Embora os efeitos decorrentes da pandemia revelem-se supervenientes e capazes de alterar as bases objetivas em que celebrado o contrato, o STJ entendeu que não ficou evidenciado o desequilíbrio excessivo na relação jurídica apto a autorizar a redução do valor das mensalidades. Isso porque os serviços, diferentemente de outras hipóteses, continuaram a ser prestados sem causar onerosidade excessiva ao autor, sendo interesse de ambas as partes a manutenção do contrato.

É importante que sejam destacados os seguintes pontos:

a) o contrato de prestação de serviços de educação continuou a ser prestado;

b) a redução do número de aulas foi não apenas autorizada por diplomas legais, como também foi imposta em razão das medidas sanitárias do combate ao novo coronavírus. Essa circunstância não se encontra no âmbito do risco de atividade empresarial, revelando-se, em verdade, absolutamente apartada do negócio jurídico (fortuito externo);

c) o fato, embora superveniente e mesmo extraordinário, não inviabilizou todas as aulas, mas apenas aquelas, conquanto tenham sido contratadas, de caráter extracurricular (aulas de cozinha experimental, educação física, robótica, laboratório de ciências e arte/música);

d) a não prestação do serviço, em sua inteireza, decorreu de fato alheio às atividades da escola, uma vez que ela não podia prestar os serviços que exigiam a presença dos alunos, como também estava impedida de prestar serviços de maneira presencial;

e) a redução da carga horária foi autorizada pela Lei nº 14.040/2020, que previu diversas formas de compensação da redução da carga horária.

 

Desse modo, embora os serviços não tenham sido prestados da forma como contratados, não há que se falar em falha do dever de informação ou em desequilíbrio econômico-financeiro imoderado para o consumidor.

A afirmação de que teria havido diminuição dos custos da escola, além de não se evidenciar como requisito à revisão com base na quebra da base objetiva do contrato, não é tônica desse exame, nem se compatibiliza com os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, na especial conjuntura econômica e social que a todos assolava todo o País na época.

Importante ainda registrar que a situação da pandemia, no caso concreto, caracteriza-se como hipótese de fortuito externo, apto a afastar a responsabilidade da escola.

 

Em suma:

A situação decorrente da pandemia pela Covid-19 não constitui fato superveniente apto a viabilizar a revisão judicial de contrato de prestação de serviços educacionais com a redução proporcional do valor das mensalidades.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.998.206-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/06/2022 (Info 741).

 


segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Uma pessoa que aguardava a chegada do metrô desmaiou e caiu no vagão, vindo a falecer. A concessionária responsável pelo serviço tem o dever de indenizar os familiares da vítima?

 

Imagine a seguinte situação:

Em 2010, Regina, 29 anos, estava aguardando a chegada do metrô, quando então teve uma crise de epilepsia e caiu sobre os trilhos no instante em que o trem se aproximava. Infelizmente, ela foi atropelada e faleceu.

O viúvo ajuizou ação de indenização contra a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô), alegando responsabilidade objetiva da ré, nos termos do art. 14 do CDC:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

 

O autor argumentou que a morte poderia ter sido evitada se:

• houvesse um funcionário da empresa no local; ou

• o Metrô de São Paulo adotasse, na época, as chamadas “portas de plataforma”.

 

O que são “portas de plataforma”?

Nos metrôs mais antigos, as pessoas aguardam a chegada dos vagões na beira do trilho, próximo a uma espécie de fosso (buraco) onde corre o metrô.

Ocorre que esse sistema tradicional é perigoso porque pode ocorrer de a pessoa que está aguardando cair nesse fosso. Pode acontecer ainda de ela ser jogada (assassinada) ou então se jogar (cometer suicídio) quando o metrô estiver chegando.

As portas de plataforma foram pensadas para evitar esses riscos. São portas de vidro automáticas que abrem quando o metrô está chegando e fecham pouco antes de ele sair. Com isso, não existe a possibilidade de a pessoa cair no buraco onde ficam os trilhos porque eles são fechados por essas “portas de plataforma”.

Para o autor, como não havia porta de plataforma, houve falha na prestação do serviço.

Metrô sem porta de plataforma:



Metrô com porta de plataforma:


A questão chegou ao STJ. Para o Tribunal, houve responsabilidade civil do Metrô neste caso?

NÃO.

A responsabilidade do prestador de serviço é, de fato, objetiva, nos termos do art. 14 do CDC.

Vale ressaltar, contudo, que o fato de se tratar de responsabilidade objetiva não elimina a necessidade de demonstrar-se a presença do dano e do nexo causal.

Além disso, mesmo sendo responsabilidade objetiva, é possível reconhecer situações que servem para afastar o nexo de causalidade, como o caso fortuito, a força maior, a culpa exclusiva da vítima e a culpa exclusiva de terceiro.

No caso concreto, o lamentável e fatídico acidente decorreu de caso fortuito (mal súbito, convulsão por epilepsia). Trata-se, portanto, de fortuito externo considerando que, segundo o curso normal das coisas, não se tinha como antever ou prevenir que a passageira caísse justamente na linha férrea.

  

Conduta da ré não foi determinante

À luz da teoria da causalidade adequada, a conduta da ré não foi a causa específica e determinante para o evento danoso, pois o risco de a passageira cair na linha férrea, sem que seja por fatores ligados à própria organização do serviço (v.g. tropeço pelo piso estar molhado ou escorregadio, tumulto por desorganização no embarque e desembarque da composição), é fortuito externo, isto é, risco não está abrangido pela esfera imputável objetivamente à concessionária de serviço público.

 

Não houve serviço defeituoso

O art. 14, § 1º, do CDC, define o que é serviço defeituoso:

Art. 14 (...)

§ 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

 

O defeito a que alude o art. 14, § 1º, do CDC consubstancia-se em falha que se desvia da normalidade, capaz de gerar uma frustração no consumidor ao não experimentar a segurança que ordinariamente se espera do produto ou serviço.

Para que se configure o defeito do art. 14, § 1º é necessário que seja algo que escape do razoável, que seja discrepante do padrão de outros serviços congêneres.

No caso concreto, o Metrô adotava, na época, as cautelas e procedimentos de segurança que eram utilizados na maioria dos transportes semelhantes ao longo do mundo.

 

Presença de funcionário não evitaria o acidente

A presença de um funcionário na estação não teria o condão de evitar o acidente, por não ser factível que estivesse ao lado de cada um dos passageiros, ainda mais de passageira jovem, de apenas 29 anos de idade, que, em linha de princípio, não estaria a precisar de nenhum auxílio específico para ingressar na composição do metrô.

 

Não era exigível, na época, a instalação de portas de plataforma

Na época (2010), o Metrô de São Paulo não utilizada as chamadas portas de plataforma (Platform Screen Doors - PSD). Vale ressaltar, contudo, essa tecnologia não era adotada, como regra, nem mesmo em países com altíssimo nível de desenvolvimento econômico e social.

Logo, não se podia exigir que a concessionária já estivesse utilizando essa tecnologia que é mais moderna.

 

O presente caso não guarda relação com o Tema 517

Importante esclarecer que o caso acima explicado é diverso daquele das situações que ensejaram a fixação das teses no Tema 517:

No caso de atropelamento de pedestre em via férrea, configura-se a concorrência de causas, para fins de responsabilidade civil, quando:

a) a concessionária do transporte ferroviário descumpre o dever de cercar e fiscalizar os limites da linha férrea, mormente em locais urbanos e populosos, adotando conduta negligente no tocante às necessárias práticas de cuidado e vigilância tendentes a evitar a ocorrência de sinistros; e

b) a vítima adota conduta imprudente, atravessando a composição ferroviária em local inapropriado.

STJ. 2ª Seção. REsp 1210064-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 8/8/2012 (Recurso Repetitivo – Tema 517) (Info 501).

 

Isso porque não se trata de “omissão ou negligência do dever de vedação física das faixas de domínio da ferrovia com muros e cercas bem como da sinalização e da fiscalização dessas medidas garantidoras da segurança na circulação da população”, imposta por regulação do serviço público, em que o transeunte, de fato, seguindo o curso normal das coisas, inequivocamente pode vir a ser surpreendido e atropelado pela composição.

Na verdade, quanto à questão das portas de plataforma, que por ora ainda não são usuais na maioria dos metrôs, a questão é diferente, pois o acidente ocorreu bem no momento em que a composição se alinhava à estação e, como é de sabença, nas estações de metrô há faixa amarela de segurança, paralela à via férrea (atrás da qual, no mínimo, devem permanecer os usuários, ainda mais sentindo incontroverso mal-estar), sendo certo que a aproximação do usuário da composição/linha férrea deve ocorrer apenas após o efetivo alinhamento da composição à estação, seguido de abertura de portas do trem e, em regra, de aviso sonoro.

Portanto, cabe ressalvar que o caso é diverso daquele que foi solucionado pelo recurso repetitivo, e que não se adota o fundamento de culpa exclusiva da vítima da sentença, mas de fortuito externo, sem relação de causa e efeito com a organização do serviço.

 

Em suma:

 

Obs: atualmente, quase todas as linhas do Metrô de São Paulo possuem portas de plataforma.


domingo, 18 de setembro de 2022

Revisão para o concurso de Delegado de Polícia Civil de Rondônia


Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível a Revisão para o concurso de Delegado de Polícia Civil de Rondônia.

Bons estudos.







Revisão para o concurso de Delegado de Polícia Civil de Roraima


Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível a Revisão para o concurso de Delegado de Polícia Civil de Roraima.

Bons estudos.



















segunda-feira, 12 de setembro de 2022

A requisição administrativa prevista no art. 15, XIII, da Lei do SUS não pode recair sobre bens e/ou serviços públicos de outro ente federativo


Intervenção do Estado na propriedade privada

A propriedade privada é protegida pela CF/88 (art. 5º, XXII e art. 170, II). No entanto, em algumas situações, será necessário que o Estado interfira na propriedade privada para atender ao interesse público. A isso, dá-se o nome de “intervenção do Estado na propriedade privada”.

 

Quais são os fundamentos que autorizam a intervenção do Estado na propriedade privada?

    Função social da propriedade

    Prevalência do interesse público sobre o privado

 

Principais formas de intervenção do Estado na propriedade privada:

a) Servidão administrativa;

b) Requisição administrativa;

c) Ocupação temporária;

d) Limitação administrativa;

e) Tombamento;

f) Desapropriação.

 

Requisição administrativa

Na requisição o Estado, diante de uma situação de perigo público iminente, utiliza bens móveis, imóveis ou serviços particulares com indenização ulterior, se houver dano.

Seu fundamento constitucional está no inciso XXV do art. 5º, CF/88: “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”.

 

Requisição administrativa do art. 15, XIII, da Lei do SUS

A Lei nº 8.080/90 dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, além de tratar sobre a organização e o funcionamento dos serviços de saúde. É conhecida como Lei do SUS (Sistema Único de Saúde).

O art. 15, XIII, da Lei nº 8.080/90 prevê uma espécie de requisição administrativa. Veja:

Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito administrativo, as seguintes atribuições:

(...)

XIII - para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização;

 

ADI

O Partido Democratas ajuizou ADI pedindo que o STF conferisse interpretação conforme a esse art. 15, XIII, da Lei nº 8.080/90.

O Partido pediu que o STF dissesse o seguinte: essa requisição não pode recair sobre bens e serviços dos entes públicos, mas apenas sobre bens e serviços de particulares.

Isso porque, segundo alegou o autor, esse dispositivo “tem servido de fundamento para que a Administração Federal ocupe bens e serviços de outras esferas da federação, sem a observância aos cânones constitucionais do pacto federativo, como no caso da requisição de duas unidades hospitalares do Município do Rio de Janeiro pela União, levada a efeito pelo Decreto nº 5.392/2005”.

Logo, o Partido queria que o STF dissesse que o art. 15, XIII, da Lei nº 8.080/90 não pode ser utilizado para que a União requisite bens e serviços dos Estados/Municípios ou para que os Estados requisitem bens e serviços dos Municípios. Segundo o autor da ADI, isso violaria o pacto federativo e as autonomias dos entes.

 

O pedido do autor foi acolhido pelo STF?

SIM.

 

Requisição administrativa

A requisição administrativa é uma das formas de intervenção do Estado na propriedade, com vistas à satisfação de interesse público de caráter urgente, com respaldo no art. 5º, XXV, e no art. 170, III, e, ambos da CF/88:

Art. 5º (...)

XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;

 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

III - função social da propriedade;

 

A requisição administrativa tem fundamentos político e jurídico:

• fundamento político: a existência de necessidade pública;

• fundamento jurídico genérico: a função social da propriedade;

• fundamento jurídico específico: iminente perigo público.

 

A requisição, como já vimos, não depende da aquiescência do particular nem precisa de prévia autorização do Poder Judiciário, tendo como único pressuposto a necessidade de atendimento de uma situação de perigo público iminente.

 

Em regra, a União não pode requisitar bens dos Estados, DF e Municípios

A requisição administrativa não pode se voltar contra bem ou serviço de outro ente federativo. Isso para que não haja indevida interferência na autonomia de um sobre outro.

Em regra, a União não pode requisitar bens integrantes do patrimônio público estadual e municipal. A CF/88 só autorizou que isso ocorra em caso de estado de defesa (art. 136, § 1º, II, da CF/88) e estado de sítio (art. 139, VII):

Art. 136 (...)

§ 1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:

(...)

II - ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.

 

Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:

(...)

VII - requisição de bens.

 

Princípio federativo

A permissão constitucional para requisição administrativa de bens particulares (art. 5º, XXV) tem aplicação restrita para as relações entre Poder Público e o patrimônio privado, não sendo possível estender essa autorização para permitir que um ente da Federação requisite administrativamente bens de outro.

Mesmo que os bens públicos estejam vocacionados ao atendimento de uma finalidade pública e que o pressuposto único indispensável para a requisição seja o atendimento de situação de perigo público iminente (e não a natureza do bem requisitado), o seu uso excepcional e transitório por ente federativo que não aquele a que está vinculado o bem ou serviço, ainda que a pretexto de acudir a uma situação fática de extrema necessidade, fere a autonomia do ente cujo bem seja requisitado e lhe acarreta incontestável desorganização.

Assim, ofende o princípio federativo a requisição de bens e serviços de um ente federado por outro, o que somente se admitiria excepcionalmente à União durante a vigência de estado de defesa (CF/1988, art. 136, § 1º, II) e estado de sítio (CF/1988, art. 139, VII).

 

Inexistência de hierarquia entre os entes federativos

Entre os entes federados não há hierarquia, sendo-lhes assegurado tratamento isonômico, ressalvadas apenas as distinções porventura constantes na própria CF/88. Portanto, como as relações entre eles se caracterizam pela cooperação e horizontalidade, tal requisição, ainda que a pretexto de acudir situação fática de extrema necessidade, importa ferimento da autonomia daquele cujos bens ou serviços públicos são requisitados, acarretando-lhe incontestável desorganização.

 

Em suma:

A requisição administrativa “para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias” — prevista na Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (Lei nº 8.080/1990) — não recai sobre bens e/ou serviços públicos de outro ente federativo.

STF. Plenário. ADI 3454/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 20/6/2022 (Info 1059).

 

Com base nesse entendimento, o Plenário do STF, por unanimidade, julgou procedente o pedido para atribuir interpretação conforme a Constituição ao art. 15, XIII, da Lei nº 8.080/90, excluindo a possibilidade de requisição administrativa de bens e serviços públicos de titularidade de outros entes federativos.

 

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A requisição administrativa não pode se voltar contra bem ou serviço de outro ente federativo. Isso para que não haja indevida interferência na autonomia de um sobre outro.

STF. Plenário. ACO 3463 MC-Ref/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 8/3/2021 (Info 1008).



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