Dizer o Direito

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Uma pessoa entrou em um hospital público e desferiu um tiro em um dos pacientes, ocasionando a sua morte. O Poder Público tem o dever de indenizar os herdeiros?

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Eduardo recebeu um tiro e foi levado a um hospital público. Ele recebeu o socorro médico e permaneceu internado no local com quadro estável.

No dia seguinte, uma pessoa não identificada – talvez a mesma que tentou ceifar sua vida no dia anterior – entrou no quarto onde Eduardo estava internado no hospital e efetuou quatro disparos contra a vítima, que faleceu no local.

O homicida fugiu sem ser capturado.

Regina, mãe de Eduardo, ajuizou ação de indenização contra o Estado pedindo indenização por danos morais e materiais em decorrência do homicídio de seu filho ocorrido no interior do hospital público.

Argumentou que cabia ao Estado zelar pelos pacientes internos e que a morte só ocorreu em razão da inexistência de vigilância e cuidados mínimos de segurança por parte da instituição, já que não existia portaria ou funcionário responsável para observar a entrada e a saída de pessoas do hospital.

Assim, segundo a requerente, estaria demonstrado o nexo causal entre a conduta do Estado e o evento danoso.

O Estado contestou o pedido, alegando a inexistência de nexo causal, pois a situação era imprevisível. Argumentou que não cometeu ato ilícito e o evento se deu por fato exclusivo de terceiro, o que rompe o nexo causal.

Requereu que os pedidos fossem julgados improcedentes.

 

Para o STJ, o Estado tem responsabilidade civil neste caso?

SIM.

O hospital que deixa de fornecer o mínimo serviço de segurança, contribuindo de forma determinante e específica para homicídio praticado em suas dependências, responde objetivamente pela conduta omissiva.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.708.325-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 24/05/2022 (Info 740).

 

 

Responsabilidade objetiva como regra

A responsabilidade civil estatal é, em regra, objetiva e decorre do risco administrativo. Logo, não se exige a existência de culpa por parte do Estado. Isso está previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal; nos arts. 186 e 927, parágrafo único do Código Civil; e no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor:

Constituição Federal

Art. 37 (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

 

Código Civil

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

(...)

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

 

Código de Defesa do Consumidor

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

 

Responsabilidade estatal em caso de atos omissivos

Existe certa controvérsia no que tange aos atos estatais omissivos.

Embora a lei não tenha feito distinção, há os que entendem que, em se tratando de atos omissivos, a responsabilidade do ente público teria caráter subjetivo.

Vale ressaltar, contudo, que o STF e o STJ possuem diversos julgados afirmando que o Poder Público responde de forma objetiva, inclusive em caso de atos omissivos, quando constatada a precariedade/vício no serviço decorrente da falha no dever legal e específico de agir.

 

Inação do ente público, no caso concreto

O hospital, além do serviço técnico-médico, também é responsável pelo serviço auxiliar de estadia (internação). Assim, o ente público é obrigado a disponibilizar equipe/pessoal e equipamentos necessários e eficazes para o alcance dessa finalidade.

No caso concreto, ficou demonstrada a inação estatal tendo em vista que o evento ocorreu por conta do mau funcionamento dos trabalhos auxiliares e estruturas operacionais (ausência de serviço/pessoal de vigilância). Desse modo, entende-se que o ente público, em virtude da natureza da atividade pública exercida, responde de forma objetiva, uma vez que, inegavelmente, tinha o dever de atuar, ao menos minimamente, para impossibilitar a ocorrência do evento nocivo.

A omissão do Estado no presente feito revela-se específica e contribuiu decisivamente para a morte da vítima, pois o hospital público não ofereceu nenhuma ou sequer a mínima garantia de integridade aos que se utilizam do serviço e pela qual, em razão do risco da atividade prestada, tem o dever de zelo e proteção.

 

Análise dos pressupostos de responsabilidade, no caso concreto

A responsabilidade civil do Estado, seja de ordem subjetiva, seja objetiva - depende, para a configuração da ocorrência de seus pressupostos:

a) ato ilícito;

b) dano sofrido; e

c) nexo de causalidade entre o evento danoso e a ação ou omissão do agente público.

 

No caso concreto, restou demonstrado que:

a) o hospital não possuía nenhum serviço de vigilância; e que

b) o evento morte decorreu de disparo com arma de fogo contra a vítima dentro do hospital.

 

No caso concreto, não há que se falar em fato exclusivo de terceiro como apto a romper o nexo de causalidade. Isso porque uma mínima ação de vigilância e cuidado poderia efetivamente ter evitado a morte da vítima.

Vale ressaltar que esse entendimento não se aplica indistintamente a qualquer ato derivado de conduta omissiva da administração pública. Sob as lentes do bom senso, deve ser analisado o caso concreto.

Nessa situação específica, não houve um evento de grandes proporções que impediria a atuação do Estado. Com um mínimo de segurança seria possível impedir o ingresso do autor do homicídio. Logo, é de se concluir que a conduta do hospital que deixa de fornecer o mínimo serviço de segurança e, por conseguinte, despreza o dever de zelar pela incolumidade física dos seus pacientes contribuiu de forma determinante e específica para o homicídio praticado em suas dependências, afastando-se a alegação da excludente de ilicitude, qual seja, fato de terceiro.

 

Tema correlato

O art. 927, parágrafo único, do Código Civil pode ser aplicado para a responsabilidade civil do Estado

Aplica-se igualmente ao estado o que previsto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, relativo à responsabilidade civil objetiva por atividade naturalmente perigosa, irrelevante o fato de a conduta ser comissiva ou omissiva.

STJ. 2ª Turma REsp 1869046-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 09/06/2020 (Info 674).



quinta-feira, 25 de agosto de 2022

O julgamento do processo, no STF, iniciou-se no plenário virtual. Alguns Ministros votaram. Houve pedido de destaque para que o caso seja julgado pelo plenário físico. Um dos Ministros que havia votado se aposentou. O seu voto será mantido no plenário físico?

 

Plenário virtual

Se o Plenário do STF fosse se reunir presencialmente para apreciar a existência de todos os recursos extraordinários e processos originários que chegam na Corte, isso iria abarrotar a pauta, tornando inviável o funcionamento do Tribunal.

Pensando nisso, idealizou-se uma forma mais prática de os Ministros julgarem: o julgamento eletrônico por meio de um “Plenário virtual”.

No Plenário virtual, o Ministro Relator submete, por meio eletrônico, aos demais Ministros, seu voto. Isso significa que o Relator entra no sistema informatizado do STF e insere seu voto.

Os demais Ministros também possuem acesso ao sistema informatizado e, a partir do momento em que o Relator inserir seu posicionamento, eles terão um prazo para analisar e para encaminhar, também por meio eletrônico, manifestação sobre o voto. Exs: “De acordo com o Relator”; “Divirjo do relator...”

 

Quais processos podem ser julgados pelo Plenário Virtual?

O tema é tratado no art. 1º da Resolução 642/2019. No entanto, em tese, é possível que qualquer processo seja julgado pelo Plenário Virtual, desde que sobre a matéria nele discutida já exista jurisprudência dominante no âmbito do STF. Veja a redação do dispositivo:

Art. 1º (...)

§ 1º A critério do relator, poderão ser submetidos a julgamento em ambiente eletrônico, observadas as respectivas competências das Turmas ou do Plenário, os seguintes processos:

I – agravos internos, agravos regimentais e embargos de declaração;

II – medidas cautelares em ações de controle concentrado;

III - referendum de medidas cautelares e de tutelas provisórias;

IV - recursos extraordinários e agravos, inclusive com repercussão geral reconhecida, cuja matéria discutida tenha jurisprudência dominante no âmbito do STF;

V – demais classes processuais cuja matéria discutida tenha jurisprudência dominante no âmbito do STF.

(...)

 

Sessões do Plenário Virtual acontecem semanalmente

Art. 2º As sessões virtuais serão realizadas semanalmente e terão início às sextas-feiras, respeitado o prazo de 5 (cinco) dias úteis exigido no art. 935 do Código de Processo Civil entre a data da publicação da pauta no DJe, com a divulgação das listas no sítio eletrônico do Tribunal, e o início do julgamento.

§ 1º O relator inserirá ementa, relatório e voto no ambiente virtual; iniciado o julgamento, os demais ministros terão até 5 (cinco) dias úteis para se manifestar.

§ 2º A conclusão dos votos registrados pelos ministros será disponibilizada automaticamente, na forma de resumo de julgamento, no sítio eletrônico do STF.

§ 3º Considerar-se-á que acompanhou o relator o ministro que não se pronunciar no prazo previsto no § 1º.

§ 4º A ementa, o relatório e voto somente serão tornados públicos com a publicação do acórdão do julgamento.

(...)

 

Pedido de destaque

Pode acontecer de o Relator inserir um determinado processo para ser julgado pelo Plenário Virtual, no entanto, um outro Ministro entender que esse caso não se enquadra nas hipóteses previstas na Resolução ou, então, que se trata de uma situação que merece uma discussão maior, a ser feita presencialmente. Em tais situações, o Ministro que assim entender poderá formular um “pedido de destaque”.

O pedido de destaque é, portanto, o requerimento formulado pelo Ministro para que um processo que seria apreciado pelo Plenário Virtual seja submetido a julgamento presencial.

Isso está previsto no inciso I do art. 4º da Resolução 642/2019:

Art. 4º Não serão julgados em ambiente virtual as listas ou os processos com pedido de:

I – destaque feito por qualquer ministro;

(...)

§ 1º Nos casos previstos neste artigo, o relator retirará o processo da pauta de julgamentos eletrônicos e o encaminhará ao órgão colegiado competente para julgamento presencial, com publicação de nova pauta.

§ 2º Nos casos de destaques, previstos nos incisos I e II, o julgamento será reiniciado.

 

Obs: esse pedido de destaque pode ser feito também pela parte, mas só ocorrerá se o relator concordar (art. 4º, II, da Resolução).

                                                                                

Imagine agora a seguinte situação:

Em 20/11/2020, o STF iniciou o julgamento de um processo no plenário virtual.

No dia 23/11/2020, o Ministro Marco Aurélio lançou seu voto no sistema virtual acompanhando o relator.

Outros Ministros também votaram.

Esse julgamento iria se encerrar em 27/11/2021.

Ocorre que, antes do seu término, o Ministro Luiz Fux formulou pedido de destaque, requerendo que o processo fosse julgado presencialmente, ou seja, no Plenário físico do STF.

Diante disso, o Relator retirou o processo do ambiente virtual e o encaminhou ao Plenário físico para julgamento presencial.

O Ministro Marco Aurélio, que havia apresentado voto no ambiente virtual, aposentou-se no dia 12/07/2021, sendo sucedido pelo Ministro André Mendonça.

O processo foi marcado para ser julgado pelo Plenário físico no dia 09/06/2022.

 

Diante disso, indaga-se: o voto já proferido pelo Ministro Marco Aurélio será preservado ou o Ministro André Mendonça, que o sucedeu, poderá prolatar novo voto?

Deverá ser preservado (mantido).

Serão preservados os votos proferidos em ambiente virtual por ministro aposentado ou cujo exercício do cargo tenha cessado por outro motivo, ainda que a continuidade do julgamento se dê no Plenário presencial após pedido de destaque.

STF. Plenário. ADI 5399/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 9/6/2022 (Info 1058).

 

No reinício do julgamento, deve ser adotada a mesma sistemática do Regimento Interno do STF (art. 134, § 1º) e do Código de Processo Civil (art. 941, § 1º) para os pedidos de vista, segundo a qual, no prosseguimento da análise, o voto proferido por magistrado que se afaste por aposentadoria ou outro motivo deve ser mantido:

RISTF/Art. 134. O ministro que pedir vista dos autos deverá apresentá-los, para prosseguimento da votação, no prazo de trinta dias, contado da data da publicação da ata de julgamento.

§ 1º Ao reencetar-se o julgamento, serão computados os votos já proferidos pelos Ministros, ainda que não compareçam ou hajam deixado o exercício do cargo.

(...)

 

CPC/Art. 941. Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro voto vencedor.

§ 1º O voto poderá ser alterado até o momento da proclamação do resultado pelo presidente, salvo aquele já proferido por juiz afastado ou substituído.

(...)

 

Modulação de efeitos

A partir da leitura do art. 4º, § 2º da Resolução STF 642/2019, entendia-se em sentido contrário ao que foi decidido acima. Logo, houve uma mudança de entendimento do STF. Diante disso, em nome da segurança jurídica, o STF afirmou que o entendimento explicado vale apenas os pedidos de destaque que serão julgados a partir deste julgamento, não se aplicando aos processos já julgados.


quarta-feira, 24 de agosto de 2022

INFORMATIVO Comentado 1058 STF (completo e resumido)

Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível mais um INFORMATIVO COMENTADO.

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 1058 DO STF


Direito Constitucional

COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS

§  É inconstitucional norma estadual que obriga empresa privada de telefonia celular e instituição de ensino a garantir idênticos benefícios promocionais tanto aos novos clientes quanto aos antigos.

 

TRIBUNAL DE CONTAS

§  É constitucional norma estadual que prevê o pagamento proporcional da remuneração devida a conselheiro de Tribunal de Contas para auditor em período de substituição.

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

PROCESSO NOS TRIBUNAIS

§  Caso haja pedido de destaque em processos com julgamento iniciado no ambiente virtual, os votos lançados por ministros que, posteriormente, deixarem o exercício do cargo, por aposentadoria ou outro motivo, serão válidos.

 

DIREITO DO TRABALHO

DEMISSÃO

§  A dispensa em massa de empregados deve ser precedida da tentativa de diálogo entre a empresa e o sindicato dos trabalhadores.


A possibilidade de oferecimento do acordo de não persecução penal é conferida exclusivamente ao Ministério Público, não cabendo ao Poder Judiciário determinar ao Parquet que o oferte

 

ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP)

O julgado a seguir comentado trata sobre acordo de não persecução penal (ANPP).

Antes de verificar o que foi decidido, irei fazer uma breve revisão sobre o tema com base na excelente obra de Leonardo Barreto (Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021).

Se estiver sem tempo, pode ir diretamente para a explicação do julgado logo em seguida:

 

Acordo de não persecução penal (ANPP)

A Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) inseriu o art. 28-A ao CPP, prevendo o instituto do acordo de não persecução penal (ANPP), que pode ser assim conceituado:

- é um acordo (negócio jurídico)

- celebrado entre o Ministério Público e o investigado, mas com a necessidade de homologação judicial

- firmado, em regra, antes do início da ação penal (em regra, é pré-processual)

- ajuste esse permitido apenas para certos tipos de crimes

- no ajuste, o investigado se compromete a cumprir determinadas condições

- e caso cumpra integralmente o acordo, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.

 

Mitigação ao princípio da obrigatoriedade da ação penal

Segundo o princípio da obrigatoriedade, havendo justa causa e estando preenchidos todos os requisitos legais, o membro do Ministério Público é obrigado a oferecer a denúncia.

Trata-se de um dever, e não uma faculdade, não sendo reservado ao Ministério Público um juízo discricionário sobre a conveniência e oportunidade de seu ajuizamento.

Pode-se dizer, então, que o ANPP é uma exceção ao princípio da obrigatoriedade. Outro exemplo de exceção: o acordo de colaboração premiada, no qual o MP pode conceder ao colaborador como benefício o não oferecimento da denúncia.

 

Justiça Penal Consensual

O instituto do ANPP está diretamente ligado ao movimento chamado Justiça Penal Consensual ou Negociada ou Pactual.

O Min. Reynaldo Soares da Fonseca afirma que se trata de instrumento para otimização dos recursos públicos e a efetivação da chamada Justiça multiportas, com a perspectiva restaurativa (HC 607003-SC).

 

Formalidades do acordo

O acordo será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor (§ 3º do art. 28-A).

A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para ficar registrado que esse mesmo investigado não poderá fazer novo ANPP no prazo de 5 anos (§ 12 do art. 28-A).

 

O acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia

A Lei nº 13.964/2019, no ponto em que institui o ANPP, é considerada lei penal de natureza híbrida, admitindo conformação entre a retroatividade penal benéfica e o tempus regit actum.

O ANPP se esgota na etapa pré-processual, sobretudo porque a consequência da sua recusa, sua não homologação ou seu descumprimento é inaugurar a fase de oferecimento e de recebimento da denúncia.

O recebimento da denúncia encerra a etapa pré-processual, devendo ser considerados válidos os atos praticados em conformidade com a lei então vigente.

Dessa forma, a retroatividade penal benéfica incide para permitir que o ANPP seja viabilizado a fatos anteriores à Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia.

Assim, mostra-se impossível realizar o ANPP quando já recebida a denúncia em data anterior à entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019.

STJ. 5ª Turma. HC 607003-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 24/11/2020 (Info 683).

STF. 1ª Turma. HC 191464 AgR, Rel. Roberto Barroso, julgado em 11/11/2020.

 

Requisitos (caput e § 2º do art. 28-A)

REQUISITOS PARA QUE O MP POSSA PROPOR O ANPP

1) não ser o caso de arquivamento

Se não houver justa causa ou existir alguma outra razão que impeça a propositura da ação penal, não é caso de oferecer o acordo, devendo o MP pedir o arquivamento do inquérito policial ou investigação criminal.

2) o investigado deve ter confessado a prática da infração penal

O ANPP exige que o investigado tenha confessado formal (em ato solene) e circunstancialmente (com detalhes) a prática da infração penal.

O art. 18, § 2º, da Res. 181/2017-CNMP exige que a confissão seja registrada em áudio e vídeo.

3) infração penal foi cometida sem violência e sem grave ameaça

A infração penal não pode ter sido cometida com violência ou grave ameaça.

Prevalece que é cabível ANPP se a infração foi cometida com violência contra coisa.

Assim, o ANPP somente é proibido se a infração foi praticada com grave ameaça ou violência contra pessoa.

4) a pena mínima da infração penal é menor que 4 anos

A infração penal cometida deve ter pena mínima inferior a 4 anos.

Se a pena mínima for igual ou superior a 4 anos, não cabe.

Para aferição da pena mínima, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto.

Aplicam-se ao ANPP, por analogia, as súmulas 243-STJ e 723-STF.

5) o acordo deve se mostrar necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime no caso concreto

Esse requisito revela que a propositura, ou não, do acordo está atrelada a certo grau de discricionariedade do membro do MP, que avaliará se essa necessidade e suficiência estão presentes no caso concreto.

6) não caber transação penal

Se for cabível transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95), o membro do MP deve propor a transação (e não o ANPP). Isso porque se trata de benefício mais vantajoso ao investigado.

Por outro lado, mesmo que seja cabível a suspensão condicional do processo, ainda assim, o membro do MP pode propor o ANPP.

7) o investigado deve ser primário

Se o investigado for reincidente (genérico ou específico), não cabe ANPP.

8) não haver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas

Regra: se houver elementos probatórios que indiquem que o investigado possui uma conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, não cabe ANPP.

Exceção: se essas infrações pretéritas que o investigado se envolveu forem consideradas “insignificantes”, será possível propor ANPP.

9) o agente não pode ter sido beneficiado nos 5 anos anteriores ao cometimento da infração com outro ANPP, transação penal ou suspensão condicional do processo

No momento de decidir se vai propor o ANPP, o membro do MP deverá analisar se, nos últimos 5 anos (contados da infração), aquele investigado já foi beneficiado:

· com outro ANPP;

· com transação penal ou

· com suspensão condicional do processo.

10) a infração praticada não pode estar submetida à Lei Maria da Penha

Não cabe ANPP nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.

 

Condições

O Ministério Público irá propor que o investigado cumpra as seguintes condições “ajustadas cumulativa e alternativamente”:

I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;

II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de 1/3 a 2/3, em local a ser indicado pelo juízo da execução;

IV - pagar prestação pecuniária a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou

V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

 

Recusa do MP de oferecer o acordo

No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 do CPP (§ 14º do art. 28-A).

 

Obrigatória a realização de audiência

Conforme vimos acima, o ANPP precisa de homologação judicial.

Antes de decidir pela homologação, o juiz deverá designar audiência para analisar:

a) a legalidade do acordo, isto é, se todos os requisitos do art. 28-A do CPP foram cumpridos; e

b) a voluntariedade, ou seja, se o investigado deseja realmente o ajuste. Para isso, o magistrado irá fazer oitiva do investigado na presença do seu defensor.

 

“Quanto à voluntariedade, o magistrado verificará a ocorrência de algum tipo de vício de vontade, como o erro, o dolo e a coação. Além disso, deverá observar se o agente possui pleno e integral conhecimento do conteúdo do acordo por ele celebrado. No que diz respeito à legalidade, o juiz deverá examinar se o ANPP foi firmado em atendimento às hipóteses legais, assim como se as suas cláusulas estão em consonância com o regramento contido no art. 28-A do CPP. Certo é que o magistrado não poderá apreciar o mérito/conteúdo do acordo, matéria privativa do Ministério Público e do investigado, dentro do campo de negociação reconhecido pela Justiça Penal Consensual, sob pena de violação da sua imparcialidade e do próprio sistema acusatório.” (MOREIRA ALVES, Leonardo Barreto. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 356).

 

Devolução dos autos ao MP

Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor (§ 5º do art. 28-A).

 

Recusa à homologação

O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º do art. 28-A acima mencionado (§ 7º do art. 28-A).

Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia (§ 8º do art. 28-A).

 

Homologação do acordo

Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal (§ 6º do art. 28-A).

 

Vítima deverá ser informada da celebração do acordo e de eventual descumprimento

A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento (§ 9º do art. 28-A).

 

Cumprimento do acordo

Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade (§ 13 do art. 28-A).

 

Descumprimento do acordo

Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia (§ 10 do art. 28-A).

O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo (§ 11 do art. 28-A).

 

EXPLICAÇÃO DO JULGADO

Feita essa revisão, imagine agora a seguinte situação adaptada:

João foi denunciado pela prática do crime de corrupção ativa, previsto no art. 333, parágrafo único do Código Penal:

Art. 333. Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

 

Após o encerramento da instrução processual, entrou em vigor a Lei nº 13.964/2019 que acrescentou o art. 28-A no CPP.

Diante disso, o juiz abriu vista ao Procurador da República para que se manifestasse sobre o interesse em propor acordo de não persecução penal.

O Procurador da República manifestou-se pela impossibilidade de celebração do acordo, requerendo o prosseguimento do processo.

A defesa não concordou e pediu a aplicação do § 14 do art. 28-A, do CPP:

Art. 28-A (...)

§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.

 

A 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF manteve a recusa do Procurador da República em oferecer o acordo afirmando que ele estava certo.

Ainda irresignada, a defesa impetrou habeas corpus no Tribunal Regional Federal insistindo na tese de que deveria ser oferecido o ANPP.

O TRF denegou o pedido da defesa que, então, recorreu ao STJ alegando que o Ministério Público não fundamentou adequadamente a recusa ao oferecimento do ANPP, razão pela qual seria possível a intervenção do Poder Judiciário para obrigar o Parquet.

 

O STJ concordou com o pedido da defesa?

NÃO.

No caso concreto, o ANPP pretendido deixou de ser ofertado em razão de o Ministério Público ter considerado que a celebração do acordo não seria suficiente para a reprovação e prevenção do crime, pois violaria o postulado da proporcionalidade em sua vertente de proibição de proteção deficiente, destacando que a conduta criminosa foi praticada no contexto de uma rede criminosa envolvendo vários empresários do ramo alimentício e servidores do Ministério da Agricultura.

Não há ilegalidade na recusa do oferecimento de proposta de acordo de não persecução penal quando o representante do Ministério Público, de forma fundamentada, constata a ausência dos requisitos subjetivos legais necessários à elaboração do acordo, de modo que este não atenderia aos critérios de necessidade e suficiência em face do caso concreto.

 

Não se trata de direito subjetivo do investigado

A possibilidade de oferecimento do acordo de não persecução penal é conferida exclusivamente ao Ministério Público, não constituindo direito subjetivo do investigado:

As condições descritas em lei são requisitos necessários para o oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), importante instrumento de política criminal dentro da nova realidade do sistema acusatório brasileiro. Entretanto, não obriga o Ministério Público, nem tampouco garante ao acusado verdadeiro direito subjetivo em realizá-lo. Simplesmente, permite ao Parquet a opção, devidamente fundamentada, entre denunciar ou realizar o acordo, a partir da estratégia de política criminal adotada pela Instituição.

O art. 28-A do Código de Processo Penal, alterado pela Lei 13.964/19, foi muito claro nesse aspecto, estabelecendo que o Ministério Público 'poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições'.

STF. 1ª Turma. HC 191124 AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 08/04/2021.

 

Cuidando-se de faculdade do Parquet, a partir da ponderação da discricionariedade da propositura do acordo, mitigada pela devida observância do cumprimento dos requisitos legais, não cabe ao Poder Judiciário determinar ao Ministério Público que oferte o acordo de não persecução penal. Nesse sentido:

O Poder Judiciário não pode impor ao Ministério Público a obrigação de ofertar acordo de não persecução penal (ANPP).

Não cabe ao Poder Judiciário, que não detém atribuição para participar de negociações na seara investigatória, impor ao MP a celebração de acordos.

STF. 2ª Turma. HC 194677/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2021 (Info 1017).


O STJ considerou que estava devidamente fundamentado o não oferecimento do acordo de não persecução penal, em razão do não preenchimento de todos os requisitos legais e tendo o Ministério Público entendido que o acordo não era suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Por essa razão, o Tribunal entendeu que não havia nenhuma flagrante ilegalidade a ser sanada.

 

Em suma:


terça-feira, 23 de agosto de 2022

Em caso de sucumbência recíproca, como devem ser distribuídos os honorários advocatícios e ônus sucumbenciais?

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

A empresa “ABC”, assistida juridicamente pelo advogado João, ajuizou ação de cobrança contra a empresa “IPP” pedindo o pagamento de R$ 1 milhão decorrentes de uma contrato não cumprido.

A ré, assistida juridicamente pelo advogado Pedro, contestou a demanda afirmando que não devia nada.

O juiz julgou o pedido parcialmente procedente condenando a requerida a pagar R$ 300 mil a autora.

Houve, portanto, sucumbência recíproca.

 

Voltando ao caso concreto:

O juiz afirmou que os honorários deveriam ser arbitrados em 10% sobre o valor da causa.

No caso, o valor da causa era R$ 1 milhão. Logo, o magistrado afirmou que os honorários deveriam ser fixados em 10% sobre R$ 1 milhão (= R$ 100.000). Esses 100.000 deveriam ser divididos: metade para o advogado Pedro, a outra metade para o advogado João.

 

Agiu corretamente o magistrado?

NÃO.

Diante das particularidades da causa, bem como da proporção em que cada polo da demanda restou vencedor e vencido, não faz sentido que a verba honorária seja estabelecida de forma idêntica para os advogados das partes.

Em caso de sucumbência recíproca, os honorários e ônus decorrentes devem ser distribuídos adequada e proporcionalmente, levando-se em consideração o grau de êxito de cada um dos envolvidos, bem como os parâmetros dispostos no art. 85, § 2º, do CPC/2015:

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

(...)

§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:

I - o grau de zelo do profissional;

II - o lugar de prestação do serviço;

III - a natureza e a importância da causa;

IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

 

Se o pedido da ação condenatória foi julgado parcialmente procedente, os honorários devidos ao advogado da ré devem ser calculados, não com base no valor da causa, mas sim tendo em conta o proveito econômico obtido pela empresa demandada.

No caso em tela, a autora pleiteava R$ 1 milhão e a condenação foi de apenas R$ 300 mil. Isso significa que o advogado da ré conseguiu um proveito econômico de R$ 700 mil, sendo esse o montante que melhor reflete o êxito obtido pelo advogado da ré, já que correspondente ao que ela deixou de perder com a demanda condenatória. Essa foi a “vantagem” obtida por seu advogado. Logo, os honorários devidos ao advogado da ré devem ser calculados em 10% sobre R$ 700 mil (R$ 70 mil).

Não se mostra adequado, para fins de fixação da verba honorária, aferir o proveito econômico obtido pela ré IPP com lastro no valor da condenação imposta contra si (R$ 300 mil).

 

Em suma:

Verificada a existência de sucumbência recíproca, os honorários e ônus decorrentes devem ser distribuídos adequada e proporcionalmente, levando-se em consideração o grau de êxito de cada um dos envolvidos, bem como os parâmetros dispostos no art. 85, § 2º, do CPC/2015.

STJ. 4ª Turma. EDcl no AgInt nos EDcl no AREsp 1.553.027-RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 03/05/2022 (Info 739).


segunda-feira, 22 de agosto de 2022

INFORMATIVO Comentado 739 STJ (completo e resumido)

Olá, amigas e amigos do Dizer o Direito,

Já está disponível mais um INFORMATIVO COMENTADO.

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Confira abaixo o índice. Bons estudos.

ÍNDICE DO INFORMATIVO 739 DO STJ


DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES PÚBLICOS

§  A atividade de praticagem é incompatível com as atribuições da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil.

 

TEMAS DIVERSOS

§  A interferência do Poder Judiciário em regras de elevada especificidade técnica do setor elétrico por meio de liminar configura grave lesão à ordem e à economia pública.

 

DIREITO CIVIL

CASAMENTO

§  Casal se divorciou e não fez a partilha dos bens; ex-mulher ficou morando no imóvel comum durante anos sem oposição do ex-marido; vale ressaltar que metade do imóvel pertencia ao ex-marido; a ex-mulher poderá adquirir essa outra metade por usucapião.

 

DIREITO EMPRESARIAL

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

§  O prazo de 10 dias, previsto no art. 8º da Lei 11.101/2005, para apresentar impugnação à habilitação de crédito, deve ser contado em dias corridos.

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

§  Juiz julga procedentes pedidos para que o plano de saúde custeie o tratamento e pague danos morais; qual será a base de cálculo dos honorários advocatícios?

§  Em caso de sucumbência recíproca, como devem ser distribuídos os honorários advocatícios e ônus sucumbenciais?

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP)

§  A possibilidade de oferecimento do acordo de não persecução penal é conferida exclusivamente ao Ministério Público, não cabendo ao Poder Judiciário determinar ao Parquet que o oferte.

 

PROVAS (RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO)

§  Mesmo que o reconhecimento pessoal não tenha observado as formalidades legais, não será o caso de absolvição se a vítima relatou, nas fases inquisitorial e judicial, conhecer o réu, bem como o pai do acusado, por serem vizinhos.

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS

§  Os valores descontados a título de contribuição previdenciária e de imposto de renda retido na fonte compõem a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal e das contribuições destinadas a terceiros e ao RAT.

 

DIREITO INTERNACIONAL

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA

§  Não é possível a homologação de sentença estrangeira se ela se mostra contrária ao conteúdo de decisão judicial proferida no Brasil.


Juiz julga procedentes pedidos para que o plano de saúde custeie o tratamento e pague danos morais. Qual será a base de cálculo dos honorários advocatícios?

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João, cliente do plano de saúde X, foi diagnosticado com determinada doença.

O médico que estava atendendo João prescreveu que ele fosse submetido a uma cirurgia.

O plano de saúde recusou-se a custear o tratamento sob o argumento de que ele não estaria incluído na cobertura oferecida segundo o contrato assinado.

Diante desse cenário, João ajuizou ação contra o plano de saúde pedindo que a ré fosse:

a) obrigada a realizar a cirurgia, em rede própria ou credenciada (obrigação de fazer);

b) condenada a pagar R$ 50 mil a título de indenização por danos morais (obrigação de pagar);

c) condenada a pagar honorários advocatícios de sucumbência.

 

O juiz prolatou sentença julgando os pedidos procedentes.

A dúvida ficou por conta da base de cálculo dos honorários advocatícios.

O art. 85, § 2º afirma que os honorários serão fixados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou sobre o valor atualizado da causa.

Suponhamos que o magistrado estabeleceu os honorários no percentual de 10%.

 

Esses 10% serão fixados apenas sobre R$ 50 mil (obrigação de pagar) ou sobre R$ 50 mil mais o custo da cirurgia (obrigação de pagar + obrigação de fazer)?

A base de cálculo dos honorários incluirá ambas as condenações:

 

A sentença que condena o plano de saúde à prestação cominatória (fornecer a cobertura pleiteada) e a pagar quantia certa (valor arbitrado na compensação dos danos morais) deve ter a sucumbência calculada sobre ambas as condenações.

A condenação do plano de saúde quanto à obrigação de fazer (custeio do tratamento médico) deve ser levada em consideração no cálculo dos honorários porque se trata de obrigação que pode ser economicamente aferida, utilizando-se como parâmetro o valor da cobertura indevidamente negada, repercutindo, assim, no cálculo da verba sucumbencial.

Assim, considerando que é possível mensurar o valor econômico da obrigação de fazer, tal montante deve integrar a base de cálculo dos honorários advocatícios sucumbenciais.

O termo condenação, previsto no art. 85, § 2º, do CPC/2015, não se restringe à determinação de pagar quantia, incluindo também às demais obrigação que possam ser quantificadas ou mensuradas.


domingo, 21 de agosto de 2022

Casal se divorciou e não fez a partilha. A mulher ficou morando no imóvel que pertencia ao casal (cada um era dono de metade). A mulher poderá adquirir a metade do ex-marido por usucapião?

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João e Regina eram casados e se divorciaram.

Como estavam com pressa, João e Regina se divorciaram, mas não realizaram, nesta ocasião, a partilha de bens.

 

É possível fazer o divórcio sem a partilha de bens?

SIM. Quando um casal está se divorciando, são muitos os conflitos que surgem envolvendo os mais diversos aspectos da vida da pessoa: a questão sentimental, a guarda dos filhos, a discussão acerca da alteração ou manutenção do patronímico e, como não se pode esquecer, há também o debate sobre o patrimônio e a divisão(partilha) dos bens, de acordo com o regime matrimonial adotado.

Algumas vezes, a vontade do casal de se divorciar é muito intensa e eles querem que isso ocorra logo. No entanto, a discussão sobre a divisão dos bens pode ser complexa e acabar atrasando a formalização do divórcio.

Diante deste problema da vida prática, o Código Civil previu a possibilidade de os cônjuges realizarem o divórcio e que a discussão sobre a divisão dos bens fique para ser resolvida em um momento posterior. Confira:

Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens.

 

Flávio Tartuce explica que a partilha posterior dos bens pode ser efetivada por meio de três caminhos (Manual de Direito Civil. Volume único. São Paulo: Método, 2011, p. 1.075):

• nos próprios autos da ação de divórcio;

• em ação autônoma de partilha de bens (que também deverá tramitar na vara de família);

• por escritura pública de partilha extrajudicial (Lei nº 11.441/2007).

 

Voltando ao caso concreto

O casal se divorciou e não fez a partilha dos bens.

Regina ficou morando no imóvel comum (um apartamento) durante anos sem oposição do ex-marido.

Vale ressaltar que metade do imóvel pertencia ao João e a outra metade a Regina.

 

Completado o tempo necessário, Regina ajuizou ação de usucapião contra João pedindo para adquirir a propriedade plena do imóvel. Isso é possível?

SIM.

Dissolvida a sociedade conjugal, o bem imóvel comum do casal rege-se pelas regras relativas ao condomínio, ainda que não realizada a partilha de bens, cessando o estado de mancomunhão anterior.

Nesse contexto, o condômino (em nosso exemplo, Regina) que exerce a posse por si sem oposição dos demais coproprietários possui legitimidade para usucapir o bem, desde que preenchidos os demais requisitos legais.

 

Posse ad usucapionem

“Uma vez verificado que o bem é passível de usucapião, há de ser perquirido o segundo requisito: posse mansa e pacífica com animus domini. Trata-se da chamada posse qualificada. A posse ad usucapionem ou usucapível tem qualidades jurídicas distintas das demais. Isso porque, traduz uma posse especial, a qual exige a intenção de ser dono - animus domini. Ademais, necessita ser mansa, pacífica, contínua e duradoura.” (FIGUEIREDO, Luciano; FIGUEIREDO, Roberto. Manual de Direito Civil. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 1203)

 

É possível dizer que a posse de Regina era uma posse ad usucapionem?

SIM. A posse de um condômino sobre bem imóvel exercida por si mesma, com ânimo de dono, ainda que na qualidade de possuidor indireto, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários, nem reivindicação dos frutos e direitos que lhes são inerentes, confere à posse o caráter de ad usucapionem, a legitimar a procedência da usucapião em face dos demais condôminos que resignaram do seu direito sobre o bem, desde que preenchidos os demais requisitos legais.

 

João argumentou que Regina ficou na posse do imóvel na qualidade de administradora do bem e que, portanto, não teria sido uma posse ad usucapionem. Essa alegação foi acolhida?

NÃO. Após o fim do matrimônio, pode-se dizer que João abandonou a sua fração ideal sobre o imóvel, que ficou sob a posse exclusiva da ex-esposa, sendo que esta não lhe repassou nenhum valor proveniente de aluguel nem ele o exigiu, além de não ter prestado conta nenhuma por todo o período antecedente ao ajuizamento da referida ação.

Em razão disso, revela-se descabida a presunção de ter havido mera administração do bem por Regina. O que houve foi o exercício da posse pela ex-esposa, com efetivo ânimo de dona, a amparar a procedência do pedido de usucapião.

 

Em suma:


Dizer o Direito!