Dizer o Direito

sábado, 6 de agosto de 2022

Lei federal não pode conceder anistia a policiais e bombeiros militares estaduais que praticaram infrações disciplinares

 

O caso concreto foi o seguinte:

A Lei federal nº 12.505/2011 concedeu anistia aos policiais e bombeiros militares de diversos Estados-membros que foram punidos por participar de movimentos reivindicatórios.

Esse diploma foi alterado, posteriormente, pela Lei nº 13.293/2016, que acrescentou policiais e bombeiros de outros Estados.

Veja o teor da Lei nº 12.505/2011, com as alterações promovidas pela Lei nº 13.293/2016:

Art. 1º É concedida anistia aos policiais e bombeiros militares que participaram de movimentos reivindicatórios por melhorias de vencimentos e condições de trabalho ocorridos:

I - entre o dia 1º de janeiro de 1997 e a data de publicação desta Lei, inclusive, nos Estados de Alagoas, de Goiás, do Maranhão, de Minas Gerais, da Paraíba, do Piauí, do Rio de Janeiro, de Rondônia, de Sergipe e do Tocantins;

II - entre a data de publicação da Lei nº 12.191, de 13 de janeiro de 2010, e a data de publicação desta Lei, inclusive, nos Estados da Bahia, do Ceará, de Mato Grosso, de Pernambuco, do Rio Grande do Norte, de Roraima, de Santa Catarina, do Amazonas, do Pará, do Acre, de Mato Grosso do Sul, do Maranhão, de Alagoas, do Rio de Janeiro, da Paraíba, do Paraná e do Distrito Federal.

Art. 2º A anistia de que trata esta Lei abrange os crimes definidos no Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 – Código Penal Militar, e na Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983 – Lei de Segurança Nacional, e as infrações disciplinares conexas, não incluindo os crimes definidos no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e nas demais leis penais especiais.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

ADI

A Procuradoria-Geral da República propôs ADI contra a Lei na parte que concede anistia por infrações disciplinares.

O autor afirmou que a União não tem competência para conceder anistia de infrações administrativas praticadas por servidores estaduais, considerando que isso seria iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo estadual.

 

Assiste razão ao PGR? O pedido formulado na ADI foi julgado procedente?

SIM.

O art. 21, XVII e o art. 48, VIII, da CF/88 preveem que a União pode conceder anistia:

Art. 21. Compete à União:

(...)

XVII - conceder anistia;

 

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

(...)

VIII - concessão de anistia;

 

Vale ressaltar, no entanto, que esses dispositivos devem ser interpretados restritivamente no que tange às infrações penais. Em outras palavras, a União possui competência para editar lei concedendo anistia (“perdão”) em caso de cometimento de infrações penais.

Em matéria de infrações disciplinares, cabe aos entes estaduais concedê-la a seus respectivos servidores, em face da autonomia que caracteriza a Federação brasileira.

Quanto aos bombeiros e policiais militares, essa competência estadual é reforçada no art. 42 e no art. 144, § 6º, da CF/88:

Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

 

Art. 144 (...)

§ 6º As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

 

A União também possui competência privativa para legislar sobre organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação, mobilização, inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares (art. 22, XXI, da CF/88). Essa competência, contudo, é destinada apenas às normas gerais relacionadas ao estabelecimento de diretrizes e de princípios fundamentais regentes de determinada matéria, sem ser possível disciplinar peculiaridades ou especificidades locais.

No presente caso, as greves dos policiais e bombeiros militares mencionadas na norma questionada buscaram, segundo seus líderes, melhorias das condições de trabalho especificamente sob o aspecto institucional de cada Estado, separadamente considerado.

Assim, embora ocorridas situações similares em mais de um estado, a irresignação dos grevistas permaneceu direcionada às condições específicas de cada corporação, de modo que, não afastado o interesse regional, compete ao chefe do Poder Executivo correspondente (Governador), por imposição do princípio da simetria, a iniciativa de lei para tratar do tema.

 

Vício de iniciativa

Conforme a alínea “c” do inciso II do § 1º do art. 61 da CF/88, é de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre “servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria”, o que também, segundo jurisprudência consolidada da Suprema Corte, inclui as leis que tratem de anistia.

A Lei nº 12.505/2011 resultou de um projeto de lei de iniciativa parlamentar, havendo, portanto, vício de iniciativa. Embora sancionadas pela Presidente da República, a sanção do executivo não afastou o vício de iniciativa.

Nesse sentido:

É inconstitucional lei estadual de iniciativa parlamentar que disponha sobre a concessão de anistia a infrações administrativas praticadas por policiais civis militares e bombeiros.

STF. Plenário. ADI 4928/AL, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 8/10/2021 (Info 1033).

 

Dispositivo do acórdão

Com base nesse entendimento, o Plenário do STF, por unanimidade, julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade da expressão “e as infrações disciplinares conexas”, constante na lei impugnada.

Por maioria, a Corte fez a modulação dos efeitos atribuiu à decisão eficácia ex nunc, a contar da data de publicação da ata de julgamento. Assim, ficaram resguardados os atos praticados que produziram seus efeitos há quase uma década. Em outras palavras, quem foi anistiado com base na Lei, continuará anistia.

 

Em suma:

É formalmente inconstitucional norma federal que concede anistia a policiais e bombeiros militares estaduais por infrações disciplinares decorrentes da participação em movimentos reivindicatórios por melhorias de vencimentos e de condições de trabalho.

STF. Plenário. ADI 4869/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 27/5/2022 (Info 1056).


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