Imagine a seguinte situação
hipotética:
Regina ajuizou ação contra Pedro,
tendo o pedido sido julgado improcedente pelo juiz.
A autora interpôs apelação, mas o
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a sentença.
Ainda inconformada, Regina
interpôs recurso especial contra o acórdão do TJ/RJ.
O prazo para interpor recurso
especial é de 15 dias úteis.
O acórdão do TJ/RJ foi publicado
no dia 02/08/2019 (sexta-feira), iniciando-se o prazo para a interposição do recurso
especial no dia 05/08/2019 (segunda-feira).
Contando
apenas os dias úteis, o último dia para a interposição do recurso seria 23/08/2019
(sexta-feira).
Regina deu entrada no recurso
somente no dia 26/08/2019.
Ela contou o prazo errado?
Qual a razão de ter feito isso?
Regina explicou no recurso que, no
dia 14/08/2019, ou seja, houve uma indisponibilidade técnica no site do TJ/RJ.
Em razão dessa indisponibilidade, o Presidente do TJ suspendeu os prazos
processuais nesse dia. Logo, ela entende que o dia 14/08/2019 deve ser
considerado como não útil e que, portanto, deve ser excluído da contagem do
prazo.
Repetindo: tirando sábados e
domingos, Regina interpôs o recurso no 16º dia. Ocorre que em um desses dias (14/08/2019)
os prazos foram suspensos. Logo, esse dia deve ser excluído da contagem (porque
não é dia útil). Isso significa que Regina interpôs o recurso no 15º dia útil
e, portanto, o REsp é tempestivo.
Regina, ao apresentar o
REsp, tinha o ônus de explicar e comprovar que, na instância de origem, era dia
não útil (em razão da indisponibilidade do sistema)?
SIM.
O CPC/2015 trouxe expressamente um dispositivo dizendo que a
comprovação do feriado local deverá ser feita, obrigatoriamente, no ato de
interposição do recurso. Veja:
Art. 1.003 (...)
§ 6º O recorrente comprovará a
ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso.
Apesar de o dispositivo falar apenas em “feriado local”, o
STJ afirma que o recorrente também deverá comprovar caso em algum dos dias
tenha havido suspensão dos prazos processuais:
STJ. 4ª
Turma. AgInt no AREsp 1.788.341-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd.
Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 03/05/2022 (Info 738).
O fato de o Presidente do
Tribunal ter suspendido o prazo processual em um dos dias é motivo suficiente
para se considerar esse dia como “não útil”?
O STJ decidiu, neste caso, que sim. Se houve
indisponibilidade no sistema e o Presidente do Tribunal suspendeu os prazos
processuais nesta data, esse dia não deverá ser computado como dia útil para
fins de contagem do prazo recursal:
Na contagem realizada conforme o disposto no art. 219
do CPC/2015, não se deve computar o dia em que, por força de ato administrativo
editado pela presidência do Tribunal local, os prazos processuais estavam
suspensos.
STJ. 4ª
Turma. AgInt no AREsp 1.788.341-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd.
Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 03/05/2022 (Info 738).
Voltando ao caso concreto:
No recurso especial interposto por
Regina, ela mencionou que o Presidente do TJ suspendeu os prazos no dia
14/08/2019. Para comprovar isso, ela juntou cópia de página do Diário da
Justiça Eletrônico do Tribunal de Justiça estadual, no qual se pode ler no rodapé:
“Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado”.
Neste Diário da Justiça constou o seguinte Ato Executivo-TJ nº
167/2019:
O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO, DESEMBARGADOR CLAUDIO DE MELLO TAVARES, no uso de
suas atribuições legais,
CONSIDERANDO a indisponibilidade no
sistema no sítio deste Egrégio Tribunal de Justiça no dia 14 de agosto do corrente
ano;
CONSIDERANDO que o referido problema
causou dificuldades na consulta processual dos processos eletrônicos do 1º e 2º
graus de jurisdição;
CONSIDERANDO o disposto no § 2º do
artigo 10 da Lei Federal no 11.419, de 19 de dezembro de 2006, sobre a informatização
do processo judicial;
CONSIDERANDO ainda que a referida
indisponibilidade ocorreu por mais de 60 (sessenta) minutos;
CONSIDERANDO o decidido no processo
SEI no 2019-0608849;
R E S O L V E:
Art. 1º. Suspender os prazos
processuais dos processos eletrônicos, nos 1º e 2º graus de jurisdição, no dia
14 de agosto de 2019.
Art. 2°. Este Ato entra em vigor na
data da sua publicação, com efeitos retroativos a 14 de agosto de 2019.
Rio de Janeiro, 16 de agosto de 2019.
Desembargador CLAUDIO DE MELLO TAVARES
Presidente do Tribunal de Justiça
Regina comprovou
adequadamente a tempestividade?
SIM. A forma como ela comprovou o ato do Presidente do
Tribunal foi adequada considerando que:
A cópia de página do Diário de Justiça Eletrônico,
editado na forma do disposto no art. 4º, da Lei nº 11.419/2006, é documento
idôneo para comprovar a tempestividade recursal.
STJ. 4ª
Turma. AgInt no AREsp 1.788.341-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd.
Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 03/05/2022 (Info 738).
Confira o que diz o art. 4º da Lei Federal nº 11.419/2006:
Art. 4º Os tribunais poderão criar
Diário da Justiça eletrônico, disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores,
para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a
eles subordinados, bem como comunicações em geral.
(...)
§ 2º A publicação eletrônica na forma
deste artigo substitui qualquer outro meio e publicação oficial, para quaisquer
efeitos legais, à exceção dos casos que, por lei, exigem intimação ou vista
pessoal.
Tem-se, portanto, que a parte
juntou documento oficial, no qual consta a publicação do “Ato Executivo do
Tribunal de Justiça” no qual ficou consignada a suspensão dos atos processuais
de processos eletrônicos em primeiro e segundo graus de jurisdição no dia que
terminaria o prazo do recurso.
DOD Plus – informações complementares
O caso concreto acima exposto tem
uma peculiaridade muito relevante: o fato de o Tribunal de Justiça ter editado
um ato suspendendo os prazos processuais no dia em que houve a
indisponibilidade.
Se tivesse havido
indisponibilidade do sistema, mas o Tribunal não houvesse editado esse ato
suspendendo os prazos processuais, o recurso de Regina seria tempestivo?
Penso que não. Isso porque o § 1º do art. 224 do CPC prevê
que apenas a indisponibilidade ocorrida nos dias do começo e do vencimento tem
o condão de prorrogar o prazo para o dia útil seguinte:
Art. 224. Salvo disposição em
contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia
do vencimento.
§ 1º Os dias do começo e do vencimento
do prazo serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte, se coincidirem com
dia em que o expediente forense for encerrado antes ou iniciado depois da hora
normal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica.
(...)
Existem vários julgados do STJ
dizendo que, se a indisponibilidade ocorrer no curso do prazo (sem ser no dia
do início ou no dia do fim), ela não serve para prorrogar o prazo:
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça possui
entendimento sedimentado no sentido de que, nos termos do art. 224, § 1º, do
CPC/2015, não há falar em prorrogação do término do prazo recursal se ocorrer
eventual indisponibilidade do sistema eletrônico no tribunal de origem no curso
do período para interposição do recurso.
A prorrogação do prazo processual é admitida apenas nas
hipóteses em que a indisponibilidade do sistema coincida com o primeiro ou o
último dia do prazo recursal, caso em que o termo inicial ou final será
protraído para o primeiro dia útil seguinte.
STJ. 3ª Turma. EDcl no AgInt no AREsp 1841447/SP, Rel. Min. Ricardo
Villas Bôas Cueva, julgado em 21/03/2022.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de
que, nos termos do art. 224, § 1º, do CPC/2015, não há falar em prorrogação do
término do prazo recursal se ocorrer eventual indisponibilidade do sistema
eletrônico no Tribunal de origem no curso do período para interposição do
recurso.
A prorrogação do prazo processual é admitida apenas nas
hipóteses em que a indisponibilidade do sistema coincida com o primeiro ou o
último dia do prazo recursal, caso em que o termo inicial ou final será
protraído para o primeiro dia útil seguinte. Precedentes.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.912.954/RJ, Rel. Min. Raul
Araújo, julgado em 30/5/2022.