Dizer o Direito

quarta-feira, 13 de julho de 2022

Valores recebidos por servidores públicos por força de decisão judicial precária, posteriormente reformada, devem ser restituídos ao erário?

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João, servidor público, ingressou com ação pedindo o pagamento de determinada gratificação que entende devida.

O juiz deferiu a tutela provisória de urgência, determinando a inclusão dessa verba no seu contracheque.

Assim, por força dessa decisão provisória, João passou a receber R$ 4 mil a mais todos os meses.

Depois de 1 ano, essa decisão interlocutória foi reformada pelo Tribunal.

Ao final, o pedido de João foi julgado improcedente.

A Fazenda Pública pediu, então, que João fosse condenado a devolver os valores que recebeu ao longo desses 12 meses por força da decisão liminar que foi revogada.

De acordo com a União, a devolução é imposta pelo art. 46, § 3º da Lei nº 8.112/90:

Art. 46 (...)

§ 3º Na hipótese de valores recebidos em decorrência de cumprimento a decisão liminar, a tutela antecipada ou a sentença que venha a ser revogada ou rescindida, serão eles atualizados até a data da reposição.

 

O pedido da União deverá ser acolhido? João terá que devolver os valores relativos aos 12 meses que recebeu por força da medida liminar posteriormente revogada?

Para o STJ, sim.

Valores recebidos por servidores públicos por força de decisão judicial precária, posteriormente reformada, devem ser restituídos ao erário. 

STJ. 2ª Turma. AREsp 1.711.065-RJ, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 03/05/2022 (Info 735).

 

A posição consolidada no STJ é no sentido de que se o servidor recebeu valores com base em uma decisão judicial precária, não se pode dizer que ele estivesse de boa-fé, pois a Administração em momento algum gerou nele uma falsa expectativa de que aquele recebimento seria definitivo.

Se fosse proibida a cobrança dos valores haveria um desvirtuamento do próprio instituto da antecipação dos efeitos da tutela, haja vista que um dos requisitos legais para sua concessão reside justamente na inexistência de perigo de irreversibilidade.

Assim, o servidor não pode alegar boa-fé como argumento para não devolver os valores recebidos por meio de liminar. Isso porque essa medida é precária por natureza, não se podendo presumir a definitividade do pagamento (STJ. 2ª Turma. AgInt no AgInt no AREsp 1.609.657/MS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 16/03/2021).

 

O STF possui o mesmo entendimento do STJ?

A 1ª Turma do STF decidiu em sentido contrário ao STJ em um caso no qual ficou reconhecido que houve mudança de jurisprudência. Explicando melhor: quando a liminar foi concedida, a jurisprudência era favorável ao pleito do servidor. Posteriormente, isso mudou. Confira:

Não deve ser determinada a devolução de valores recebidos de boa-fé por servidor público, percebidos a título precário no período em que liminar produziu efeitos.

É desnecessária a devolução dos valores recebidos por liminar revogada, em razão de mudança de jurisprudência. Também é descabida a restituição de valores recebidos indevidamente, circunstâncias em que o servidor público atuou de boa-fé.

STF. 1ª Turma. MS 32185/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 13/11/2018 (Info 923).

 

Não há julgados recentes do STF enfrentando novamente o tema.

 

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Outros entendimentos jurisprudenciais que são importantes sobre o assunto:

 

SITUAÇÃO

TERÁ QUE DEVOLVER?

1) Servidor recebe por decisão ADMINISTRATIVA depois revogada por se constatar que houve errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública.

NÃO

STJ REsp 1244182-PB, Tema 531

2) Servidor que recebe indevidamente valores em decorrência de erro administrativo da Administração (erro operacional ou de cálculo), que não se enquadre como interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração.

SIM,

salvo se comprovar a sua boa-fé objetiva

STJ REsp 1.769.306/AL, Tema 1009

3) Servidor recebe por decisão JUDICIAL não definitiva depois reformada.

SIM

(posição do STJ)

STJ EAREsp 58820-AL

4) Servidor recebe por decisão JUDICIAL não definitiva depois reformada (obs: a reforma da liminar foi decorrência de mudança na jurisprudência).

NÃO

(posição do STF)

4) Servidor recebe por sentença TRANSITADA EM JULGADO e que posteriormente é rescindida.

NÃO

STJ AgRg no AREsp 463.279/RJ

5) Herdeiro que recebe indevidamente proventos do servidor aposentado depois que ele morreu.

SIM

STJ AgRg no REsp 1387971-DF

 


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