Dizer o Direito

domingo, 14 de agosto de 2022

O sócio-gerente da época da dissolução irregular responde pelos débitos da empresa, mesmo que ele não fosse o gerente da pessoa jurídica executada no momento do fato gerador do tributo inadimplido

 

Execução fiscal

Execução fiscal é a ação judicial proposta pela Fazenda Pública (União, Estados, DF, Municípios e suas respectivas autarquias e fundações) para cobrar do devedor créditos (tributários ou não tributários) inscritos em dívida ativa.

A execução fiscal é regida pela Lei nº 6.830/80 (LEF) e, subsidiariamente, pelo CPC.

 

Redirecionamento

Quando a Fazenda Pública ajuíza uma execução fiscal contra a empresa e não consegue localizar bens penhoráveis, o CTN prevê a possibilidade de o Fisco REDIRECIONAR a execução incluindo no polo passivo como executadas algumas pessoas físicas que tenham relação com a empresa, desde que fique demonstrado que elas praticaram atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. É o que prevê o art. 135 do CTN:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

 

Assim, os sócios, como regra geral, não respondem pessoalmente (com seu patrimônio pessoal) pelas dívidas da sociedade empresária. Isso porque vigora o princípio da autonomia jurídica da pessoa jurídica em relação aos seus sócios. A pessoa jurídica possui personalidade e patrimônio autônomos, que não se confundem com a personalidade e patrimônio de seus sócios. No entanto, a autonomia patrimonial não é um direito absoluto. Desse modo, se o sócio praticou atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, III), ele utilizou o instituto da personalidade jurídica de forma fraudulenta ou abusiva, podendo, portanto, ser responsabilizado pessoalmente pelos débitos.

Vale ressaltar, no entanto, que o simples fato de a pessoa jurídica estar em débito com o Fisco não autoriza que o sócio pague pela dívida com seu patrimônio pessoal. É necessário – repito – que ele tenha praticado atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, III).

É a tese fixada no Tema 97:

A simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, nem em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade subsidiária do sócio, prevista no art. 135 do CTN. É indispensável, para tanto, que tenha agido com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.101.728/SP, Rel. Ministro Teori Zavascki, DJe de 23/03/2009 – Tema 97.

 

A fim de que não houvesse dúvidas quanto a isso, o STJ, em 24/03/2010, aprovou o seguinte enunciado:

Súmula 430-STJ: O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.

 

A dissolução irregular da empresa caracteriza infração à lei

Uma das situações mais comuns em que ocorre o redirecionamento da execução fiscal é quando a empresa é dissolvida irregularmente. Se isso acontece, a jurisprudência entende que houve infração à lei (art. 135 do CTN), já que o procedimento para a extinção de sociedades empresárias é disciplinado em lei, devendo ser cumprida uma série de formalidades, de sorte que se essa dissolução ocorre de forma irregular, a legislação está sendo desrespeitada.

Assim, a dissolução irregular constitui, por si só, ato de infração à lei e autoriza o redirecionamento (para a cobrança da dívida ativa tributária e da não tributária).

 

Se a empresa deixa de funcionar no seu domicílio fiscal e não comunica aos órgãos competentes, presume-se que foi dissolvida irregularmente

Domicílio tributário (ou fiscal) é o lugar, cadastrado na repartição tributária, onde o sujeito passivo poderá ser encontrado pelo Fisco. Dessa feita, se a Administração Tributária tiver que enviar uma notificação fiscal para aquele contribuinte, deverá encaminhar para o endereço constante como seu domicílio fiscal.

As regras para a definição do domicílio tributário estão previstas no art. 127 do CTN.

Se a empresa deixa de funcionar no seu domicílio fiscal, presume-se que ela deixou de existir (foi dissolvida). E o pior: foi dissolvida de forma irregular, o que caracteriza infração à lei e permite o redirecionamento da execução.

Assim, por exemplo, em uma execução fiscal, caso não se consiga fazer a citação da empresa porque ela não mais está funcionando no endereço indicado como seu domicílio fiscal, será possível concluir que ela foi dissolvida irregularmente, ensejando o redirecionamento da execução, conforme entendimento sumulado do STJ:

Súmula 435-STJ: Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.

 

Segundo explica o Min. Mauro Campbell Marques ao comentar a origem da súmula, “o sócio-gerente tem o dever de manter atualizados os registros empresariais e comerciais, em especial quanto à localização da empresa e a sua dissolução. Ocorre aí uma presunção da ocorrência de ilícito. Este ilícito é justamente a não obediência ao rito próprio para a dissolução empresarial (...)” (REsp 1.371.128-RS).

No mesmo sentido, veja a lição do Juiz Federal Mateus Pontalti:

“Como se observa do enunciado, se a pessoa jurídica não for encontrada no endereço que informou ao fisco como sendo o do local em que exerce suas atividades, há uma presunção de que ocorreu a sua dissolução irregular. Isso ocorre com frequência em execuções fiscais movidas pelas fazendas públicas. O Oficial de Justiça dirige-se até a sede do estabelecimento e não encontra a pessoa jurídica. Nesse caso, o fisco pode pedir o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios-gerentes ou administradores, utilizando-se como fundamento o artigo 135, inciso III, do CTN, e a Súmula 435 do STJ.” (PONTALTI, Mateus. Manual de Direito Tributário. 2ª ed., Salvador: Juspodivm, 2021, p. 361-362).

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

A empresa Móveis Henrique Ltda. foi dissolvida, em 2020, sem cumprir as formalidades exigidas pela legislação. Houve, portanto, dissolução irregular.

Em 2021, o Fisco ajuizou execução fiscal contra a empresa.

Como ela havia encerrado suas atividades, não foi localizada no endereço informado à Junta Comercial, presumindo-se então a dissolução irregular (Súmula 435-STJ).

Diante disso, a exequente pediu para que a execução fiscal fosse redirecionada para cobrar a dívida de João, que, no momento em que ocorreu a dissolução irregular da sociedade (em 2020), era o sócio administrador da empresa.

 

Defesa de João

João apresentou embargos à execução alegando que ele entrou no quadro societário em 2018 e que esse débito que está sendo cobrado refere-se a um fato gerador ocorrido em 2016. Logo, o redirecionamento não pode recair contra ele, já que, no momento do fato gerador, ele não era sócio.

 

O argumento invocado por João deve ser aceito? O que importa é a data do fato gerador ou a data da dissolução irregular?

O argumento não deve ser aceito. Se o redirecionamento é fundado na dissolução irregular, o que importa é saber quem tinha poderes de administração na data da dissolução irregular.

Assim, o sócio-gerente da época da dissolução irregular responde pelos débitos da empresa, mesmo que ele não fosse o gerente da pessoa jurídica executada no momento do fato gerador do tributo inadimplido

 

Três correntes

Ocorreu a dissolução irregular da empresa. Qual sócio deverá responder pelos tributos?

Havia três correntes sobre o tema:

1ª corrente: deveria responder o indivíduo que fosse sócio-gerente na época da dissolução irregular da pessoa jurídica executada e que também fosse o sócio-gerente na época do fato gerador do tributo inadimplido (teria que ser o sócio-gerente nos dois momentos);

2ª corrente: deveria responder o indivíduo que fosse o sócio-gerente na época da dissolução irregular, embora não gerisse a pessoa jurídica executada na época do fato gerador do tributo inadimplido (critério do momento da dissolução irregular);

3ª corrente: deveria responder o indivíduo que fosse sócio-gerente na época do fato gerador, embora não gerisse mais a pessoa jurídica no momento da dissolução irregular (critério do momento do fato gerador).

 

O STJ adotou a 2ª corrente (critério do momento da dissolução irregular).

Para que haja a responsabilização pessoal do sócio-gerente exige-se que ele tivesse poderes de administração no momento da dissolução irregular ou da prática de ato que faça presumir a dissolução irregular.

O fundamento para isso está na conjugação do art. 135, III, do CTN com a Súmula 435 do STJ. De fato, na medida em que a hipótese que desencadeia a responsabilidade tributária é a infração à lei, evidenciada pela dissolução irregular da pessoa jurídica executada, revela-se indiferente o fato de o sócio-gerente responsável pela dissolução irregular não estar na administração da pessoa jurídica à época do fato gerador do tributo inadimplido.

 

O que foi explicado acima vale também para administradores não sócios

Vale esclarecer que o explicado acima aplica-se, mutatis mutandis, aos terceiros não sócios, com poderes de gerência, na medida em que o art. 135, III, do CTN atribui responsabilidade tributária aos administradores das pessoas jurídicas de direito privado, por atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos.

 

Em suma:

 

DOD Plus – tema correlato

O sócio só pode ser atingido pelo redirecionamento fundado na dissolução irregular se ele era administrador no momento dessa dissolução; se havia saído antes, em regra, não poderá ser responsabilizado

O redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, não pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio que, embora exercessem poderes de gerência ao tempo do fato gerador, sem incorrer em prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, dela regularmente se retirou e não deu causa à sua posterior dissolução irregular, conforme art. 135, III do CTN.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.377.019-SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 24/11/2021 (Recurso Repetitivo - Tema 962) (Info 719).



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