terça-feira, 9 de agosto de 2022
A entidade de previdência complementar informou que o consumidor receberia um valor bem maior do que o efetivamente pago. Essa informação pode ser caracterizada como oferta, de modo a vincular o plano?
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João contratou plano de
previdência complementar aberta em 18/01/1995, tendo arcado com o pagamento
mensal das contribuições até 28/10/2014. Ele pagava R$ 800,00 por mês.
Durante esses quase 20 anos, a
instituição informou-lhe periodicamente, por meio de boletos enviados, qual
seria o valor do benefício que ele receberia (R$ 115.000,00).
Todavia, no momento do
adimplemento de sua obrigação, a entidade de previdência constatou que se
equivocou na informação reiteradamente prestada ao longo de quase duas décadas.
Diante disso, sob a justificativa
de que o valor informado não atenderia ao equilíbrio atuarial, a entidade se
negou a pagar o valor que havia informado, afirmando que o valor a ser pago
seria apenas de R$ 20.000,00.
João tem direito de exigir do
plano o cumprimento da promessa feita e, portanto, o pagamento do benefício no
valor originalmente informado?
SIM. Inicialmente, é importante
relembrar que essa relação jurídica é regida também pelo Código de Defesa do
Consumidor:
Súmula 563-STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às
entidades abertas de previdência complementar, não incidindo nos contratos
previdenciários celebrados com entidades fechadas.
Condutas esperadas por cada
parte
A entidade aberta de previdência
complementar é uma sociedade anônima que fornece em regime de mercado seus
planos de previdência. Dela se espera conhecimento e domínio de todas as regras
legais e regulamentares aplicáveis a si e a seus produtos.
Por sua vez, cabe aos
consumidores, a partir das informações que lhe são prestadas pelo fornecedor,
tomar a decisão acerca da aderência ao contrato do plano ofertado, atentando
para as características que melhor satisfaçam suas necessidades e interesses.
Princípio da vinculação da
oferta
No âmbito do sistema consumerista, não há dúvida de que as
informações prestadas sobre o produto consumido vinculam e obrigam o
fornecedor, dando ensejo ao cumprimento forçado, conforme previsão expressa do
art. 35, I, do CDC:
Art. 35. Se o fornecedor de produtos
ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o
consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:
I - exigir o cumprimento forçado da
obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;
(...)
Eventual erro de informação
não é, a priori, escusável (responsabilidade objetiva)
Seguindo uma tendência de
objetivação da responsabilidade, o CDC não deu espaço para se perquirir culpa
ou o dolo do fornecedor.
Ao assumir essa posição no
mercado, o mínimo que se pode esperar é que o fornecedor tenha ampla
familiaridade com o produto ou serviço que oferta, assim como com seu modo de
operação e com as possíveis falhas normais. Isso significa que eventual erro de
informação não é, a priori, escusável.
É certo que há exceções à
vinculação nas hipóteses de erro justamente como forma de preservação da boa-fé
objetiva dos contratantes, princípio que certamente transita nos dois sentidos,
protegendo consumidor e fornecedor da prática de condutas desleais ou desonestas.
Para afastar a boa-fé objetiva, entretanto, deve o erro ser evidente, manifesto
e facilmente perceptível ao homem médio.
Voltando ao caso concreto
Como parte do seu dever de
informar, a entidade fornecia periodicamente as informações relativas ao
benefício contratado. Todavia, no momento do adimplemento de sua obrigação e da
efetiva entrega do “produto” ofertado, constatou-se o equívoco da informação
reiteradamente prestada ao longo de quase duas décadas. Sob a justificativa de
que o valor informado não atenderia ao equilíbrio atuarial, frustrou-se
objetivamente a legítima expectativa nutrida no consumidor e na beneficiária
por ele indicada.
Nota-se que o valor indicado a
título de benefício de pecúlio não se mostra desproporcional frente aos valores
de contribuição recolhidos mensalmente pelo consumidor. Ao contrário,
desarrazoado é se supor que o consumidor manteria contribuições mensais de mais
de R$ 800,00 para obter um benefício de apenas R$ 20.000,00. Ora, em apenas 2
anos de poupança, nos mesmos valores de contribuição, o consumidor praticamente
alcançaria a cifra efetivamente paga a título de pecúlio, desconsideradas
quaisquer taxas de juros ou correção monetária dos valores.
Se houve falha no cálculo
atuarial, não foi ela provocada pelo consumidor, mas exclusivamente pela
atuação da própria entidade.
Logo, a entidade foi condenada a pagar
a diferença de R$ 95.000,00 entre o valor informado no último boleto (R$115.000,00)
e o valor creditado à Autora (R$20.000,00)
Em suma:
STJ. 4ª
Turma. REsp 1.966.034-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Raul
Araújo, julgado em 24/05/2022 (Info 738).