Dizer o Direito

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Na contagem dos prazos em dias úteis, não se deve computar o dia em que, por força de ato administrativo editado pela presidência do Tribunal local, os prazos processuais estavam suspensos

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina ajuizou ação contra Pedro, tendo o pedido sido julgado improcedente pelo juiz.

A autora interpôs apelação, mas o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a sentença.

Ainda inconformada, Regina interpôs recurso especial contra o acórdão do TJ/RJ.

O prazo para interpor recurso especial é de 15 dias úteis.

O acórdão do TJ/RJ foi publicado no dia 02/08/2019 (sexta-feira), iniciando-se o prazo para a interposição do recurso especial no dia 05/08/2019 (segunda-feira).

Contando apenas os dias úteis, o último dia para a interposição do recurso seria 23/08/2019 (sexta-feira).

Regina deu entrada no recurso somente no dia 26/08/2019.

 

Ela contou o prazo errado? Qual a razão de ter feito isso?

Regina explicou no recurso que, no dia 14/08/2019, ou seja, houve uma indisponibilidade técnica no site do TJ/RJ. Em razão dessa indisponibilidade, o Presidente do TJ suspendeu os prazos processuais nesse dia. Logo, ela entende que o dia 14/08/2019 deve ser considerado como não útil e que, portanto, deve ser excluído da contagem do prazo.

Repetindo: tirando sábados e domingos, Regina interpôs o recurso no 16º dia. Ocorre que em um desses dias (14/08/2019) os prazos foram suspensos. Logo, esse dia deve ser excluído da contagem (porque não é dia útil). Isso significa que Regina interpôs o recurso no 15º dia útil e, portanto, o REsp é tempestivo.

 

Regina, ao apresentar o REsp, tinha o ônus de explicar e comprovar que, na instância de origem, era dia não útil (em razão da indisponibilidade do sistema)?

SIM.

O CPC/2015 trouxe expressamente um dispositivo dizendo que a comprovação do feriado local deverá ser feita, obrigatoriamente, no ato de interposição do recurso. Veja:

Art. 1.003 (...)

§ 6º O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso.

 

Apesar de o dispositivo falar apenas em “feriado local”, o STJ afirma que o recorrente também deverá comprovar caso em algum dos dias tenha havido suspensão dos prazos processuais:

 

O fato de o Presidente do Tribunal ter suspendido o prazo processual em um dos dias é motivo suficiente para se considerar esse dia como “não útil”?

O STJ decidiu, neste caso, que sim. Se houve indisponibilidade no sistema e o Presidente do Tribunal suspendeu os prazos processuais nesta data, esse dia não deverá ser computado como dia útil para fins de contagem do prazo recursal:

Na contagem realizada conforme o disposto no art. 219 do CPC/2015, não se deve computar o dia em que, por força de ato administrativo editado pela presidência do Tribunal local, os prazos processuais estavam suspensos.

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.788.341-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 03/05/2022 (Info 738).

 

Voltando ao caso concreto:

No recurso especial interposto por Regina, ela mencionou que o Presidente do TJ suspendeu os prazos no dia 14/08/2019. Para comprovar isso, ela juntou cópia de página do Diário da Justiça Eletrônico do Tribunal de Justiça estadual, no qual se pode ler no rodapé: “Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado”.

Neste Diário da Justiça constou o seguinte Ato Executivo-TJ nº 167/2019:

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, DESEMBARGADOR CLAUDIO DE MELLO TAVARES, no uso de suas atribuições legais,

CONSIDERANDO a indisponibilidade no sistema no sítio deste Egrégio Tribunal de Justiça no dia 14 de agosto do corrente ano;

CONSIDERANDO que o referido problema causou dificuldades na consulta processual dos processos eletrônicos do 1º e 2º graus de jurisdição;

CONSIDERANDO o disposto no § 2º do artigo 10 da Lei Federal no 11.419, de 19 de dezembro de 2006, sobre a informatização do processo judicial;

CONSIDERANDO ainda que a referida indisponibilidade ocorreu por mais de 60 (sessenta) minutos;

CONSIDERANDO o decidido no processo SEI no 2019-0608849;

R E S O L V E:

Art. 1º. Suspender os prazos processuais dos processos eletrônicos, nos 1º e 2º graus de jurisdição, no dia 14 de agosto de 2019.

Art. 2°. Este Ato entra em vigor na data da sua publicação, com efeitos retroativos a 14 de agosto de 2019.

Rio de Janeiro, 16 de agosto de 2019.

 

Desembargador CLAUDIO DE MELLO TAVARES

Presidente do Tribunal de Justiça

 

Regina comprovou adequadamente a tempestividade?

SIM. A forma como ela comprovou o ato do Presidente do Tribunal foi adequada considerando que:

A cópia de página do Diário de Justiça Eletrônico, editado na forma do disposto no art. 4º, da Lei nº 11.419/2006, é documento idôneo para comprovar a tempestividade recursal.

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.788.341-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 03/05/2022 (Info 738).

 

Confira o que diz o art. 4º da Lei Federal nº 11.419/2006:

Art. 4º Os tribunais poderão criar Diário da Justiça eletrônico, disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral.

(...)

§ 2º A publicação eletrônica na forma deste artigo substitui qualquer outro meio e publicação oficial, para quaisquer efeitos legais, à exceção dos casos que, por lei, exigem intimação ou vista pessoal.

 

Tem-se, portanto, que a parte juntou documento oficial, no qual consta a publicação do “Ato Executivo do Tribunal de Justiça” no qual ficou consignada a suspensão dos atos processuais de processos eletrônicos em primeiro e segundo graus de jurisdição no dia que terminaria o prazo do recurso.

 

DOD Plus – informações complementares

O caso concreto acima exposto tem uma peculiaridade muito relevante: o fato de o Tribunal de Justiça ter editado um ato suspendendo os prazos processuais no dia em que houve a indisponibilidade.

 

 

 

Se tivesse havido indisponibilidade do sistema, mas o Tribunal não houvesse editado esse ato suspendendo os prazos processuais, o recurso de Regina seria tempestivo?

Penso que não. Isso porque o § 1º do art. 224 do CPC prevê que apenas a indisponibilidade ocorrida nos dias do começo e do vencimento tem o condão de prorrogar o prazo para o dia útil seguinte:

Art. 224. Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento.

§ 1º Os dias do começo e do vencimento do prazo serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte, se coincidirem com dia em que o expediente forense for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica.

(...)

 

Existem vários julgados do STJ dizendo que, se a indisponibilidade ocorrer no curso do prazo (sem ser no dia do início ou no dia do fim), ela não serve para prorrogar o prazo:

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça possui entendimento sedimentado no sentido de que, nos termos do art. 224, § 1º, do CPC/2015, não há falar em prorrogação do término do prazo recursal se ocorrer eventual indisponibilidade do sistema eletrônico no tribunal de origem no curso do período para interposição do recurso.

A prorrogação do prazo processual é admitida apenas nas hipóteses em que a indisponibilidade do sistema coincida com o primeiro ou o último dia do prazo recursal, caso em que o termo inicial ou final será protraído para o primeiro dia útil seguinte.

STJ. 3ª Turma. EDcl no AgInt no AREsp 1841447/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/03/2022.

 

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, nos termos do art. 224, § 1º, do CPC/2015, não há falar em prorrogação do término do prazo recursal se ocorrer eventual indisponibilidade do sistema eletrônico no Tribunal de origem no curso do período para interposição do recurso.

A prorrogação do prazo processual é admitida apenas nas hipóteses em que a indisponibilidade do sistema coincida com o primeiro ou o último dia do prazo recursal, caso em que o termo inicial ou final será protraído para o primeiro dia útil seguinte. Precedentes.

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.912.954/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 30/5/2022.



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